Sem-terra voltam a ser atacados por pistoleiros na divisa entre Acre e Amazonas
Atentado com arma de fogo e tortura aconteceu em área do antigo Seringal Novo Natal, em Senador Guiomard. Posseiros acusam dono da Fazenda Fusão de encomendar ataque; fazendeiro nega todas as acusações e diz ter recebido ameaças de morte dos ocupantes. Região é vizinha ao acampamento Marielle Franco e palco de intensos e violentos conflitos fundiários no sul da Amazônia
Fabio Pontes
dos varadouros de Rio Branco
Um grupo de 27 pessoas que tenta ocupar uma área de terra na divisa entre os municípios de Senador Guiomard (AC) e Lábrea (AM) voltou a ser atacado no último domingo, 7, por pistoleiros fortemente armados. Vários tiros foram disparados na direção dos barracos onde estavam os posseiros, mas ninguém foi atingido. Em um dos vídeos enviados à reportagem, é possível ver cartuchos de escopeta calibre 12, revólver calibre 38 e pistola .40. Um dos agricultores chegou a ser torturado pelos pistoleiros. Eles colocaram saco plástico em sua cabeça e disseram que, se fizesse denúncia à polícia, voltariam para matá-lo. (Veja vídeo abaixo)
A região é vizinha a outro grave conflito fundiário na divisa do Acre com o Amazonas, na Fazenda Palotina, onde mais de 200 famílias estão na ocupação Marielle Franco. Desde 2019, a tríplice divisa entre Amazonas, Acre e Rondônia (Amacro) é palco de conflitos fundiários e da prática de crimes ambientais. Um dos crimes mais comuns é grilagem praticada por grandes fazendeiros em busca de ampliar suas propriedades rurais.
A área pleiteada por 35 famílias fica nos fundos das fazendas Fusão 1 e 2 e Ponta Negra, cujos os mais de 5.600 hectares se espalham entre os territórios do Acre e do Amazonas. Os posseiros afirmam que a terra é de propriedade da União. Já o senhor Ariosvaldo de Freitas, que se apresenta como proprietário das fazendas, afirma possuir todas as documentações que comprovariam a posse da área. Os posseiros acusam o fazendeiro de ser o mandante do atentado ocorrido domingo.
Ariosvaldo entrou com ação de interdito proibitório com pedido de liminar junto à Comarca de Senador Guiomard para que a Justiça determine ações do Estado para impedir o que ele classifica como invasões às suas propriedades. Na ação, ele acusa os sem-terra de o terem ameaçado de morte.
“As propriedades rurais em destaque estão sendo objeto de reiteradas tentativas de esbulho possessório, praticada por um grupo de delinquentes especializados nessa prática”, diz trecho do processo. Ele acusa os posseiros, ainda, de crimes ambientais ao derrubarem áreas de floresta preservada. (Leia Nota de Esclarecimento completa abaixo)
Enquanto a Justiça não se manifesta, a região da divisa Acre/Amazonas se consolida como um verdadeiro faroeste amazônico, onde a lei da mais forte e as armas da jagunçada parecem ditar as regras – numa clara violação ao estado democrático de direito. Ao todo, segundo testemunhas ouvidas por Varadouro, cinco jagunços encapuzados com diferentes calibres de arma “desceram chumbo” na direção de seus barracos no meio da mata.
“Nós entramos no sábado, fizemos o barraco e no domingo fomos trabalhar nas terra. A gente tava trabalhando lá e foram cinco capangas lá a mando do Ariosvaldo, que é o dono da fazenda e atiraram no nosso barraco. Na segunda-feira, levantamos barraco [foram embora] de lá para preservar as nossas vidas. Na quarta nós voltamos lá e o barraco estava queimado”, diz Mizael Magalhães, uma das pessoas que estavam no local no dia do ataque.
Um dos parceiros chegou a ficar 24 horas perdido na mata fechada. Ele teve que se embrenhar na floresta para fugir dos disparos. Já seu outro parceiro não conseguiu fugir e foi torturado por vários minutos, sendo sufocado com sacos plásticos na cabeça. Ele está traumatizado e não quer fazer o registro de ocorrência. Teme ser morto, como ameaçaram os jagunços.
As famílias decidiram ocupar a terra após reunião realizada com o Incra do Amazonas em março para debater a situação do vizinho acampamento Marielle Franco. Segundo Mizael, eles foram informados pelos servidores do Incra que a área reivindicada também forma o antigo Seringal Novo Natal, onde está a área em disputa na Fazenda Palotina, cuja propriedade é requerida por Sidney Zamora e pleiteada pelas mais de 200 famílias da ocupação Marielle Franco. A região, segundo testemunhas, já foi declarada pela autarquia federal como pertencente à União.
No final de fevereiro, os posseiros da ocupação Marielle Franco foram vítimas de ataques e torturas nos mesmos moldes do ocorrido agora nos fundos da Fazenda Fusão.
“Furaram panela na bala, atiraram em rede, toalha. Atiraram em tudo lá. Furaram a lona [do barraco] na bala. Ontem [quarta-feira] quando a gente estava saindo de lá umas 11 da noite tinha dois capangas armados na boca do ramal, mas não fizeram nada. Ninguém saiu ferido”, diz Mizael.
“Isso vem acontecendo numa sequência. Já tem umas cinco vezes. Vão lá, tocam fogo no barraco, derruba barraco, toca fogo em tudo que tiver lá dentro. Só que agora eles atiraram com a intenção de ferir alguém”, ressalta. De acordo com ele, o possível proprietário da fazenda faz o monitoramento da área com drones. Ao identificar a ocupação, os pistoleiros são enviados para expulsá-los.
