Sucateado, sistema de distribuição de Rio Branco não está adaptado ao novo normal do clima

Oscilações extremas de nível do rio Acre – com cheias e secas intensas – levam à beira do colapso o sistema de captação e fornecimento de água para os 360 mil moradores da Capital. Situação ficou ainda pior com a gestão de Tião Bocalom, incapaz de tirar do papel o plano de saneamento básico. A cada momento de crise, apenas “remendos” são feitos; sistema é definido como uma bomba-relógio.
Fabio Pontes
dos varadouros de Rio Branco
A cada temporada de alagação ou seca extremas do rio Acre, a população da capital acreana precisa conviver com o drama de não ter água na torneira – ou ficar muito escassa. Parece até irônico falar que, em plena época de inverno, quando o manancial está “pelas tampas”, as caixas-d’água ficam vazias. Uma situação já rotineira nestes últimos anos de intensificação das mudanças climáticas que leva o rio Acre a níveis críticos de vazante e cheia. E é exatamente neste período que o sistema de abastecimento de água de Rio Branco parece ter colapsado.
Quando não são as bombas de captação que param de funcionar de uma hora para outra, as estruturas das Estações de Tratamento de Água (ETAs 1 e 2), operadas pelo Serviço de Água e Esgoto de Rio Branco (Saerb), desmoronam com os processos naturais de erosão do rio Acre. O manancial, aliás, é a única fonte para abastecer mais de 80% dos 360 mil habitantes da cidade.
Portanto, é um sistema que está refém das suas variabilidades extremas de nível. Se, um dia, o próprio rio vier a colapsar (o que a ciência não descarta acontecer num espaço de tempo não muito longe daqui), todos nós ficaremos sem água.
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A alagação de 2024 (a terceira consecutiva) voltou a mostrar que o sistema de captação, tratamento e distribuição de água potável em Rio Branco está ultrapassado, sucateado e que coloca (gravemente) a segurança hídrica de uma capital inteira em risco. Um sistema que não está nem um pouco adaptado à nova realidade climática do planeta.
“Essa crise é resultado da combinação de fatores, incluindo a falta de investimentos em infraestrutura, a gestão ineficiente do sistema de abastecimento de água e as enchentes do rio Acre. As ETAS 1 e 2 apresentam problemas estruturais graves, que vão além dos danos causados pelas cheias do rio Acre”, afirma Irlan Moura, engenheiro civil com especialização em engenharia ambiental e saneamento básico.
“A falta de investimentos em infraestrutura é a principal razão para a crise hídrica em Rio Branco. A ETA 1, por exemplo, sofreu um colapso em dezembro de 2024, quando parte de sua estrutura rompeu sobre o rio Acre. Além disso, os equipamentos das ETAs são antigos e frequentemente são danificados, necessitando de constantes manutenções”, completa o especialista.
A análise sobre este processo de deterioração do sistema é reforçado por Marcelo Jucá, secretário-geral do Sindicato dos Urbanitários do Acre. Ele define a situação das ETA 1 e 2 como uma “bomba-relógio”. Para Jucá, apesar de o problema já ser antigo, o cenário foi agravado com a devolução do sistema de abastecimento do governo estadual para a gestão de Tião Bocalom (PL).
De acordo com o sindicalista, uma das principais deficiências está na gestão do Saerb. “Hoje na autarquia você tem mais cargos comissionados lotados na administração do que trabalhadores na ponta, no operacional. Hoje o número de cargos comissionados é maior do que a quantidade de servidores do quadro próprio do Saerb”, diz.

