FALTA ÁGUA NA TORNEIRA – E NO RIO

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Colapso da ETA Sobral agrava a crise hídrica em Rio Branco

Falta de investimento ao longo das décadas levou ao colapso da ETA 2, deixando a capital do Acre em situação de insegurança hídrica em meio a uma seca severa (Foto: Secom/AC)



Desde 2005 os barrancos da estação de tratamento sofrem com processos erosivos, o que compromete a estrutura e o sistema de captação. Enchentes e secas extremas da última década agravaram o cenário, e agora a infraestrutura colapsou de vez. Ambiente é de uma grave crise hídrica com o rio Acre em nível crítico de vazante – e ainda estarmos muito longe do início da estação chuvosa na Amazônia.




Fabio Pontes
dos varadouros de Rio Branco


Seguindo a velha máxima de que nada é tão ruim que não possa piorar, assim podemos definir o atual cenário de segurança (ou insegurança) hídrica da capital acreana. O rompimento de parte da estrutura da Estação de Tratamento de Água 2, a ETA 2, na região da Baixada da Sobral, ocorrido na manhã de quarta, 25, coloca ainda mais em risco o serviço de distribuição de água na cidade. Tudo isso em meio a um cenário climático crítico de seca extrema, que deixa a única fonte de captação, o rio Acre, em nível crítico de vazante – e isso a dois meses para o início oficial das primeiras chuvas.

Segundo a Defesa Civil, nesta quinta o rio Acre media 1,50m. ou seja, neste mês de julho estamos a 25 cm de atingir a cota da vazante mais crítica da história, que foi registrada em 2 de outubro de 2022: 1,25m. Tudo isso quando a ciência emitiu alertas, em fevereiro, cobrando das autoridades medidas de mitigação para um dos verões mais severos dos últimos anos.

Responsável por fornecer água para 60% dos domicílios rio-branquenses, a ETA 2 já vinha há anos dando sinais de que chegaria ao colapso. A prova está aí. As omissões e a falta de investimento históricos de todos os governos e gestões municipais contribuíram para agravar o cenário – em meio a um grave processo de deterioração do rio Acre. Culpar a natureza, como fez ontem o prefeito Tião Bocalom (PL), é apenas fugir das responsabilidades. “O que eu posso fazer?”, indagou ele em entrevista. A resposta: fazer gestão pública responsável.

De fato, a erosão é um fenômeno natural, sobretudo para um manancial tão agredido pela ação humana ao longo das décadas. As subidas e descidas repentinas do rio por causa das enchentes eram os sinais mais evidentes de que a estrutura da ETA 2 um dia seria tragada pelos barrancos do manancial.

“De 2005 pra cá esse processo vem agredindo de uma forma tão absurda que, agora, três, quatro anos atrás o rio disse: olha, vou indicar mais uma vez pra vocês que vocês precisam tomar uma atitude. Não tomaram. Caiu agora. Aí vão culpar o rio, a erosão, o deslocamento de massas, dão essa desculpa para a população para não fazerem nada”, analisa o geógrafo Claudemir Mesquita, especialista em planejamento e uso de bacia hidrográfica. (Assista à íntegra da entrevista abaixo)

De acordo com ele, em 2005 uma erosão nos barrancos da ETA 2 já comprometia o sistema de captação. Ao invés de resolverem o problema, completa ele, as autoridades da época preferiram colocar bombas em flutuantes no leito do manancial. E gambiarra segue até hoje. Nos momentos mais críticos do verão, as bombas são deslocadas para os pontos mais fundos em busca de melhorar a captação da água.

A estrutura que desabou na quarta era onde ficava a água armazenada para passar pelo processo de tratamento e a distribuição. O rompimento provocou o retorno de todo o líquido para o rio. “Tava escrito que isso ia acontecer”, diz a voz do funcionário do Saerb que gravou o vídeo no momento do desastre. Agora a capital enfrenta uma crise hídrica num momento de temperaturas elevadas. Caixas d’água estão vazias e a prefeitura faz um remendo.

“Eu não conheço bem o local, mas nossa encosta é muito instável, muito suscetível a um processo conhecido como rastejo. Qualquer construção exige proteção e monitoramento, vide a passarela [Joaquim Macedo]”, diz um engenheiro consultado por Varadouro, e que pediu para não ser identificado.

“Pelas imagens, os tanques parecem muito próximos da área sujeita a deslizamentos. Talvez tenham até que recuar a ETA para um terreno mais estável. Mas isso terá que ser estudado à luz do diagnóstico técnico do que de fato ocorreu.”

Rio Acre: décadas de agressões e resistência: desmatamento, ocupação irregular das margens, esgoto despejado sem tratamento (Foto: Juan Diaz)

Um rio guerreiro

Para outro especialista, a construção de uma encosta em concreto armado nos moldes da feita no calçadão da Gameleira poderia ter evitado os “deslocados de massas”. Ninguém a fez. Quando tudo sinalizava que o colapso estava à porta, Bocalom decretou situação de emergência na ETA 2. Foram pedir ajuda ao governo federal. Quase quatro meses se passaram e a prefeitura nada fez.

“Essa é uma novela que se repete e que tem indicadores de 2005 em que o ambiente na época, chamado de mudanças globais, agora tá mudanças climáticas. Elas indicavam que os gestores precisavam tomar atitudes a respeito da preservação dos rios, dos barrancos, das nascentes”, diz Claudemir Mesquita, que há décadas dedica a carreira ao estudo do rio Acre.

“Essa coisa vem se alternando de lá para cá entre cheias e secas e ninguém, ninguém, tomou uma atitude ambiental que justifique a necessidade da proteção dos ecossistemas dos rios e igarapés. Nenhum mudança vem sendo realizada para que o rio Acre permaneça sendo o tutor das nossas vidas.”

Completa Mesquita: “Esse rio não pode, sozinho, resistir a essa agressão. Agressão ambiental, agressão à floresta, a agressão do esgoto, a agressão dos barrancos. Tem todo um desastre que nós estamos causando ao rio Acre, e ele ainda vem resistindo a tudo isso. Ele, pra mim, é um herói”.





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