Delegado responsável pelos casos Bruno e Dom e Massacre do Rio Abacaxis é retirado das investigações

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Policial federal durante diligências no Vale do Javari, após os assassinatos de Bruno e Dom; para organizações, afastamento de delegado compromete investigações (Cícero Pedrosa Neto/Amazônia Real)



Organizações indígenas e da sociedade civil consideram a atuação de Francisco Vicente Badenes Júnior a mais relevante e eficiente para a elucidação dos crimes




desde os varadouros de Manaus


O delegado da Polícia Federal Francisco Vicente Badenes Júnior, responsável por três dos principais casos de crimes contra os direitos humanos, com motivações ambientais no Amazonas, foi retirado da suas funções frente aos inquéritos. Entre eles está o assassinato do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira, o massacre praticado contra ribeirinhos e indígenas entre o Rio Abacaxis e Mari-mari; e o assassinato do servidor da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) Maxciel Pereira.

Além da remoção da autoridade policial, os inquéritos foram redistribuídos dentro da Polícia Federal, deixando de tramitar em Brasília para retornar à Superintendência da PF no Amazonas, o que já motivou paralisação no andamento das investigações que estavam em curso.

A denúncia foi feita por 11 organizações sociais por meio de manifesto, no fim de setembro, enviado como pedido oficial ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, solicitando a revisão da decisão tomada.

“Entendemos como fundamental que se assegure a manutenção dos inquéritos em Brasília e o retorno do delegado Badenes Júnior à frente das investigações, junto com sua equipe, e que lhe seja concedida toda a estrutura possível para finalizar os casos e enviá-los para o processamento e julgamento pela Justiça”, diz trecho da nota. (Leia a íntegra abaixo).

“Em nome da idoneidade do processo investigatório, avaliamos que a continuidade do delegado natural do caso é fundamental para a imparcialidade, a independência, efetividade e eficácia das investigações criminais, assegurando que o trabalho seja realizado de forma contínua e transparente.”

As organizações indígenas e indigenistas afirmam que a decisão do Ministério da Justiça do presidente Lula (PT) ocorreu “sem despacho fundamentado e sem nenhuma motivação expressa”, o que “lança sombras sobre o real motivo destas mudanças, e faz crer na possível interferência política nessa conjuntura”.

Em outro trecho, esclarece que os casos expostos “envolvem altas autoridades do Estado do Amazonas, merecendo a mais urgente manifestação e revisão por parte do Ministério da Justiça e Segurança Pública, sob pena de que eventual omissão provoque o fortalecimento do crime organizado na região”.



Sobre os casos

No dia 10 de maio, a PF prendeu o subsecretário municipal de Meio Ambiente de Atalaia do Norte, Herivelton Chapiama Wadick, durante o cumprimento de um mandado de busca e apreensão, após agentes da Polícia Federal encontrarem animais silvestres no local.

Wadick era investigado no âmbito da apuração do assassinato do indigenista Maxciel Pereira dos Santos, ocorrido em 6 de agosto de 2019, no qual Ruben Villar Coelho, o Colômbia, tem suspeita de participação. Colômbia também é suspeito de ser o mandante das mortes de Bruno Pereira e Dom Phillips, ocorridas em 5 de junho de 2022.

Conforme reveleou O Globo, o nome de Maxciel fazia parte de uma lista de pessoas marcadas para morrer em que constavam Bruno e outros servidores da Funai, além de integrantes da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), segundo informações apuradas pela PF.

“Entendemos que a investigação da morte do indigenista Maxciel, servidor da Funai assassinado por sua atuação profissional aguerrida, teve avanço significativo após a nomeação do Delegado Francisco Badenes. À frente do caso, o delegado atuou de forma comprometida, incansável e técnica, mesmo com todas as dificuldades inerentes ao caso. O mesmo se pode dizer em relação à condução das investigações dos homicídios de Bruno e Dom”, diz a nota.

No último dia dois de outubro, o Ministério Público Federal (MPF) recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) para que o julgamento do réu Oseney da Costa Oliveira, um dos acusados pelo assassinato de Bruno e Dom seja mantido por júri popular. A decisão da 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região manteve, entretanto, o julgamento dos réus Amarildo da Costa de Oliveira e Jefferson da Silva pelo júri popular.

No caso da investigação do Massacre do Rio Abacaxis, a denúncia aponta que “desde o ocorrido, tem havido troca constante de delegados, sendo Badenes Júnior o sexto a atuar no caso”.

O massacre, ocorrido em três de agosto de 2020, ainda hoje causa impactos à vida das populações que vivem ao longo dos rios Abacaxis e Mari-Mari, nos municípios de Nova Olinda do Norte e Borba (distante 135 km de Manaus).



LEIA MAIS: Invisíveis para o Estado: Massacre do Rio Abacaxis se perpetua após quatro anos


A partir de uma operação policial sob pretexto de combate ao tráfico, promovido pela Secretaria de Segurança Pública ddo governo Wilson Lima (União Brasil), policiais militares foram denucnaidos pela comunidade por práticas de tortura e uma sucessão de acontecimentos que levou à execução de seis pessoas, deixando outras duas desaparecidas.

“Foi justamente sob a coordenação dele (Badenes Júnior) que se verificaram avanços nas investigações – culminando no indiciamento de dois dos altos comandantes da segurança pública do Amazonas, apontados como responsáveis pelas ordens ilegais que resultaram em crimes bárbaros de violação dos direitos humanos – tais como homicídios por execuções sumárias, desaparecimento forçado e tortura”.



