DIREITO NA AMAZÔNIA

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Xapuriense ilustre lutou e conseguiu instalar a OAB numa Rondônia territorial e sem juízes

A sede da OAB em Rondônia, na capital Porto Velho (Foto: Montezuma Cruz/Varadouro)





Montezuma Cruz
Dos varadouros de Porto Velho


Menino criado em Xapuri, filho do catraieiro Eulálio Soares Rodrigues e da lavadeira Diva Machado Rodrigues, Odacir Soares Rodrigues formou-se no curso secundário do Colégio Acreano em Rio Branco e ainda nos anos 1960 concluía os cursos Clássico e de Ciências Jurídicas na Faculdade de Direito do Brasil, no Rio de Janeiro. De “solicitador acadêmico” [similar a estagiário] a senador da República por Rondônia foi uma longa estrada, ele mesmo reconhecia em suas entrevistas. 

A Seccional de Rondônia da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) inteirou 50 anos em 18 de fevereiro. Odacir tem tudo a ver com ela; ele comandou a luta para consegui-la, junto com outros notáveis profissionais do Direito neste estado. O Conselho Federal rejeitava a ideia: Rondônia era Território Federal e nem possuía Tribunal de Justiça.

Antes de se transferir do Rio de Janeiro para Porto Velho, ele advogou no escritório criminalista Humberto Telles, na capital fluminense. Em 1967, com menos de um ano ocupando cargos no governo territorial, saiu para advogar.

Por que não o Acre, e sim Rondônia?

Xapuri ofereceu gente notável ao país, destacando-se, entre outros, o médico e inventor Adib Jatene; o jornalista Armando Nogueira; o ambientalista Chico Mendes; o médico cardiologista Enéas Carneiro; o senador Odacir Soares; o senador e ministro Jarbas Passarinho; o humorista José Vasconcelos; o publicitário e ministro Said Abrahim Farhat.

Odacir integra esse seleto grupo de intelectuais: advogado já inscrito na OAB-RJ, ele recebia convite para trabalhar no governo territorial de Flávio de Assunção Cardoso [abril a novembro de 1967], e veio. Seu sonho de ser político pelo Acre aos poucos foi se desfazendo a partir do momento em que assumia o cargo de secretário de Segurança Pública e, depois, chefe da Casa Civil.

Pouco depois, no início da década de 1970, o Brasil parecia muito longe dos moradores do Território Federal de Rondônia, e um dos mais graves problemas era a busca da Justiça. Não havia juízes por aqui, e a 2ª Instância estava sediada em Brasília no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios.

O acreano Odacir Soares Rodrigues, fundador da OAB em Rondônia, quando o estado ainda era um Território Federal (Foto: Acervo)


Como fazer Justiça sem juízes fixos? – eis a questão.

Odacir Soares também por um período no Rio de Janeiro trabalhou na extinta revista Manchete. Ele contava em 2015: “Em 1972 decidimos criar a Comissão Inicial para propor a instalação da Seccional Rondônia ao Conselho Federal da Ordem. Os cidadãos estavam abandonados pela falta de estrutura do Judiciário: poucos juízes e promotores, desunião entre advogados que atuavam nas duas únicas comarcas [Guajará-Mirim e Porto Velho], subordinados ao TJDF e Territórios.”

Lembrou que ocorreram alguns encontros decisivos para a formação da “Comissão dos Três.”

“Eu, Fouad Darwich Zacarias e José Mário Alves da Silva, todos envolvidos na luta nacional pela democratização da Justiça.”


No meio do caminho havia uma pedra – escreveu um dia o poeta Carlos Drummond de Andrade. E a pedra que atrapalhava Rondônia não era nenhuma daquelas existentes em abundância nas terras indígenas.

“O projeto original de criação da Seccional da OAB fora rejeitado pelo Conselho Federal, confirmando o grande receio dos profissionais que atuavam na região por serem em menor número do que o de outros estados que obtiveram aprovação”, explicava Odacir.

Em 1980 Odacir voltava ao Rio de Janeiro, onde possuía bom relacionamento com membros da OAB nacional. Daí, a peleja prosperou e, com dedicação de Fouad Zacharias e José Mário a Seccional fora finalmente reconhecida.

