ANTÔNIO AMARO: O BARRIL DE PÓLVORA QUE EXPLODIU

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Rebelião com chacina de presos consolida fracasso da segurança pública (e social) do Acre

Com presídios controlados pelas facções, Acre tem a quinta maior população carcerária do país: 724,8 presos para 100 mil habitantes (Foto: Secom/AC)



Superlotados, presídios do estado refletem falência das políticas de segurança, de educação e de inclusão social para as comunidades mais vulneráveis; mazelas históricas do Acre se intensificam após chegada e consolidação de facções criminosas vindas do Sudeste


Fabio Pontes
Dos Varadouros de Rio Branco


O TRÁGICO fim da rebelião no presídio de segurança máxima Antônio Amaro Alves – que integra o Complexo Penitenciário Francisco de Oliveira Conde (FOC) – pode ser visto como a consolidação do fracasso histórico das políticas de segurança pública, penitenciária e social do Acre implementadas ao longo das últimas décadas. A situação ficou agravada a partir de 2016, com a chegada de facções criminosas vindas dos dois maiores centros urbanos do país (SP e Rio) para controlar a rota do tráfico da droga produzida nos vizinhos Peru e Bolívia. De lá para cá, tais grupos deixam um rastro de sangue pelas cidades (sobretudo nas periferias) e zona rural.

“O sistema de segurança pública do Acre está muito centrado na ideia da guerra ao crime. Essa ideia já está falida, ela não altera em nada a dinâmica do crime. Só cria a sensação de medo na sociedade, mas não tem eficiência alguma. O estado está dominado pelas facções. Isto é um fato”, diz Valdecir Nicácio, ativista dos direitos humanos em Rio Branco. “Precisamos pensar a política de segurança pública para uma visão mais humanista. Muda-se a tática para uma parceria com a sociedade, não só a repressão.”

Para Nicácio, o atual sistema é ineficaz e cria muito mais uma sensação de medo do que de segurança para a sociedade. “Para eles [forças policiais] todo mundo é suspeito. O resultado é que as pessoas acabam tendo medo tanto da polícia quanto do crime.

Na avaliação do ativista, o objetivo dos presidiários não era nem a fuga, tampouco fazer uma rebelião. O objetivo era um só: exterminar os líderes da facção rival que estavam detidos no pavilhão ao lado. A falha do sistema de segurança da unidade – provocado, sobretudo, pelo baixo efetivo de agentes – permitiu o fácil acesso deles tanto à ala onde estavam seus alvos, como à sala com as armas dos policiais penais.

Na análise de Nicácio, a partir do momento que a Polícia Penal assumiu todo o controle de segurança dos presídios, com a saída da PM em 2020, houve uma fragilização das unidades. (veja abaixo entrevista com presidente do sindicato dos policiais penais). Para ele, faltou habilidade na capacidade e articulação dos negociadores, e os líderes do motim não confiavam em suas palavras. “A sensação que fica após essa rebelião é a de que o estado perdeu, a polícia perdeu e a sociedade como um todo perdeu cinco seres humanos.”

O fato é que não se pode culpar apenas o atual momento de desgoverno por que passa Acre, desde 2019, como o único responsável pela sensação de caos vivida pela sociedade. Mas é certo que o cenário foi agravado. Nesta mais nova crise, por exemplo, a ausência do governador Gladson Cameli (PP) e de sua vice, Mailza Gomes (PP), em Rio Branco mostra a falta de uma liderança política capaz de passar a imagem de controle da situação, transmitindo uma sensação (nem que seja falsa) de segurança a uma população aterrorizada, trancada atrás de muros, grades e guaritas – isso para quem pode.

Enquanto isso, o paradeiro de nossos governantes é desconhecido. A única medida do governador foi usar as redes sociais para anunciar que empurrou a batata quente para o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino. Ao invés de ele estar aqui e assumir o controle do gabinete de crise, está de firula por aí. Todavia, certamente estará presente (e de cara nova) na Cavalgada 2023, a festa de abertura da Expoacre. Como é comum de dizer, o governo Gladson Cameli se caracteriza por oferecer muito circo -e nada de pão.

O grupo que hoje ocupa o poder no Acre passou as duas últimas décadas responsabilizando os governos do PT e sua “florestania” pelo estado de miséria em que o Acre se encontrava – ou encontra. Diziam que a política de preservação ambiental era o entrave para o progresso do Acre, que deveríamos seguir o exemplo da vizinha Rondônia – a locomotiva do Norte graças à soja e ao gado. Chegaram ao poder em 2019 adotando a nossa versão local de deixar a boiada passar.

Derrubaram a Amazônia, botaram fogo, adotaram o agronegócio como carro-chefe da economia – mas continuamos mergulhados no mesmo buraco. Incluindo o da violência. Além de não terem nenhuma política clara para a economia, tampouco para a segurança.

O resultado é que os graves problemas sociais históricos do Acre permanecem. Continuamos sendo um estado pobre, onde o contracheque do servidor público define o dinamismo da economia local. Sem opções de renda e emprego, a juventude nas periferias é atraída pelo lucrativo mercado do narcotráfico. Quem termina uma faculdade e tem condições, vai tentar a vida no centro-sul.

“O crime organizado germina na ausência do Estado. Mas só pode crescer e se fortificar na presença do Estado, contando com sua conivência direta ou indireta. Com efeito, para o crime organizado, é fundamental o papel de segregação da população pobre nas periferias da cidade. É neste ambiente, de abundantes misérias e escassas oportunidades, que o crime viceja e encontra farta mão de obra, um batalhão de gente que mata e morre por nada”, comenta o cientista político Israel Souza, do Instituto Federal do Acre (Ifac), em Cruzeiro do Sul.

