Diário de uma viagem pela foz do Amazonas

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A cidade encantada


Os habitantes de Afuá explicam de onde vem esse nome, atribuindo a uma expressão dos botos. Estes, quando emergem das águas do imenso rio (um braço do monumental Amazonas, que circunda a ilha) para respirar, produzem o som “aaafffuuuaaa….!

Tem versão mais verossímil?

A pequena cidade fica no Arquipélago do Marajó, no Pará, mas está mais próxima do Amapá, distante duas horas numa embarcação Catamarã que mais parece um Boeing fluvial, um 737 com 219 poltronas e ar-condicionado, com janelas laterais. A cidade tem outros encantamentos: em tempos imemoriais, uma Cobra Grande cavou no fundo do rio um buraco enorme e foi parar debaixo da igreja Nossa Senhora da Conceição, supostamente, para proteger a Santa. Corre a lenda que, se retirarem a Santa do Altar, a igreja sucumbe, e com ela a cidade inteira.

O centenário município de Afuá (133 anos) tem 38 mil habitantes entre urbanos (24 mil) e ribeirinhos. Sua economia gira em torno da produção de camarão, açaí e madeira, com um comércio intenso feito nas águas.

A cidade foi construída sobre palafitas, porque a região de várzea é submetida ao movimento das marés. Mas, a partir de 1996, o bairro central começou a substituir as palafitas de madeira por lajes de concreto, construídas sobre pilares que deixam as marés fluírem por baixo.

Com as novas construções, o bairro Central ganhou mais espaço arrumadinho e silencioso. Sim, porque no ano 2000 o então prefeito Santana assinou uma lei que proíbe a circulação de veículos motorizados (carros e motos), estabelecendo o reinado das bicicletas e triciclos.

O outro bairro (só tem dois), Capim Marinho (com palafitas de madeira) continua com o charme de antigamente: os moradores dizem ser mais bonito e aconchegante. Pode ser, mas o Central oferece vantagens que o Capim, não: nele as bicicletas e os triciclos (táxis) transitam de dia e de noite ; as crianças brincam nas ruas enquanto as mães as orientam com voz humana que não se perdeu, ja que as buzinas e roncos de motor foram para o enorme rio em frente. Aqui, o vai e vem das embarcações de todos os tipos e tamanhos criam outro tipo de espetáculo.

Na ilha tem mais de 30 portos, e, em cada um, trapiches caprichados que acoplam pequenas praças com bancos e triciclos. Um passeio pelo centro custa apenas dez reais. Falando em preço, tudo sai em conta: a viagem de barcos entre Macapá e Afuá, com frequência diária, custa sessenta reais (idoso paga a metade); o Hotel Dias, com ar-condicionado, frigobar e TV, cento e dez reais com cama de casal; em cada porto tem alguém vendendo cafezinho com tapioca e bolinhos. Também é possível alugar um barco (catraia) para ir conhecer a “muralha”, uma árvore Samaúma com raízes de até quatro metros de altura. A engenheira florestal Francileia Monteiro, afuaense, nos levou até lá orgulhosa daquele monumento natural.


SINGELEZA

Francisco Monteiro, Chiquinho, o ribeirinho dono das matas que cercam a ilha do Afuá (Foto: Elson Martins)


O visitante não se atrapalha no Afuá, porque as pessoas do lugar, mesmo as que vivem na cidade, não perdem o jeito de ribeirinhos. Na Amazônia ainda não atingida pela destruição, elas se alegram com as visitas e querem, de algum modo, mostrar que vivem uma vida boa na intimidade com a natureza. Foi assim com seu Chiquinho (Francisco Monteiro), que nos levou (eu, Irizete, Mara e Carlos Lopes) a diversas localidades ribeirinhas em sua lancha (catraia), e também à sua casa, onde almoçamos dois dias camarão, açaí e peixe assado pescado e coletados no seu habitat. Quando perguntei se ele ou outros ribeirinhos plantavam açaí, ja que tem aumentado o consumo dessa espécie no mundo, ele respondeu: “Não carece!”

De fato, olhando a mata ciliar verdejante das ilhas do Marajó, se vê muito aninga, taruá, canarana, mururé e outras plantas aquáticas na lâmina d’água, mas subindo a vista um pouco só se vê açaí, buriti e outras palmeiras.

Perguntei também ao Chiquinho quem eram os donos de todas aqueles açaizais, e ele respondeu: “Somos nós mesmos, pequenos ribeirinhos”.

Fiquei mudo e entristecido, porque sinto que no futuro não será assim.

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