Confira a nota na íntegra:

NOTA PÚBLICA


O Movimento Indígena e Indigenista do Amazonas e demais organizações da sociedade civil, que subscrevem o presente texto, vêm a público manifestar extrema preocupação com a redistribuição de Inquéritos Policiais que apuram a elucidação de casos graves e relevantes ocorridos com motivações ambientais e de Direitos Humanos no Estado do Amazonas.

A transferência dos inquéritos que tramitavam em Brasília para a Superintendência da Polícia Federal no Amazonas e a retirada do Delegado Francisco Vicente Badenes Júnior e de sua equipe do comando das investigações que apuram as circunstâncias do assassinato de Dom Phillips e Bruno Pereira (ocorridas em 5 de junho de 2022); o Massacre praticado contra ribeirinhos e indígenas entre o Rio Abacaxis e Mari-mari (iniciado em 03 de agosto de 2020) ; e o assassinato do servidor da FUNAI Maxciel Pereira (perpetrado em 3 de agosto de 2019), sem despacho fundamentado e sem nenhuma motivação expressa, lança sombras sobre o real motivo destas mudanças, e faz crer na possível interferência política nessa conjuntura.

Os casos aqui expostos envolvem altas autoridades do Estado do Amazonas, merecendo a mais urgente manifestação e revisão por parte do Ministério da Justiça e Segurança Pública, sob pena de que eventual omissão provoque o fortalecimento do crime organizado na região. Tal interferência penaliza a boa polícia, mantém a impunidade e provoca injustiça às vítimas dos crimes bárbaros, que violam abertamente direitos humanos, aos quais o Brasil se comprometeu a proteger, tanto na Constituição Federal quanto pelos tratados internacionais assinados pelo país.

Entendemos que a investigação da morte do indigenista Maxciel, servidor da Funai assassinado por sua atuação profissional aguerrida, teve avanço significativo após a nomeação do Delegado Francisco Badenes. À frente do caso, o delegado atuou de forma comprometida, incansável e técnica, mesmo com todas as dificuldades inerentes ao caso. O mesmo se pode dizer em relação à condução das investigações dos homicídios de Bruno e Dom.

No caso da investigação do Massacre do Rio Abacaxis, desde o ocorrido, tem havido troca constante de delegados, sendo Badenes Júnior o sexto a atuar no caso. No entanto, foi justamente sob a coordenação dele que se verificaram avanços nas investigações – culminando no indiciamento de dois dos altos comandantes da segurança pública do Amazonas, apontados como responsáveis pelas ordens ilegais que resultaram em crimes bárbaros de violação dos direitos humanos – tais como homicídios por execuções sumárias, desaparecimento forçado e tortura.

Registre-se que já se verifica, com a redistribuição desses inquéritos, complexos e volumosos, paralisação das investigações que estavam em curso, favorecendo unicamente a impunidade que continua a massacrar as vítimas e seus familiares até os dias atuais.

Neste momento de angústia e incerteza, reiteramos a importância de um olhar diferenciado sobre o tema. Requeremos, publicamente, que o Ministério da Justiça e Segurança Pública promova a revisão da decisão tomada. Entendemos como fundamental que se assegure a manutenção dos inquéritos em Brasília e o retorno do delegado Badenes Júnior à frente das investigações, junto com sua equipe, e que lhe seja concedida toda a estrutura possível para finalizar os casos e enviá-los para o processamento e julgamento pela Justiça.


Em nome da idoneidade do processo investigatório, avaliamos que a continuidade do delegado natural do caso é fundamental para a imparcialidade, a independência, efetividade e eficácia das investigações criminais, assegurando que o trabalho seja realizado de forma contínua e transparente.

Registramos que temos confiança nas ações e medidas dos bons agentes da lei do Estado Brasileiro e vemos sua ação como barreira que separa nossa sociedade da barbárie – inclusive no que se refere à coerção de maus agentes públicos que, infiltrados no Estado, valhem-se dele para violar direitos humanos.

Seguiremos acompanhando atentamente as investigações em curso e cobrando que todos os esforços sejam empreendidos pelas autoridades competentes a fim de combater as organizações criminosas que atuam na região Amazônica, com o objetivo de alcançar a responsabilização e justiça para os seres humanos, vítimas e familiares nos crimes investigados.


UNIÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO VALE DO JAVARI (UNIVAJA)
COLETIVO PELOS POVOS DO ABACAXIS
CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO
COMISSÃO PASTORAL DA TERRA – CPT/AMAZONAS
FRENTE AMAZÔNICA DE MOBILIZAÇÃO EM DEFESA DOS DIREITOS INDÍGENA – FAMDDI
GRUPO DE PESQUISA DABUKURI – Planejamento e Gestão do Território na Amazônia – Universidade Federal do Amazonas (UFAM)
COLETIVO MILIT NCIA JURÍDICA
CLÍNICA DE DIREITOS HUMANOS E DIREITO AMBIENTAL (Clínica DHDA) da Universidade do Estado do Amazonas – UEA
INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITOS HUMANOS (IBDH)
REDE ECLESIAL PANAMAZÔNICA – REPAM-Brasil
OBSERVATÓRIO DE DIREITO SOCIOAMBIENTAL E DIREITOS HUMANOS NA AMAZÔNIA – ODSDHAm/UFAM

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