Camponeses da divisa Rondônia-Mato Grosso estão na mira do latifúndio

Da tensão à angústia, camponeses do acampamento Gedeon José Duque ameaçados por pistoleiros e cercados pela polícia resistem à violência latifundiária no município de Machadinho d’Oeste, a 300 km de Porto Velho. Novos ataques podem ocorrer a qualquer momento. Armas “registradas” como pertencentes a membros de CACs estariam sendo usadas para os ataques.
Montezuma Cruz
dos varadouros de Porto Velho
Machadinho d’Oeste, Amazônia Ocidental Brasileira: 120 famílias ameaçadas recebem neste sábado a solidariedade de advogados e universitários. Suspeitos presos pela PM na região usavam radiocomunicadores, farta munição e lunetas “para caça de porcos.” O grupo formado por universitários, professores e advogados membros do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos (Cebraspo) viajou às 7h para Machadinho e retornará no domingo a Porto Velho.
A área ocupada por 120 famílias apoiadas pela Liga dos Camponeses Pobres (LCP) de Rondônia tem lavouras de subsistência, a exemplo de outras, de norte a sul do estado de Rondônia. Entre as famílias há mulheres grávidas e crianças.

A visita de solidariedade aos acampados também ratificará o pedido de garantia de vida às famílias e a prevenção a iminentes novos ataques. Da tensão à angústia, camponeses do acampamento Gedeon José Duque ameaçados por pistoleiros e cercados pela polícia resistem à violência latifundiária no município de Machadinho d’Oeste, na divisa entre Rondônia e Mato Grosso, a 300 quilômetros de Porto Velho.
Em áudios, eles relataram esta semana a ação de pistoleiros – na região denominados “guaxebas” – em uma fazenda vizinha ao acampamento Gedeon, onde o clima ficou tenso desde o final de março. Um grupo de homens fortemente armados entrou às 14 horas do dia 30 daquele mês na área. Age em defesa dos interesses de um pretenso proprietário da fazenda. Camponeses afirmam ter ouvido tiros de fuzil e um deles foi ferido na perna.

CACs expõem arsenal
Em Porto Velho, o comando da Polícia Militar de Rondônia confirma a intensificação de operações nos municípios de Buritis e Machadinho do Oeste. A PM conduziu dois homens – identidade não fornecida – a uma Unidade de Segurança Pública Integrada, em Machadinho, ambos portando armas e equipamentos especiais. Eles alegaram ser CACs (Caçadores, Atiradores e Colecionadores), apresentando parte da documentação de registro dos armamentos.
Até o momento, os camponeses apuraram que a chefia da pistolagem seria feita por Gesulino César Travagine Castro, “cujo longo histórico de envolvimentos com crimes no campo é acobertado pelos órgãos do estado e da Polícia Militar de Rondônia.”
Gesulino estaria trabalhando para um fazendeiro conhecido por Negão, que se diz proprietário das terras da Área Gedeon. Os camponeses discordam: “Essas terras pertencem à União e tem como destinação a Reforma Agrária.” “Gesulino também estaria articulado e a mando da Fazenda Silveira, latifúndio sojeiro que tem buscado grilar as terras do entorno para expandir sua produção”, acreditam os camponeses.
A situação é de tensão, como novos ataques podendo ocorrer a qualquer momento. Os camponeses seguem resistindo de todas as formas, afirmam que não sairão de suas terras. E advertem: “O que vier acontecer será da total responsabilidade do governador Marcos Rocha, com a conivência do Governo Lula.” Queixam-se ainda do Incra, que naquela região não teria destinado lotes a famílias carentes.
O incentivo aos CACS foi gigantesco durante o governo Bolsonaro, o que fez brotar o aumento da rejeição e da violência anti-camponesa em municípios com acampamentos no estado. Na investigação feita e divulgada pela própria PM, as armas dos integrantes dos CACs estavam “desacompanhadas da guia de transporte e havia posse de armamento registrado”. Isso evidencia a ação de terceiros, ausentes no local do recente ataque.
O armamento das duas pessoas resultou num boletim de ocorrência e na prisão dos dois homens por porte ilegal de arma de fogo restrito, além da posse irregular de munições. Um dos presos, que ocupava uma luxuosa camionete, disse à polícia que “ia para uma fazenda próxima com a finalidade de caçar porcos do mato.”
De março para cá, a situação só piorou, denunciam os camponeses em suas mensagens. Segundo relatam, o grupo paramilitar que entrou nas terras opera nos moldes do grupo Invasão Zero, cuja circulação pelo comércio da região apavora as famílias – acampadas ou não.
A cada ameaça de nova ofensiva semelhante à ocorrida do final de março, o contingente armado aumenta o efetivo: de aproximadamente 30 já reúne 50 homens. No dia 1º de abril, os camponeses identificaram oito caminhonetes com homens armados circulando no entorno da área.
Segundo eles, havia policiais militares da ativa e homens à paisana.
A professora Marilsa Miranda de Souza, do Grupo de Pesquisa História, Sociedade e Educação no Brasil, explicou o motivo da ida de estudantes e advogados ao acampamento: “No contexto de violações de direitos que os camponeses vêm enfrentando cotidianamente, essa missão é imprescindível.” Segundo ela, a distância entre o acampamento e as cidades “silencia a violência contra as famílias cercadas constantemente por policiais e pistoleiros.”
Os dois homens suspeitos, conforme relatório da PM em seu site, portavam: pistolas, dois carregadores cheios, duas espingardas 12, uma carabina com luneta, uma pistola 9mm com dois carregadores municiados, 60 munições calibre 12, 50 munições calibre 38, 94 munições 9mm, 54 munições calibre 9mm expansivas, 34 munições calibre 9mm, modelo original, dois rádios comunicadores Motorola, modelo DP 450 e um coldre velado de Kydex.