Um pedaço de chão
Por conta dos constantes ataques, os posseiros evitam levar as esposas e filhos a cada tentativa de ocupar a terra. Eles temem que o pior possa acontecer, e pedem ajuda às autoridades.
As famílias que reivindicam serem assentadas na região do antigo Seringal Novo Natal moram na Vila Caquetá, município de Senador Guiomard, às margens da BR-317. A rodovia conecta Rio Branco ao sul do Amazonas, nos municípios de Boca do Acre e Lábrea. A maioria deles era trabalhador braçal das fazendas do entorno. Com o constante processo de mecanização das propriedades, acabaram sendo demitidos, e hoje enfrentam dificuldades.
“Nós queremos trabalhar com a agricultura, mas a gente não tem terra. Muitos moram alugado, não tem um canto próprio, a gente tá lutando pra ganhar esse pedaço de chão, pra ser assentado, trabalhar em cima do que é da gente. Por isso estamos nessa batalha”, diz Mizael Magalhães.
Reportagem atualizada às 12:30 de 12 de abril de 2024 para acrescentar a versão dos fatos do senhor Ariosvaldo de Freitas
NOTA DE ESCLARECIMENTO
ARIOSVALDO DE FREITAS, vem a público esclarecer a matéria publicada no Jornal Varadouro, datada de 11/04/2024, intitulada “BANG-GANG À AMAZÔNIA – Sem-terra voltam a ser atacados por pistoleiros na divisa entre Acre e Amazonas”, na qual foi citado seu nome, o que faz nos seguintes termos:
Que desconhece os fatos narrados na matéria, particularmente que seja o mandante de expulsão de invasores, com utilização de armas de fogo.
Que ao contrário do que afirma as supostas vítimas, a propriedade rural em destaque está sendo objeto de reiteradas tentativas de esbulho possessório, praticada por um grupo de delinquentes especializados nessa prática.
Destaca-se que desde o início de 2023, já foram registrados mais de 30 (trinta) Boletim de Ocorrência – BO, nas polícias civis e militar dos estados do Amazonas e Acre, contra essa quadrilha de desordeiros, que insistem em levar a desordem e tensão no campo, e praticarem invasões de propriedades privadas produtivas, e devidamente documentadas.
As ameaças se estendem não somente de invadir as propriedades, mas também contra a vida do seu proprietário, familiares e trabalhadores, conforme abaixo:
Além das ameaças realizadas através de bilhetes, o proprietário tem recebido inúmeras ameaças de morte por ligações telefônicas, mensagens de texto, áudio e pessoalmente, além de expulsão de extrativistas (coletores de castanha), mediante armas de fogo.
Recentes tentativas de posse de suas propriedades foram rechaçadas com ajuda da polícia local, que agiu prontamente atendendo ao pedido de seu proprietário, evitando que o crime se consumasse, bem como que a tensão entre as partes pudesse levar ao derramamento de sangue na região.
Salienta-se que as invasões ocorreram, exclusivamente, na área de RESERVA LEGAL das propriedades, com destruição da floresta nativa, e consequentemente, danos ambientais irreversíveis.
A mesma preocupação com a gravidade da situação foi manifestada pelo MM. Juiz de Direito da Vara Criminal de Senador Guiomard – Acre, que em decisão nos autos do processo crime n. 0000360-98.2023.8.01.0009, atendendo um Pedido de Busca e Apreensão Criminal formulada pelo Delegado de Polícia local, assim decidiu:
(…)
há fortes indícios de gravidade no presente caso, de acordo com as cópias de bilhetes contendo ameaças sérias, que podem levar a homicídios, tipo chacinas, sem contar que a autoridade policial encaminhou sua equipe de investigação, a qual produziu o relatório de investigação preliminar, muito bem elaborado, pormenorizado, ilustrado com registro fotográficos, demonstrando que a localidade onde serão realizadas as buscas pertencem a zona rural do Município de Senador Guiomard.
Vale ressaltar que a vítima registrou boletim de Ocorrência na Delegacia de Senador Guiomard, crendo que será adotada as providências pelos órgãos competentes.
(…)
Ante o Exposto, visando o procedimento à instrumentalização de Inquérito Policial ou futura ação penal, tenho que o acolhimento da medida constitui-se providência necessária, razão pela qual DEFIRO o pedido e determino a expedição dos competentes mandados de busca e apreensão, a ser cumprido exclusivamente nos seguintes endereços:
(…)
Do referido processo acima referido, originaram os processos crimes n. 0004484-51.2023.8.01.0001, e 0000163-12.2024.8.01.0009, ambos transitando na Comarca de Senador Guiomard, no Estado do Acre, embora ainda em fase de oferecimento de denúncia por parte do MPE/ACRE.
Por ocasião do cumprimento do MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO foram apreendidas armas de fogo, celulares e equipamentos de comunicação clandestinos, bem como foram identificados os “chefes e parte dos membros” dessa organização criminosa, conforme abaixo transcrito:
Sabe-se também que alguns membros dessa organização foram presos em flagrante, e soltos posteriormente para responder processo em liberdade. O processo criminal continua em tramitação, e novas prisões podem ocorrer a qualquer momento.
O proprietário, assim como toda sua família e empregados, inclusive os extrativistas que exploram a área de reserva legal, têm sido obsessivamente objeto de ameaças de morte por esse grupo criminoso, conforme dita acima, que procuram, a todo custo, se apossar das terras em destaque.
Para fechar esse assunto sobre posseiros e a regularidade da documentação das propriedade rurais em destaque, atendendo requerimento dos proprietários, foi lavrado em data de 01/12/2024, RELATÓRIO DE VISTORIA por funcionário do INCRA, conforme abaixo:
É o que se tem a esclarecer.
Rio Branco – Acre, 12 de abril de 2024.
ARISOVALDO DE FREITAS
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