Do terno de borracha à navegação: histórias do Doutor Ary, antes da Madeira-Mamoré (1)

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Ary Tupinambá Pinheiro: inteligente, solidário, chegou a ser perseguido pelo governo territorial

Montezuma Cruz
Dos varadouros de Porto Velho

O médico, botânico e etnólogo Ary Tupinambá Penna Pinheiro é um dos célebres nomes da história rondoniense desde o velho Território Federal do Guaporé. Culto, generoso, de atitudes políticas firmes e claras, um combatente do vacilo. Deveria ser lido e interpretado nas mais de quatrocentas escolas da rede pública estadual no Estado de Rondônia.

Contam-se nos dedos quem tenha lido alguma de suas obras. A professora e acadêmica de letras Yêdda Borzacov Pinheiro nos apresenta o livro “Viver amazônico” (Amazon Chronicles). Hoje Varadouro publica a primeira de uma série a respeito dele, primeiramente, rememorando o transporte pelo Rio Madeira antes da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré.

O autor menciona os célebres especialistas e industriais Goddyear e Dunlop, e ainda, do pioneiro em pesquisas, o boliviano Santos Duran; e da paraense dona Vitória, a primeira seringalista – todos desconhecidos nas páginas de nossos jornais e nos livros escolares.  

Ele narra brilhantemente capítulos importantes do norte brasileiro, desde 1800. Dá gosto “viajar” por essa história. Até parece os encontros que tínhamos com o mestre debaixo do caramanchão do quintal de sua casa, perto do Hospital da Guarnição em Porto Velho. Normalmente, naquelas narrações, ele tirava nomes do anonimato.

Ary deu aulas de História da Civilização, Matemática e História Natural na Escola Normal Carmela Dutra, mas não recebia salário de professor. “Ele era um humanitário, pagava para lecionar, sem jamais reclamar”, dizia o historiador Esron Penha de Menezes nos anos 1980.

Conta o doutor Ary:

Quando os espanhóis chegaram ao Novo Mundo viram uns produtos excepcionais: “bolas de brinquedo” que quicavam. Observaram alguns indígenas deitados à sombra de certas árvores que deixavam escorrer sobre si um suco viscoso. Pouco depois, o líquido formava uma película que os índios destacavam do corpo e começavam a enrolar como se faz um fio num novelo.

Os espanhóis perguntaram a serventia do brinquedo e os índios começaram a lançar a bola um para o outro e deixando-a pular no chão.

La Condamine, explorador francês, em 1735 procurou a borracha e achou no Pará, sendo que a primeira manufatura de um objeto foi um terno, oferecido em 1759 pelo governador do Pará ao rei de Portugal.

Látex extraído na região do Rio Cautário, em Rondônia; borracha é explorada no Rio Madeira desde 1850, segundo relata o médico e etnólogo Ary Pinheiro (Foto Frank Néry/Secom RO)

Em 1770, o inglês Naime junto à borracha, alume e esmeril, fazendo uma pequena barra que cancelava a escrita no papel. Ali começou a procura pela borracha, mas somente após Charles Goodyear descobrir a vulcanização, em 1839, foi que realmente se industrializou, chegando ao seu auge quando o médico escocês Dunlop inventou o pneumático.

Desde 1850 que a borracha é explorada no Rio Madeira. Diz a lenda que a primeira seringalista foi uma mulher, dona Vitória, que premida de débitos em Belém do Pará, foi para o Madeira extrair borracha. O Seringal Assunção tem seu título definitivo emitido por Manaus, Amazonas, em 1873, sendo que constam nos impostos pagos, arrecadações de 1860.

Escritura em Cobija

Naquela década, o peruano Chaves fez demarcar seu seringal nas cabeceiras do Rio Jacy-Paraná, abrangendo mais de um milhão de hectares, e o escriturou em Cobija, Bolívia, pois no seu critério era a vila mais próxima.

Esse erro de avaliação – considerar terras brasileiras como bolivianas – fez perder aos seus herdeiros todos os direitos que, por localização, poderiam ter. Muitos bolivianos tinham seringais no Brasil, principalmente perto de Vila Murtinho, na confluência do Rio Mamoré com o Rio Beni, formando o Rio Madeira.

Guajará-Mirim, na margem esquerda boliviana, em 1893, tinha três casas – de Leonor Castro e dos irmãos Manuel e Memésio Jordan; e ninguém do lado brasileiro.

O pioneiro nas pesquisas de borracha do Guaporé foi o boliviano Santos Duran na década de1860, com experiência adquirida nos seringais do Madeira, em sociedade com Augusto Mercado e o suíço Santiago Dutua. Mas a produção não tinha relevância, pois o estabelecimento da Mesa de Renda pelo Governo de Mato Grosso, em Santo Antônio do Madeira, somente se deu em 25 de janeiro de 1873, elevada à categoria de Coletoria somente em 7 de julho de 1891.

No próximo texto: a cotação da borracha, a Guerra do Paraguai, a notável Casa Suarez e os “cunhetes de libras”

Equipamentos de seringueiros e uma pela de borracha original, com mais de 70 anos, expostos no Museu da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, em Porto Velho (Foto Montezuma Cruz)

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