Pressões no Peru podem levar Mashco Piro a buscar refúgio na Amazônia brasileira
No dia 31 de outubro, os Manxineri da Terra Indígena Mamoadate relataram que os “parentes desconfiados” levaram utensílios (terçados, panelas e roupas) de uma das casas da aldeia Extrema. Já no fim de setembro, vestígios da aproximação dos isolados foram encontrados pelo Alto Iaco. Preocupados com a possibilidade de conflito, Manxineri deixaram de adentrar nas matas para fazer suas caças.
Fabio Pontes
dos varadouros de Rio Branco
Considerada a maior população indígena em isolamento voluntário do mundo, os Mashco Piro podem estar em rota de migração rumo ao lado brasileiro da Floresta Amazônica, fugindo das ameaças e das invasões a seus territórios no Peru. Desde julho, conforme Varadouro vem relatando, há um expressivo aumento de avistamento de grandes grupos dos Mashco Piro pelas comunidades indígenas peruanas, em especial na região do departamento de Madre de Dios, fronteira com o Acre.
No caso mais recente, funcionários do governo peruano e de uma organização indígena local, a Federação Nativa Madre de Dios e Afluentes (Fenamad), foram flechados durante ação de monitoramento no Alto Rio das Pedras. O incidente foi visto como uma autodefesa dos isolados pelo clima de animosidade ocasionado pela invasão dos territórios Mashco Piro por madeireiras peruanas, muitas delas licenciadas pelo governo do país vizinho. Em setembro, dois operários destas empresas foram mortos pelos indígenas isolados após terem suas terras invadidas.
Diante de tantas pressões, existe a tendência destes grupos buscarem um ambiente mais seguro no lado brasileiro da fronteira. No Brasil, parte do território fronteiriço com o Peru está protegida por terras indígenas demarcadas.
Esta tendência de deslocamento foi confirmada no fim do mês passado, quando um grupo de Mashco Piro levou utensílios (terçados, panelas e roupas) de uma das casas da aldeia Extrema, na Terra Indígena Mamoadate. O relato da aproximação foi feito pelas lideranças Manxineru à organização Comissão Pró-Indígenas do Acre (CPI-Acre), sediada em Rio Branco.
Com 314 mil hectares, a Ti Mamoadate é o maior território indígena do Acre (entre os municípios de Assis Brasil e Sena Madureira), ocupado pelos povos Manxineri e Jaminawa, e está localizado bem na fronteira com o Peru. A aproximação ou o avistamento dos “parentes desconfiados” – como assim são definidos os isolados pelos Manxineri – já é comum na região, mas se intensifica ano após ano – na medida em que aumentam as pressões das atividades madeireiras do lado peruano.
Conforme os especialistas, as regiões das cabeceiras dos rios Iaco e Acre são passagens frequentes dos Mashco Piro – um povo caracterizado pelos intensos movimentos migratórios em busca de alimentação.
“Eles vieram e voltaram pelo mesmo caminho. Esse aparecimento está acontecendo, e a equipe de monitoramento e vigilância foi ao local para fazer a verificação. Estava sem ninguém na casa, se eles estivessem lá teriam visto eles [os isolados] total”, conta Lucas Manxineru, liderança da aldeia Extrema e presidente da Associação Manxinerune Ptohi Phunputuru Poktshi Hajene (MAPPHA), em depoimento à CPI-Acre.
No dia 30 de setembro, uma expedição para registro de vestígios dos parentes “desconfiados” foi feita pelo grupo de monitoramento de vigilância da TI Mamoadate Foram encontrados rastros e pegadas, além de vestígios de pescarias dos Mashco Piro.
Um rio que os isola
“Nós compartilhamos nosso território com os parentes desconfiados, e estamos muito preocupados com essa situação. Foi o primeiro saque que eles fizeram aqui na aldeia Extrema, precisamos de apoio das autoridades e dos parceiros, pois por agora não vamos poder caçar, entrar na mata, pois precisamos proteger os parentes da aldeia e os desconfiados”, explica Mailson Manxineri, coordenador da equipe de proteção territorial da terra indígena.
Sem poder fazer as caças que lhes asseguram sua sobrevivência, numa medida para evitar possíveis contatos com os “desconfiados”, os indígenas buscam apoio para receber alimentação das organizações e órgãos de governo. Ao menos 300 pessoas – divididas em 49 famílias – vivem na aldeia Extrema.
Uma outra situação que preocupa as lideranças é o nível crítico do rio Iaco para esta época do ano. Em pleno mês de “inverno amazônico’, quando já deveriam ocorrer chuvas mais intensas, o manancial ainda apresenta volume de vazante dos meses do verão. O isolamento das comunidades por causa da vazante crítica deixa as comunidades ainda mais em alerta neste momento de aproximação dos isolados.