Passada a fase desafiadora veio outra: a criação da Comissão Maior, pela qual se tomavam todas as providências. Amigo de Odacir, o então presidente do Conselho Federal, José Ribeiro de Castro Filho ouviu-o no Rio a respeito da realidade rondoniense.

“A ideia era exatamente a legalização da situação dos advogados que aqui estavam sem inscrição; na época, os juízes não faziam exigências, eles compreendiam”, relatava Odacir A Comissão Maior teve ainda importante papel de motivar o Conselho Federal a criar a Seccional. “Eram pouquíssimos, uns dez, e a gente tinha receio de que não conseguir a autorização.” Com uma espécie de cronograma elaborado em Porto Velho, Odacir voltaria novamente ao Rio com a documentação desses profissionais do Direito.

Nesse período, empresas nacionais e multinacionais exploravam minério de estanho [cassiterita] no território, todas tinham advogados em suas sedes, e a corrente migratória começava a dar sinais rumo à ocupação desta parte da Amazônia Ocidental Brasileira. Contudo, a rejeição esbofeteou a OAB-RO, obrigando a mais “uma pernada”. Recurso impetrado, a aprovação da Seccional deu margem às autorizações para Amapá e Roraima.

A essa altura, o crescimento da economia territorial, 50 anos antes das safras de grãos e das exportações de carne bovina, motiva os advogados pioneiros. Mesmo sem a inscrição legal, eles tinham consciência da impossibilidade de seguir trabalhando daquela maneira.

“Os que possuíam inscrições em seus estados de origem queriam transferi-las, para não ficar pagando duas anuidades; além disso, todos eles enfrentavam dificuldades quando precisavam renová-las.”

“A Ordem firmou-se como entidade representativa do que há de melhor do intelectual brasileiro na defesa da liberdade, da democracia, de democratização do Poder Judiciário, que é um dos poderes mais fechados do Brasil”, declarava Odacir em 2015.

No entanto, demonstrava que a criação do Estado de Rondônia e a condição de país emergente deu à OAB um papel importante em âmbitos regional e nacional. E, conforme frisava, a instituição possibilitou a juízes e promotores “compreenderem que a advocacia é auxiliar do Poder Judiciário, e não subordinada.”

“Ei, eu quero falar com você!” – costumava dizer às pessoas. Se isso acontecesse nos corredores do Senado ou da Câmara dos Deputados, a sonoridade era ainda maior. Seu jeito impressionava. Na maioria das vezes, ele nada tinha a conversar. Era a maneira de agradecer ao reconhecimento das pessoas – suas eleitoras ou não – pelos cargos que exercia.

Odacir Soares morreu de câncer em 12 de setembro de 2019.

Elson Martins, Edilson Martins e Odacir Soares

Jornalista Elson Martins estudou com Odacir Soares

Redatores do jornal O Selecionado, no Colégio Acreano em Rio Branco, os futuros jornalistas Elson Martins, Edilson Martins e Odacir Soares, passaram por experiências interessantes na juventude. Elson relata em seu livro: Acre, um estado de espírito. Anos depois, Elson Martins iria fundar e editar Varadouro, o jornal das selvas.

Quando você começou a fazer jornalismo?
“Posso dizer que foi no Colégio Acreano, em 1957. O Edilson Martins (que se tornou escritor e jornalista) e o Odacir Soares (também jornalista, mas que se tornou político em Rondônia) montaram o jornalzinho O Selecionado e me ofereci para participar da equipe. Vi o jornal circulando, impresso em papel verde de embrulho: As historinhas, os aniversários, as notinhas sobre os professores, tudo me interessou! Eu procurei os dois dizendo que queria ajudar e eles pediram que eu escrevesse alguma coisa. Escrevi um texto piegas, sobre o filho do então professor Geraldo Mesquita, o José Henrique, que tinha ido para Fortaleza e estava brilhando nos estudos. O texto foi publicado e fiquei inflado. Mas não tinha segurança para continuar escrevendo, procurava ajudar buscando refrigerante, saindo atrás de papel… Eu queria participar de algum modo.