Mesmo com pessoal reforçado na parte da “gestão”, Marcelo Jucá afirma que em quase cinco anos de Bocalom na prefeitura, a empresa não foi capaz de desenvolver seu planejamento estratégico. “Atualmente as ETAs 1 e 2 não têm manutenção preventiva. Eles vão remendando canos atrás de canos. É tudo uma gambiarra. Eles pegaram as ETAs funcionando e hoje está uma bomba-relógio”, ressalta Marcelo Jucá.
De acordo o representante do sindicato, o uso das bombas em flutuantes para a captação de água, que deveria ser operado somente nos períodos mais críticos da seca, passaram a funcionar de forma definitiva até na época das cheias. “Isso é resultado do sucateamento das ETAs.”
Um plano de gaveta
Sancionado em 2023, o Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB) é outro documento apenas no papel – tal como o Plano Municipal de Mitigação e Adaptação às Mudanças do Clima (PMAMC) foi enviado para a lixeira pela gestão do bolsonarista Bocalom.
Se as medidas de prevenção e mitigação dos impactos das mudanças climáticas tivessem sido, ao menos, analisadas pela prefeitura, a população rio-branquense sentiria menos efeitos desta crise que, como sabemos, só tende a se intensificar nas próximas décadas.
“É necessário que a população pressione os responsáveis pela gestão do sistema para que cumpram com a sua obrigação de fornecer água em qualidade e quantidade suficiente o ano inteiro. Uma das soluções é seguir o Plano Municipal de Saneamento Básico”, avalia Irlan Moura. O PMSB prevê o aumento dos investimentos na infraestrutura de captação, tratamento e distribuição de água.
Outra medida possível seria a perfuração de poços artesianos ao longo da cidade, que pode ser uma forma de complementar o atual sistema e amortecer falhas de fornecimento das ETAs, tão vulneráveis às oscilações extremas de nível do rio Acre e que operam já no seu limite como resultado de décadas de sucateamento – o que ficou agravado desde 2021 com a falta de gestão e planejamento da prefeitura.

Um rio que transborda – caixas-d´águas vazias
Em 2024, a capital foi atingida pela terceira alagação consecutiva do rio Acre. As duas anteriores são a segunda (2024) e a terceira (2023) maiores da histórica, isso em cinco décadas de aferições disponíveis. Ano passado o manancial chegou a 17,88m. Em 2025, o maior volume registrado foi de 15,88m, marca alcançada em 17 de março. Apesar de dois metros a menos, os impactos foram consideráveis: mais de 30 mil pessoas foram, de algum forma, atingidas pela enchente.
Dos danos, talvez o de maior impacto para toda a cidade foi a interrupção no serviço de distribuição de água pelo Saerb. O problema aconteceu após um dos flutuantes onde ficam as bombas de captação da ETA 2, localizada próxima à região da Sobral, ter sido arrastado pela força da correnteza e dos balseiros. Todo o equipamento desceu da bubuia e ficou preso na estrutura da Ponte Metálica, no Centro.
Sozinha, a ETA 2 responde por 75% do abastecimento de Rio Branco. O efeito imediato foi a interrupção no serviço de distribuição. Um deus-nos-acuda. Faltou água para as necessidades mais básicas. De imediato, prefeitura e governo fizeram uma operação de guerra para restabelecer o serviço no menor espaço de tempo possível. Até o Corpo de Bombeiros foi acionado para evitar o colapso total. Os militares fizeram o resgate do flutuante e amarrações nas estruturas da ETA para evitar danos ainda maiores.
Na estação de tratamento, os trabalhadores atuavam 24 horas. Até o prefeito atuou numa das noites para o registro fotográfico. De acordo com a prefeitura, em 72 horas o fornecimento de água voltou ao normal. Todavia, muitas reclamações foram registradas nos dias seguintes. Os problemas, em alguns bairros, são sentidos até este fim de mês.
E, assim, a ETA 2 – assim como sua irmã ETA 1 – passou por mais um remendo até a próxima alagação – talvez em 2026. Afinal de contas, como apontam os cientistas, tais fenômenos serão mais recorrentes e intensos. Daqui mais uns dias vamos ter os efeitos do verão, quando este mesmo rio que arrastou bombas e entrou na casa das famílias estará em nível crítico de vazante. Aí, então, a prefeitura vai culpar a seca pela nova crise de abastecimento.

O sistema de captação e distribuição de água de Rio Branco não se adaptou ao “novo normal” do clima. E para agravar ainda mais a situação, o ambiente político do Acre, dominado por um grupo sem o mínimo compromisso com a eficiência da gestão pública, deixa a sociedade ainda mais vulnerável a tais eventos.
Em meio a tantas “bombas” que envolvem um serviço público tão essencial, não há a menor dúvida de que, sim, hoje Rio Branco tem uma gestão bomba à frente da prefeitura.
Aqui, o conselho do engenheiro ambiental Irlan Moura:
“Esse momento, mais do que nunca, escancara a urgência de exigir que os responsáveis pela gestão do sistema de abastecimento de água de Rio Branco cumpram com a sua obrigação de fornecer água em qualidade e quantidade suficiente para a população, ou mesmo que considerem a possibilidade de reverter a gestão do sistema para o governo estadual, e entregar de volta a ‘’bomba’’ que tanto fizeram questão de tomar para si.”
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