CPI DA DEVASTAÇÃO

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Deputados insistem em extinguir 11 Unidades de Conservação em Rondônia

Sessão da CPI que apura possíveis irregularidades na criação de áreas protegidas em Rondônia, um estado com grave histórico de desmatamento e crimes ambientais, em especial a grilagem (Foto: Ascom ALERO)



Desde o ano passado, numa CPI, parlamentares da Assembleia Legislativa de Rondônia (ALE-RO) tentam extinguir 11 unidades de conservação estaduais criadas durante o governo de Confúcio Moura (MDB). Em sessão do dia 30 de setembro, os deputados pressionaram e intimidaram os técnicos responsáveis pela criação das UCs à época, para que confessassem possíveis irregularidades.


Dos varadouros de Porto Velho

O ano de 2025 promete a maior polêmica ambiental no Estado de Rondônia, decorrente da insistência da Assembleia Legislativa, desde 2023, em querer extinguir a criação de 11 unidades de conservação (UCs). Uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) liderada pelo deputado Alex Redano (Republicanos) alinhou parlamentares ligados ao agronegócio, alguns descritos como negacionistas climáticos e antiambientalistas. Eles buscam expor supostas irregularidades nos processos que resultaram na formalização de florestas protegidas. A partir do próximo ano, Redano assumirá a presidência do Parlamento rondoniense.

A CPI pretende invalidar judicialmente estudos e documentos que fundamentaram a criação das reservas, alegando que foram supostamente fraudados os procedimentos legais para captar recursos de créditos de carbono. Entre agosto de 2022 e julho de 2023, Rondônia foi uma das regiões com maiores índices de desmatamento no país, resultando na perda de biodiversidade e agravando a crise climática. Seca e queimadas pioraram o cenário.

O estado já possui mais de 600 mil hectares cultivados principalmente com soja.

Durante a sessão de 30 de setembro passado, transmitida ao vivo pela internet, a CPI ouviu depoimentos de técnicos e engenheiros envolvidos na elaboração dos estudos das áreas protegidas. A CPI constatou a ausência de Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) nos estudos. A ART é essencial para formalizar a responsabilidade do profissional sobre o projeto.

Uma das testemunhas, a engenheira florestal Sebastiana Almeida Sebastiana disse à CPI que a Secretaria Estadual de Desenvolvimento Ambiental (Sedam) não exigia essa formalidade na época. “Nunca assinamos uma ART para o Governo do Estado; cumpríamos as tarefas que nos eram incumbidas sem essa formalidade,” disse ela, depois de sofrer pressões.

Sebastiana Almeida afirmou que, apesar de ter assinado documentos para a criação das reservas, sua atuação se limitou a uma análise documental. “Eu apenas contribuí com a parte de vegetação, dentro do meu campo de atuação,” declarou. Quando questionada se esteve nas áreas das reservas, Sebastiana admitiu: “Assinei, mas não estive presente.”

Esse depoimento levantou dúvidas sobre a autenticidade dos estudos. “Como a senhora avalia a vegetação e assina um documento para a criação de uma reserva sem nunca ter pisado no local?”, criticou o deputado Pedro Fernandes (PRD). Sebastiana defendeu-se: “O levantamento de vegetação não incluía a análise socioeconômica ou fundiária.”

A deputada Dra. Taíssa (Podemos) indagou a respeito da inclusão de informações imprecisas nos relatórios, apontando a gravidade de se basear em estudos incompletos e não verificados em campo. “A senhora assinou o documento atestando sua participação integral nos estudos, mas, ao que parece, sua atuação foi apenas documental”. Sebastiana justificou a assinatura como uma formalidade comum, “Se você escrever uma linha em um documento técnico, você participou,” disse.

