AMBIENTES HOSTIS

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Varadouro participa de relatório sobre os desafios do jornalismo na Amazônia

Ambiente de violência: chegada de facções do Sudeste ao Acre deixou região ainda mais exposta ao crime, o que compromete a própria liberdade de imprensa (Foto: Douglas Barros/Secom/AC)




Editor-executivo do jornal afirma que a força das igrejas neopentecostais consolida a extrema-direita ligada ao bolsonarismo como a principal força política da região amazônica, o que cria um ambiente hostil para se tratar temas como democracia, direitos humanos e preservação da natureza. Ascensão das facções criminosas também intimidam a liberdade de imprensa na Amazônia.




dos varadouros de Rio Branco


A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e a Fundação para a Liberdade de Imprensa (FLIP), da Colômbia, lançaram neste mês um relatório conjunto que aborda os desafios enfrentados pelo jornalismo na Amazônia. O Jornal Varadouro foi um dos veículos entrevistados para a elaboração do documento. Desde a década de 1970, Varadouro desenvolve um jornalismo pioneiro na região Norte do país em defesa da floresta e de suas populações, enfrentando os mais tipos de desafios para tirar da invisibilidade as demandas das comunidades mais carentes.

Dividido em duas seções, o relatório destaca as realidades distintas da Amazônia brasileira e colombiana, identificando os desafios específicos do jornalismo nessas regiões. O relatório conjunto oferece uma análise aprofundada das condições que afetam o direito à liberdade de imprensa e de expressão em diferentes partes da Amazônia.

Segundo o documento, o jornalismo ambiental na Amazônia enfrenta desafios cruciais para a sobrevivência do planeta. Além de contribuir para a preservação da biodiversidade, é essencial para proteger os direitos dos povos indígenas e combater atividades ilegais, como narcotráfico e mineração clandestina, que ameaçam o modo de vida das comunidades tradicionais.

Essas práticas ilegais, juntamente com atividades como pecuária intensiva e expansão da agroindústria, devastam o meio ambiente e as culturas tradicionais da região. No entanto, os jornalistas enfrentam um difícil cenário econômico e social que os levam ao silenciamento por meio da autocensura e das ameaças de vida que sofrem.

Fábio Pontes, jornalista acreano e cofundador Varadouro em sua fase de retomada após 40 anos de atividades suspensas, contribui com o relatório ao apresentar sua visão de mais de uma década de experiência na cobertura de temas como meio ambiente, povos indígenas, comunidades extrativistas, crises migratórias e mudanças climáticas na Amazônia.

Ele destaca o papel da religião, especialmente o crescimento das igrejas evangélicas neopentecostais, como uma influência política significativa na região que contribui para a consolidação da extrema-direita como principal força política e, consequentemente, um ambiente hostil para se defender temas como democracia, preservação ambiental e direitos humanos.

“Uma explicação para isso é a ascensão e a consolidação das igrejas evangélicas neopentecostais como uma grande força política no Acre e em toda Amazônia. A gente sabe que é nessas congregações religiosas que se consolida a principal força da extrema-direita, que tem esse discurso contra direitos humanos e antiambiental”, afirma ele no relatório.

Pontes ressalta ainda que abordar questões relacionadas ao uso da terra e dos recursos naturais sem considerar suas complexidades pode resultar em uma visão superficial da região, levando à estigmatização de pessoas e grupos.

“Existe um processo histórico de abandono do pequeno agricultor. Ele não tem acesso a um trator, a um crédito, a um financiamento, então vai usar fogo para queimar o roçado dele. Isso é fruto da falta de políticas públicas. Então, a gente não pode ficar só nesse discurso raso, demonizando pessoas e grupos. Temos que entender que há pessoas que estão aqui e têm famílias, e que elas também são amazônidas”, ressalta.

Conscientes da diversidade de perspectivas, a ABRAJI e a FLIP enfatizam que não é intenção do projeto estabelecer uma visão única sobre a situação na Amazônia, mas incentivar um diálogo mais amplo. Embora o escopo seja limitado às áreas e vozes ouvidas no relatório, procurou-se contribuir com elementos-chave para o debate sobre como o jornalismo pode contribuir para a proteção da Amazônia e garantir que os cidadãos recebam informações cada vez mais completas e precisas.

Bolsonaro durante comício em Rio Branco, em 2018: consolidação da extrema-direita ameaça valores como democracia, direitos humanos e preservação da Amazônia (Foto: Divulgação)



As muitas Amazônias

Considerar a Amazônia como um único bioma pode ser uma simplificação se ignorar a rica diversidade de seus povos, territórios e desafios. Reconhecer a Amazônia implica compreendê-la além de uma entidade única e valorizar as múltiplas realidades que nela coexistem. Não é o mesmo falar da vasta Amazônia brasileira em Roraima ou no Mato Grosso, assim como não é o mesmo falar da Amazônia colombiana em Caquetá ou em Putumayo, por exemplo.

Essas Amazônias também compartilham tragédias diárias que não reconhecem fronteiras. Economias ilícitas como o narcotráfico, a mineração ilegal, o tráfico de armas, entre outras, que se traduzem no controle de grupos às margens da lei e que ameaçam o equilíbrio do território, condenam jornalistas ao silêncio, instalado na autocensura e no medo de ameaças e da morte.

Nessa questão, também desempenham um papel grandes empresas extrativistas, atividades como a pecuária extensiva ou a expansão da agroindústria, que ameaçam as relações simbióticas que, por milênios, foram construídas e devastam a selva em uma escala alarmante para a humanidade.

Esse contexto é inevitável para a prática do jornalismo nas regiões amazônicas. Cobrir essas questões acarreta riscos significativos, desde enfrentar a presença de vários atores armados, a imposição do silêncio, barreiras no acesso à informação e limitações geográficas e econômicas que restringem a cobertura em campo e a análise aprofundada das questões locais. O assassinato de Dom Phillips e Bruno Pereira em 2022, em Atalaia do Norte, no Amazonas, é um lembrete sombrio dos perigos enfrentados por profissionais que pesquisam e fazem reportagens sobre a Amazônia.


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