Dos varadouros de Porto Velho
O desmonte da fiscalização ambiental no Brasil foi um marco do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que alimentou um discurso de ódio típico da extrema-direita. Neste período, houve uma escalada de violência e hostilidades contra os servidores do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), órgãos subordinados ao Ministério do Meio Ambiente, e responsáveis pela gestão ambiental de unidades de conservação, além das ações de comando e controle, fiscalização e licenciamento.
O cenário ainda não melhorou no atual governo. Mesmo com a retomada da política ambiental, servidores de carreira que atuam em campo no combate aos crimes ambientais – em especial na Amazônia – continuam enfrentando retaliações, ameaças, falta de valorização na carreira e ausência de infraestrutura para trabalhar. Ao menos é isso o que expõe, em documento, a Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Ascema).
No governo Bolsonaro, um servidor de carreira que denunciou ineficiência do Ibama ao Tribunal de Contas da União (TCU), foi ameaçado. Outro do Ibama foi transferido de região e jogado no ostracismo após formular pareceres “incômodos” que denunciavam danos ambientais e violações de direito em casos envolvendo grandes empresas. Em março deste ano o coordenador da Reserva Extrativista Médio Juruá, uma área de 287 mil hectares, no município de Carauari (AM), foi retirado do território depois de ameaças de morte atribuídas a garimpeiros.
De acordo com a Ascema, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), prometeu para a comunidade internacional zerar o desmatamento, mas no país “o governo dá as costas para os servidores”. Varadouro teve acesso aos documentos que mostram a insatisfação dos trabalhadores do Ibama e ICMBio com o governo. Uma carta foi assinada por centenas de servidores da carreira de especialistas em meio ambiente e protocolada no último dia quatro.
“Apesar do protagonismo dos trabalhadores do Ibama e do ICMBio no cumprimento de suas missões, que envolvem desde o combate a grupos criminosos sofisticados ate o licenciamento de empreendimentos estratégicos, a remuneração atual não condiz com as responsabilidades desenvolvidas pela Autarquia. A defasagem salarial resulta em preocupante rotatividade de servidores, que, desmotivados, veem o Ibama como um ‘trampolim’ para outras carreiras mais atraentes economicamente, agravando o quadro de esvaziamento de pessoal, especialmente diante da crescente aposentadoria”, diz o texto.
A Ascema iniciou tentativa de negociação da reestruturação da carreira com o Ministério da Gestão e Inovação aos padrões salariais da Agência Nacional de Águas (ANA). A entidade alerta que houve um esforço coletivo dos trabalhadores para reduzir o desmatamento na Amazônia em 49,7%, somente no governo Lula. Dizem que é “desleal” a falta de compromisso com os trabalhadores federais da área ambiental.
A entidade afirma que se a valorização da carreira não for corrigida pode haver “repercussões negativas” entre os servidores ambientais incluindo prejuízos na condução do combate ao desmatamento. E afirmam que não querem ser mais “voluntários” das autarquias. Os trabalhadores não descartam a possibilidade uma greve. Desde setembro a categoria realiza uma série de manifestações nas superintências dos dois órgãos nos estados.
Eles pedem reajuste de 53,17% e uma reestruturação do plano de carreira. “A reestruturação conta com subir o salário dos Técnicos para 70 a 85% do dos Analistas. Também criar a Gratificação de Atividade de Risco e subir o Vencimento Básico a 70% da Remuneração Total”, diz um comunicado da Ascema. A associação dos servidores federais de meio ambiente ainda pede melhores condições de segurança e proteção física dos agentes com atuação em campo, mais sujeitos a entrar em confornto com os criminosos.
“Os resultados alcançados na luta contra o desmatamento são notáveis. Contudo, é necessário sustentar esse esforço mediante a valorização e reconhecimento dos servidores públicos por meio de ações concretas, indo além de meros discursos em conferências internacionais”. diz trecho do documento elaborado pela Ascema, que critica o discurso de Lula na 28ª Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (COP-28).