Parlamentares da CPI baseiam-se também em depoimentos de moradores locais, que alegam ocupar há vários anos as terras hoje transformadas em áreas de preservação. “Estamos aqui lutando pela nossa segurança jurídica. Não somos invasores nem grileiros”, falou Francisco Andrade, presidente da Associação Soldado da Borracha. Andrade solicitou que os títulos de propriedade fossem anexados ao processo como prova de que as áreas já eram ocupadas desde a década de 1980. Ele afirmou que as comunidades locais estão impedidas de realizar atividades essenciais, entre elas, melhorar estradas e acessar escolas, devido às restrições ambientais.

O deputado Redano criticou a criação de reservas “sem estudos completos ou consulta pública.” Segundo ele, isso poderia causar insegurança jurídica para as famílias que dependem dessas terras para subsistência. “Não é aceitável que a criação dessas reservas tenha ocorrido sem levar em conta o impacto na vida das pessoas que já estavam lá há décadas.”

Quando o ex-governador Confúcio Moura criou nove novas áreas e regulamentou outras duas em 20 de março 2018, a edição do Diário Oficial daquela data publicou os decretos que estabeleciam um total de 536,647 hectares (ou 5.370 quilômetros quadrados) de áreas protegidas. Deixava claro que a instalação de áreas protegidas obedece única exclusivamente ao interesse público e a ordem legal e ilações fora disso implicariam má-fé.

O deputado Alex Redano, presidente da CPI e futuro presidente da ALE-RO em 2025; guerra declarada contra as unidades de conservação no estado (Foto: Ascom ALE-RO)


TJ de olho na grilagem e no desmatamento

O debate sobre UCs extrapola os limites da Assembleia Legislativa: o Ministério Público Federal, o Ministério Público Estadual e o Tribunal de Justiça de Rondônia também acompanham o caso, atuando para garantir a proteção ambiental e combater a grilagem e o desmatamento.

Em 6 de outubro de 2021, o Tribunal Pleno do Poder Judiciário do declarou inconstitucional a Lei Complementar Estadual nº 999*, de 15 de outubro de 2018, que extinguiu 11 UCs.

A Assembleia Legislativa recebeu recomendação para extinguir apenas um projeto de lei visando à extinção de apenas a Estação Ecológica Soldado da Borracha. No entanto, nem o pedido de vista pelo desembargador Miguel Monico fez o Executivo e o Legislativo chegarem a um acordo para esgotar estudos a respeito da revogação das UCs.

Monico, relator do acórdão (decisão coletiva) movido pelo MPRO concluía que, tanto a UC Soldado da Borracha quanto às demais “não podem ser extintas”. “A lei está viciada formal e materialmente por não haver, no seu projeto, estudo técnico e consulta pública.”

Ou seja, “a Lei Complementar Estadual nº 999 viola e afronta as constituições Federal e de Rondônia, e da mesma forma, leis federais, estaduais, descumprindo ainda determinações do Tribunal de Contas.”


Boi e soja

O MPF tem emitido recomendações e instaurado ações para manter as áreas protegidas, enquanto o MPRO investiga possíveis fraudes e invasões de terras públicas. Em várias ocasiões, MPF e MPE acionaram a Justiça para contestar decretos e aprovações que enfraquecem a proteção ambiental.

O Tribunal de Justiça enfrenta uma sobrecarga de processos ambientais e agrários devido ao avanço do desmatamento e ao conflito fundiário na região. A pressão do setor agropecuário sobre o TJ cresce, com demandas para liberar áreas protegidas para atividades econômicas – traduzindo:  boi e soja.

A devastação ambiental é crescente. Desde a ocupação da Amazônia incentivada pelo governo militar nos anos 1960, o desmatamento vem sendo impulsionado por pecuária, agricultura e especulação fundiária. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) mostram que Rondônia está entre os estados com maior taxa de perda de floresta no Brasil.

Além da seca, em 2024 o estado enfrentou enchentes no início do ano, que deixaram milhares desabrigados em áreas ribeirinhas. Especialistas apontam que a alternância entre secas e cheias está ligada a mudanças na cobertura florestal, o que altera o ciclo das chuvas e a estabilidade dos rios.

