Dos varadouros de Porto Velho
Em um ano já considerado o mais quente em 125 mil anos, com rios importantes secos e queimadas oriundas de florestas já fragilizadas pelo desmatamento ilegal, morte de animais e populações impactadas é inegável a urgência de fazer esse debate com os moradores que vivem no bioma. Assuntos como emergência climática, áreas protegias e COP28 e 30 do Clima, fizeram parte do segundo dia do seminário Legado Amazônico: tecendo redes na gestão de áreas protegidas, que discutiu o futuro das unidades de conservação, novas iniciativas para essas áreas e projetos de ação. O evento realizado pelo Instituto Ipê , durante três dias (22, 23, 24) em Brasília (DF) foi acompanhado pelo VARADOURO.
O projeto Legado Integrado da Região Amazônica (LIRA) que faz parte do Instituto, convidou o jornalista Claudio Ângelo, coordenador de comunicação do Observatório do Clima (OC), organização que reúne mais de 90 instituições socioambientais. O jornalista apresentou um panorama sobre como o Brasil e o mundo estão enfrentando à questão climática e as expectativas para a COP28 (Conferência das Nações Unidas sobre Clima), que começa no final de novembro.
Ângelo disse que “2023 tem sido um ano pedagógico. Desde 1992, os cientistas vêm alertando para os possíveis impactos da degradação ambiental e das ações humanas para o clima. Tudo o que se previa, está acontecendo. Já vinha acontecendo, mas especialmente este ano, está mais presente na nossa realidade”.
Para ele, o papel das Áreas Protegidas, especialmente na Amazônia, continua relevante para evitar o desmatamento, mas na atual circunstância que vivemos, com crise climática agravada pelo El Niño, elas não são suficientes para conter a degradação ou mitigar os efeitos das mudanças que temos vivido no clima. “As Áreas Protegidas são um meio de manter a floresta e prevenir o desmatamento, mas elas correm risco porque, nas condições de degradação que estão as florestas ao redor e com a seca, qualquer fogo fora da área pode se alastrar e destruir essas áreas”, afirma ele, que lembra que 38% dos focos de calor este ano estão nas matas primárias, florestas em pé, que sofrem com uma seca extraordinária.
CÚPULA DO CLIMA
Inclusive, o fogo e a seca, foram temas de conversas no evento, já que muitos participantes vêm de áreas da Amazônia que neste momento sofrem com eventos extremos. Os impactos que as queimadas geram na saúde das pessoas trazem à tona um desafio que o Brasil tem de lidar: as perdas e danos causados pelas mudanças do clima, e não apenas aqueles aos quais já estamos acostumados. “Um dos pontos que mais geram discussão nas COPs de Clima são os fundos para combate a perdas e danos. O Brasil, além de pensar em lidar com desastres como desmoronamentos e enchentes, também tem que olhar agora como desastre a fumaça causada pelos incêndios florestais e o impacto disso na saúde das pessoas, e a seca na maior bacia de água doce do mundo, que antes não se imaginava ser possível”, alerta.
Segundo o jornalista, especialista na cobertura sobre crise climática, a COP28, que acontecerá em Dubai, será mais um momento importante para alguns temas cruciais para o futuro do planeta. Ali, as nações que ratificaram o Acordo de Paris, comprometendo-se a reduzir suas emissões de gases de efeito estufa até 2030, vão apresentar o status de contribuição voluntária. A expectativa não é tão alta sobre isso, visto que relatórios atuais do IPCC já mostram aumento de emissões no mundo todo e um novo relatório da ONU afirma que os países 20 países considerados grandes produtores de combustíveis fósseis, entre eles o Brasil, continuam a manter políticas e apoio financeiro significativos para a produção de combustíveis fósseis. A intenção desses países é duplicar a exploração desses combustíveis e não reduzir, como era a promessa, até 2030.
O mais recente relatório sobre as emissões brasileiras do SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases do Efeito Estufa) do Observatório do Clima, lançado em novembro de 2023, aponta que o Brasil registrou queda de 8% nas emissões de gases estufa em 2022. Mesmo com a redução, os números são a terceira maior marca observada desde 2005 – ficando atrás somente dos anos de 2019 e 2021, ano em que o Brasil emite mais gases de efeito estufa do que o Japão inteiro. Para Cláudio, a saída é a extinção da exploração de combustíveis fósseis.
“Temos que lembrar e cobrar o governo brasileiro todos os dias da meta de desmatamento zero. Além disso, temos que fazer pressão governamental para que o mundo pare de emitir gases a partir de carvão, gás e petróleo, que são os maiores causadores de poluição”, diz. O OC, inclusive, lançou um documento com um posicionamento pedindo um acordo global para a eliminação dos combustíveis fósseis.
A participação social também foi assunto quando Cláudio foi questionado sobre como os povos indígenas poderiam participar ou serem ouvidos nas Conferências do Clima das Nações Unidas. O jornalista destacou que há caminhos de participação, seja das populações indígenas, sociedade civil, empresas, para que as representações dos países possam ouvir recomendações e encaminhá-las para as negociações, porém, ele teme que alguns instrumentos criados para a participação sejam desconsiderados.