No verão seco e com Madeira em vazante, Porto Velho desperdiça água sem dó
Com a região Norte à porta de enfrentar um dos verões mais rigorosos em décadas, a população da capital rondoniense se comporta como se nada de grave ocorresse com serviços de distribuição de água potável
Montezuma Cruz
Dos varadouros de Porto Velho
ENTRA ANO, sai ano, Porto Velho inteira é campeã de reclamações do velho esgoto a céu aberto, do lixo e da água tratada. No entanto, sua população (atualmente em 460 mil pessoas, segundo a prévia do Censo 2022) é também useira e vezeira em cometer absurdos diários – o desperdício de água tratada, por exemplo. Desde 2014, a estatística da Companhia de Água e Esgotos de Rondônia (Caerd) aponta mais de 70% no índice de desperdício na capital do estado.
Porto Velho desperdiça o mais primordial bem da natureza e sem o qual ninguém vive. Essencial no período do verão, água de poços perfurados nos quintais derrama dos depósitos em pleno período da manhã, longe dos olhos da fiscalização e com a displicência daqueles que irão consumi-la. No país, o maior problema da perda e desperdício de água é o vazamento das redes, o que também ocorre em Porto Velho. De acordo com o Trata Brasil, “é preciso investimento do setor público para combater essas perdas.”
A assessoria da Caerd informou que substitui tubulações antigas – algumas com mais de 40 anos – por material mais novo e resistente. No que diz respeito à distribuição, o desperdício hídrico no país aponta a média de 40%% da água potável.
Por uma hora seguida, na manhã do dia 19 de julho, uma quarta-feira, este repórter observou o vazamento na rua onde mora, no Aponiã, gritou alto para alertar vizinhos, em vão. O problema prosseguiu inalterado, e assim acontece diariamente. Tudo isso, no início de um dos verões que tende a ser um dos mais rigorosos em décadas por estas bandas da Amazônia Ocidental, incluindo a capital rondoniense.
– Faltou água, Zezé! – grita a vizinha, espichando o pescoço numa das janelas de uma vila de casas no bairro Aponiã, onde mora o repórter.
– Maninha, liga aí pra Caerd…
E tudo se repete. A pandemia da Covid-19 pode ter trazido lições do uso da água em casa, clínicas, hospitais, portos, aeroportos e sedes governamentais. Mas…
Dentro de algumas semanas inicia-se a rotina de verão dos caminhões-pipa da Companhia de Água e Esgotos de Rondônia (Caerd), sempre solicitados pelas famílias desesperadas, inclusive as que deixam seus depósitos derramarem.
São os mesmos vacilantes de hoje, os queixosos de amanhã. As próprias águas do gigante rio Madeira vêm diminuindo o seu nível no atual período, situando-se pouco abaixo de seis metros, conforme o mais recente boletim de monitoramento hidrológico da Bacia, elaborado pelo Serviço Geológico do Brasil (CPRM) em Porto Velho. De acordo com a última medição, de 28 de julho, o manancial estava em 4,83m na capital.
Absurdos vêm de longe: nos anos 1970 e 1980 semelhantes problemas aconteceram, sem a devida conscientização dos moradores. Exceção feita pela prefeitura ao notar que operadores de caminhões-pipa da Secretaria Municipal de Obras (Semob) estavam usando água da Caerd até quatro vezes ao dia, para molhar ruas de bairros periféricos. Foi em 2014, quando a Semob entendia que a base de asfaltamento “só poderia ser feita com água tratada.”
Na semana passada, antes do agravamento da situação deste ano, a Caerd alertou para os níveis das águas dos rios e lençóis freáticos, anunciando que trabalha uma vez mais pela conscientização das pessoas. Com vídeos institucionais nas redes sociais, a empresa dá dicas para a população economizar água nesta temporada, principalmente nos meses mais críticos: agosto e setembro.
No entanto, os habitantes usuários de água em Porto Velho parecem desprezar informações recebidas por sites e pelo Whatsapp. E as caixas-d’água seguem derramando. E mesmo os donos de poços continuam lavando carros na calçada ou lavando o chão da área da casa todo santo dia.
Em alguns casos, as pessoas ligam o motor-bomba e voltam para a cama. Isso é desastroso, pois faz oito anos que o desperdício d’água em Porto Velho ultrapassa 70%.
“Nesse período que há a escassez de chuva e a diminuição natural das reservas hídricas na região Amazônica, a população precisa adotar medidas preventivas que garantam o suprimento adequado nesta época do ano”, disse a engenheira ambiental Mônica Chagas Cerqueira, da Divisão de Gestão Ambiental e Recursos Hídricos à assessora da Caerd, Rejane Júlia.
E o perigo segue, de peito estufado, conforme demonstra a Organização das Nações Unidas (ONU):
∎ Falta de acesso à água tratada (no Brasil e no mundo);
∎ Falta acesso a saneamento básico;
∎ Mortes de adultos e crianças pelo consumo de água ou alimentos contaminados por água imprópria para consumo;
∎ Aumento do aquecimento global;
∎ Possibilidade do crescimento de disputas territoriais por conta da falta de água.