Jornalista Edilson Martins

O que mais você lembra dessa fase?

Nós estávamos sem lugar e sem máquina para redigir, então procuramos o governador na época – o coronel Fontenele de Castro – que nos autorizou a usar seu gabinete depois do expediente. Ocupamos sua sala no Palácio Rio Branco, vendo de cima o obelisco, e nos sentimos os donos da praça… Uma outra história foi a de um juiz federal que chegou a Rio Branco, um maluco que mandava prender quem passasse por ele assobiando. Era proibido assobiar na cidade (risos). Ele também se invocava contra certos trajes. Implicou com um professor nosso, de Química, que fazia parte de um jurado e compareceu ao Fórum vestindo um paletó bege com uma calça azul. O juiz mandou que ele se retirasse dizendo que não queria ninguém ali vestido de caneta Parker (risos). Aí decidimos entrevistar o juiz para O Selecionado. De cara, ele disse que não nos receberia se não estivéssemos de paletó e gravata. Conseguimos o traje e fomos entrevistá-lo no Hotel Chuí, onde hoje é a Prefeitura. O sujeito esculhambou com a estudantada! Disse que aqui no Acre não tinha estudante, tinha um bando de vagabundos fumando pela rua (risos). Eu não lembro qual foi o desfecho da entrevista, só sei que depois o juiz virou galhofa. Quando passava em frente ao prédio da Escola Normal Lourenço Filho, hoje CERB, as alunas (eram quase todas mulheres) assobiavam de uma vez: “fiu… fiu… fiu…” (risos). O interessante é que os três – Edilson, Odacir e eu – acabamos nos tornando jornalistas profissionais.


Trajetória no Direito e na Política


Odacir Soares assumiu em julho de 1967, no governo do coronel Flávio de Assumpção Cardoso, a direção da Divisão de Segurança e Informações do Território Federal de Rondônia; o cargo correspondia ao secretário de segurança. No mesmo governo foi chefe de gabinete do governador.

Em dezembro deste mesmo ano deixou o governo e passou a advogar.

Em 1968, no governo do coronel José Campedelli, presidiu o Conselho Territorial de Trânsito e advogou para a Prefeitura de Porto Velho.

Em 1969, no governo do coronel João Carlos Marques Henriques Neto, foi convidado para presidir a Comissão de Incorporação da Companhia de Águas e Esgoto de Rondônia (CAERD), que havia sido criada pelo governo federal. Em seguida, foi eleito primeiro presidente da empresa.

Em 1970 assumiu, pela primeira vez, o cargo de prefeito de Porto Velho, por nomeação de Marques Henriques, permanecendo até maio de 1972.

Em 1973 foi convidado pelo governador, coronel Theodoryco Gahyva, para a chefia de seu gabinete, onde ficou até 1974. Em seguida assumiu a Consultoria Jurídica do Território.

Em 1975, no segundo governo de Marques Henriques, foi nomeado prefeito pela segunda vez. No final do ano, o novo governador, coronel Humberto Guedes, exonerou-o.

Em 1976 continuou advogando. Um dos clientes era a Caerd. A partir daí, dedicou-se exclusivamente à advocacia e à política. Presidiu o Diretório Regional da Aliança Renovadora Nacional (Arena), partido de sustentação do governo.

Em 1977 abriu a primeira rádio FM de Rondônia, em Porto Velho, depois abriu outras sete no interior do Estado.

Em 1980, assumiu o cargo de deputado Federal no qual permaneceu, por um ano, devido à licença do então deputado Isaac Newton da Silva Pessoa. Foi vice-líder do governo do presidente Ernesto Geisel na Câmara dos Deputados.

Em 1981, foi nomeado pelo governado Jorge Texeira assistente Jurídico do Território Federal Rondônia.

Em 1982 foi um dos três candidatos vitoriosos ao Senado Federal, todos eles do Partido Democrático Social (PDS) e lançados por Teixeira.  Eleito para um mandato de oito anos, por ter sido o mais votado dentre todos os candidatos, reelegeu-se em 1990 para novo mandato com igual período para a renovação de um terço do Senado.

Foi Chefe da Casa Civil e presidente do Iperon no governo Ivo Cassol.

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