Abarrotados e superlotados, os nossos presídios são o reflexo da falência do Estado em garantir políticas públicas inclusivas, de geração de emprego e renda. Ao se olhar o perfil de nossa população carcerária, o retrato é este: jovens entre 18 e 24 anos, moradores de periferia e presos por tráfico de drogas. Ao chegarem aos presídios, são obrigados a se filiar a uma das facções que controlam o sistema penitenciário.

Jovens moradores das periferias presos por tráfico formam maior parte da população carcerária do crime; a partir de 2016 tornaram-se “soldados” das facções (Fotos: Secom/AC)



Uma tragédia anunciada

Por muita sorte a rebelião no Antônio Amaro não teve um fim tão trágico quanto o ocorrido nos presídios de Manaus, em 2017, quando um banho de sangue entre as facções chocou o país. Aqui, a crueldade foi semelhante; dois dos mortos tiveram a cabeça arrancada. E, ainda por mais sorte, a rebelião não se alastrou para os pavilhões do complexo FOC. Segundo o secretário de Segurança Pública, o coronel América Gaia, na verdade não houve uma rebelião, mas uma tentativa de fuga frustrada.

Independente do nome, o fato é que os presos controlaram a unidade prisional. Os policiais penais estavam em número bem menor. Seriam ao menos 12 agentes para cuidar de mais de 100 presos. Conforme Varadouro apurou, teria ocorrido uma possível falha nos protocolos de segurança. O policial responsável por levar as marmitas até as celas do “corretivo” estaria armado, e foi feito refém pelos presidiários. Outra falha é o fato de a chamada “reserva”, sala onde ficam as armas da segurança, ser de fácil acesso nestes casos de rebelião.

Como diz o policial penal Joelison Ramos, presidente do Sindicato dos Policiais Penas, desde que a Polícia Militar deixou de fazer a segurança externa e das guaritas dos presídios, em 2020, o sistema de proteção ficou fragilizado. Foram quase 300 agentes a menos para cuidar do complexo penitenciário. Em contrapartida, o governo não fez a contratação de mais policiais penais. Mês passado, o governo abriu concurso com 300 vagas para o Iapen.

“Quando a gente passou a ser policial penal, ao invés de agente penitenciário, assumimos diversas outras atribuições que antes não tínhamos. A Polícia Militar saiu de dentro dos presídios. Foram 275 policiais militares que saíram só da FOC. Atividades como muralha, guarita, escolta judiciária, escolta externa que a gente não fazia, passamos a fazer. O resultado foi um efetivo reduzido cada vez mais”, diz o presidente do sindicato.

“Quando a gente assumiu os cargos no primeiro concurso, em 2008, a população carcerária do Acre era de 2.800 pessoas. Hoje, nós estamos com quase oito mil presos, entre os monitorados e os detidos. Em contrapartida, o nosso efetivo só reduziu. Saímos de 1.400 para 1.200, mas nem todos trabalhando, alguns afastados por questões médicas”, diz.

De acordo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), a população carcerária do Acre, em 2022, chegava a pouco mais de seis mil pessoas. O dado não leva em consideração sentenciados em monitoramento eletrônico. Considerando a taxa por 100 mil habitantes, o Acre tem a quinta maior população carcerária do país: 724,8 presos para cada grupo de 100 mil moradores.

Para ativista, modelo baseado em guerra ao crime está falido, resulta apenas em medo em toda a sociedade; combate ao crime com políticas inclusivas é o caminho (Foto: Secom/AC)


Antônio Amaro: segurança mínima

Como lembra Ramos, apesar de oficialmente ser denominado como de segurança máxima, o presídio Antônio Amaro fica longe de atender a este critério. Na verdade, destaca, ele é a unidade do RDD, o Regime Disciplinar Diferenciado. É lá onde ficam os presos de maior periculosidade, os líderes, os cabeças das facções criminosas.

É para lá onde também são enviados os presos com mau comportamento no Francisco de Oliveira Conde para cumprir o isolamento, o “corretivo”. Por essas características o Antônio Amaro necessitaria de um reforço na segurança. Outro problema apontado é que os líderes das facções convivem dentro de uma mesma unidade.

Apesar de estarem separados por pavilhões, não há nenhuma dificuldade para, em casos de perda de controle como agora, o membro de uma facção liquidar seus inimigos. Isso até ficaria difícil, mas não impossível, se a quantidade de policiais penais fosse maior. A situação mostra a ineficácia do Estado em garantir a integridade física da população carcerária sob sua custódia – além de colocar em risco a vida de seus próprios agentes de segurança.

“Eles só mataram realmente os cabeças do B13. Se quisessem poderiam ter feito uma chacina bem maior. Eles estavam com o controle, tinham as armas”, comenta com Varadouro um policial penal que pediu anonimato.

O barril de pólvora explodiu. Era mais do que esperado. Uma hora ia acontecer. Que o fato ocorrido no Antônio Amaro faça despertar na sociedade acreana a necessidade de realmente termos uma política de segurança voltada não apenas na parte repressiva. Essa estratégia faliu.

Vivemos num estado de insegurança. Muito mais do que colocar polícia na rua e abarrotar as cadeias, o governo precisa ter políticas de inclusão social, investimentos em educação, desporto e geração de emprego e renda. Se assim não for, continuaremos a enxugar gelo – perdendo nossa juventude para o mundo do crime.


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