A fumaça das queimadas aumentou a poluição nas cidades e sobrecarregou os serviços de saúde. O fogo ameaçou seres vivos e afetou o ciclo hidrológico necessário para manter a regularidade das chuvas. Comunidades indígenas e ribeirinhas, dependentes dos recursos naturais, são diretamente impactadas pela degradação ambiental.

A Resex Jaci-Paraná, um dos alvos da bancada da motosserra da ALE-RO; unidade chegou a perder 90% de sua área por meio de lei aprovada pela Casa, considerada inconstitucional pelo TJRO (Foto: Acervo Varadouro)


Grãos ocupam mais de 296 mil hectares

Conforme levantamento de áreas e safras feito pelo Governo de Rondônia, no primeiro quadrimestre de 2022 o estado obteve aumento de 45% nas exportações de carne e soja, ou seja, US$ 903,3 milhões. Ainda não foram divulgados dados completos de 2023.

Seis anos atrás, o estado possuía 270 mil propriedades rurais que adotaram a soja como principal commoditie, carro chefe da produção. E, de acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o total da área plantada com grãos no estado superava 296 mil hectares.

Estimava-se que o espaço para expansão totalizava aproximadamente 4,5 milhões de hectares de pastos degradados, vistos como oportunidade para a transição para a agricultura. Rondônia aumentou a área plantada para 663,5 mil hectares para a safra 2020/21, totalizando 10,1% a mais comparado à safra anterior, o que resultou na colheita superior a 2,5 milhões de toneladas, 4,6% superior à da safra 2019/20. (Edição e colaboração: Montezuma Cruz)


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∎ A Constituição do Estado de Rondônia, no seu Artigo 6º, Parágrafo 2º, diz textualmente: “Será instituído, mediante lei complementar o zoneamento socioeconômico e ecológico e a criação ou extinção de unidades de conservação e reservas ambientais de qualquer natureza”.

∎ A Lei Complementar nº 233, de 6 de junho 2000, no seu Artigo 1º, estabelece que a sua finalidade é cumprir o definido na Carta Magna estadual ao expressar: “Esta Lei Complementar institui o Zoneamento Socioeconômico-Ecológico de Rondônia — ZSEE, na forma que estabelece o parágrafo 2º, artigo 6º, da Constituição Estadual, o qual passará a reger-se pelas diretrizes estabelecidas nesta Lei”.

∎ A mesma Lei nº 233, no Artigo 2º define que “O Zoneamento Socioeconômico-Ecológico de Rondônia, doravante denominado ZSEE, constitui-se no principal instrumento de planejamento da ocupação e controle de utilização dos recursos naturais do Estado”.

∎ Mais adiante, a Lei Complementar nº 233, nos seus Artigos 4º diz que “A implementação do ZSEE será realizada com base em Zonas e Subzonas definidas para efeito de planejamento das ações a serem desenvolvidas pelos setores público e privado do Estado”.

∎ Em seguida, no Artigo 5º, continua “As Zonas são definidas pelo grau de ocupação, vulnerabilidade ambiental e aptidão de uso, bem como pelas Unidades de Conservação” e conclui, no Artigo 6º, “Para implementação do ZSEE, ficam estabelecidas 03 (três) zonas de ordenamento territorial e direcionamento de políticas públicas do Estado”.

∎ As três Zonas de Ordenamento Territorial previstas na Lei são os seguintes:

a)   Zona 1, composta de áreas de uso agropecuário, agroflorestal e florestal, abrange 120.310,48 km2, equivalentes a 50,45% da área total do Estado (Artigo 7º);

b   A Zona 2 é composta de áreas de uso especial, abrangendo 34.834,42 km2, equivalentes a 14,60% da área total do Estado, destinada à conservação dos recursos naturais, passíveis de uso sob manejo sustentável (Artigo 8º);

c)  A Zona 3 é composta de áreas institucionais, constituídas por aquelas protegidas de uso restrito e controlado, previstas em lei e instituídas pela União, Estado e Municípios, abrangendo 83.367,90 km2, equivalentes a 34,95 % da área total do Estado (Artigo 9º).

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