Varadouro republica texto histórico sobre assassinato de Wilson Pinheiro

Publicada na edição número 20, de abril de 1981, a reportagem do Varadouro deixa bem clara a omissão criminosa das autoridades acreanas da época em identificar e prender o executor e os mandantes da morte do líder seringueiro. Sucessivos delegados foram trocados do caso para não incomodar os “novos patrões” do Acre: os fazendeiros que aqui aportavam para transformar a floresta em pasto.
dos varadouros de Rio Branco
Na última sexta, 14, o Ministério Público Federal anunciou que recorreu de sentença da Justiça Federal do Acre que rejeitou o pedido de uma ação civil pública para a condenação da União e do estado do Acre por omissões nas investigações da morte do líder seringueiro Wilson Pinheiro. Ele foi morto na sede do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia, em 21 de julho de 1980.
O assassinato de Pinheiro marcou o ápice da luta entre os seringueiros acreanos e os “paulitas” que chegavam à Amazônia incentivados pela ditadura militar (1964-1985) para transformar a floresta em pasto para o gado. A ocupação dos seringais pelos pecuaristas provocou graves conflitos entre as famílias de seringueiros que há gerações ocupavam a terra e os “novos donos do Acre”.
Aquele era um período bastante conturbado da história política e social do Acre. Varadouro registrou de perto todo este período. Aliás, enquanto um jornal alternativo, era o único veículo de imprensa do estado a expor todas as violações sofridas pelas populações tradicionais com a ocupação da Amazônia pelo boi.
Publicada na edição número 20, de abril de 1981, a reportagem do Varadouro deixa bem clara a omissão das autoridades acreanas da época em identificar e prender o executor e os mandantes da morte do líder seringueiro. Um tempo onde o jaguncismo dos fazendeiros impunha a lei do mais forte por estas bandas do país. O texto deixa evidente a pouca ou nenhuma disposição do Estado em investigar o caso, para não incomodar os “novos patrões” que ditavam as regras por aqui.
Como se pode notar, há, sim, uma real necessidade de o Estado brasileiro e acreano fazerem uma reparação histórica com o assassinato de Wilson Pinheiro. A omissão vergonhosa do Estado deixava o ambiente favorável para a atuação impune do jaguncismo sustentado pelos “paulistas”. Violações e mais violações continuaram a acontecer.
As violências persistiram até o assassinato de outra importante liderança dos trabalhadores rurais, Francisco Alves Mendes Filho, o Chico Mendes, executado no quintal de sua casa em Xapuri, no dia 22 de desembro de 1988.
Leia na íntegra o texto do Varadouro de 1981.
E OS ASSASSINOS DE WILSON?
Foi um “trabalho” bem feito, sem dúvida. Um tiro certeiro nos rins, nem precisavam os outros dois, era suficiente para derrubar a matar quase no mesmo instantE qualquer homem, mesmo que fosse o Wilsão com quase um metro e noventa de altura.
Obra de um “profissional do gatilho”, segundo o parecer de um dos mais experientes delegados da Polícia Civil do Estado, um dos primeiros designados para tomar conta do caso. Um trabalho bem feito, um tiro certeiro, obra de um profissional, mas um crime relativamente fácil de ser desvendado. Era cedo ainda naquela noite do dia 21 de julho de 1980. A pequena cidade de Brasileia estava acordada, assistindo novela das cito.
Alguns moradores mais próximos da sede do Sindicato dos Trabalhadores Rurais teriam, Inclusive, visto, depois dos tiros, um homem de chapéu e camisa vermelha correndo pela rua em direção ao rio. rumando para a Vila Epitaciolândia,
A delegacia de polícia fica, no máximo, a dez minutos do Sindicato. No município de Brasiléia, além da delegacia de polícia, há um destacamento da Polícia Militar, um posto de fronteira da Polícia Federal e soldados do Exército aquartelados. Pelas Informações fornecidas pelos trabalhadores e dirigentes sindicais, não mais do que meia-dúzia de fazendeiros da região senam suspeitos como os prováveis mandantes do crime:
No entanto, já lá se vão oito meses que assassinaram Wilson de Souza Pinheiro, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia, e as autoridades de Segurança do Estado limitam-se a dizer que estão “na pista” do criminoso, sem ao menos, corar as bochechas de vergonha.
Aliás, desde os primeiros momentos em que ocorreu o crime, o comportamento dessas autoridades jamais deixou dúvidas sobre que lado estavam – dos fazendeiros ou dos trabalhadores. Os primeiros policiais a chegarem no local do crime, ao invés de correrem atrás do pistoleiro, permaneceram na sede do sindicato, esperando, quem sabe, que o matador viesse se entregar. Nos dois dias seguintes, durante o velório, a mesma coisa: ao invés de seguirem o rastro ainda fresco do criminoso, a preocupação maior dos policiais era de vigiar os trabalhadores que velavam o corpo do seu líder assassinado.
Posteriormente, ao que consta, nenhum fazendeiro apontado como suspeito sequer foi gentilmente convidado a prestar esclarecimentos.
Nesses oito meses, vários delegados já foram afastados e outros designados para apurar o crime. Quando interpelado, o secretário de Segurança Pública do Estado responde apenas cinicamente que “estamos na pista”. Essa pista do Secretário è bom que a opinião pública e os trabalhadores saibam – seria uma tremenda e macabra piada de mau gosto, se no fundo, no fundo, não revelasse também as suas simpatias pelos “patrões” seringalistas e fazendeiros, Através de fontes da própria Secretaria de Segurança Pública, soube-se que o secretário está convencido de que quem matou Wilson Pinheiro ou foi gente de sua família ou algum diretor do sindicato que queria tomar seu lugar na presidência.
Se alguém conseguir rir com uma estupidez desse tamanho, ria.
Diferente, porém, muito diferente fol o comportamento dessas mesmas autoridades, uma semana depois do assassinato de Wilson Pinheiro, quando um grupo de trabalhadores. percebendo que a policia não estava empenhada em desvendar o crime, fez suas próprias investigações e resolveu fazer justiça com as próprias mãos.
Assim que a notícia chegou a Rio Branco, de que um grupo de seringueiros e posseiros haviam matado o gerente da fazenda Nova Promissão, Nilo Sérgio de Oliveira, o secretário de Segurança deixou o gabinete do governador do Estado afirmando para os jornalistas que iria agir “energicamente”.
De imediato, deslocou para Brasiléia os mais experientes policiais e cerca de 90 homens, armados até os dentes, para seguir a pista dos trabalhadores. Em poucos dias, rastrearam, interrogaram, bateram, torturaram e prenderam os responsáveis pela morte do capataz da fazenda.
Enquanto que, o assassino ou os assassinos de Wilson Pinheiro, provavelmente, passeavam por aí nas estradas ou sobrevoavam a região de teco-teco, como urubus depois do banquete.
Aos trabalhadores do Acre ficou mais uma vez a triste lição de que as autoridades e, principalmente, a polícia são o braço armado dos patrões, e a pergunta:
Quem matou Wilson Pinheiro?
