Base do ICMbio é incendiada no Vale do Guaporé, em Rondônia
Região é pressionada pelo avanço do monocultivo. Pesca ilegal e pulverização aérea de agrotóxicos são as principais ameaças para preservação da Rebio do Guaporé, unidade de conservação responsável por proteger uma das mais importantes áreas alagadiças da Amazônia – além de ser uma barreira para as TIs Rio Branco e Massaco, que têm registros de povos isolados.
dos varadouros de Porto Velho
Uma base do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio) foi alvo do ataque de criminosos na madrugada da última segunda-feira (22), no distrito de Porto Murtinho, em São Francisco do Guaporé. A base era a sede do órgão federal dentro da unidade de conservação Reserva Biológica (Rebio) do Guaporé, localizada às margens do rio São Miguel. Após renderem e expulsar os brigadistas que estavam de plantão no local, os criminosos atearam fogo. As chamas foram controladas pelos próprios servidores, que retornaram à base momentos depois.
O ataque é reflexo do clima tenso e de conflitos entre os fazendeiros do Vale do Guaporé com os agentes ambientais. Oficialmente o ICMBio diz não saber o motivo da ação criminosa. Há cerca de dois meses o ICMBio realizou reuniões com os moradores dos municípios cobertos pela Rebio Guaporé para explicar as restrições aplicadas à zona de amortecimento da UC, além da apresentação de uma proposta para a ampliação desta zona de proteção – o que desagrada o setor agropecuário da região. Um dos principais impactos sofridos por essa área é a pulverização aérea de agrotóxicos realizada pelas fazendas de soja do entorno.
De acordo com fontes ouvidas por Varadouro, a reunião foi marcada por um clima tenso, com os fazendeiros fazendo ataques verbais aos agentes do ICMBio. Outro problema enfrentado pela Rebio do Guaporé é a invasão de pescadores ilegais. A prisão dos pescadores e a apreensão dos pescados é outro fator a alimentar a fúria contra os órgãos de meio ambiente – isso num estado já com histórico de rejeição às políticas de preservação ambiental.
Com uma área de 600 mil hectares, a unidade de conservação federal é formada por áreas alagadiças, de pântanos – uma espécie de um Pantanal dentro da Amazônia. Além de servir como uma proteção para toda a rica biodiversidade da bacia do Guaporé, a Rebio exerce uma função de barreira natural a duas terras indígenas com a presença de povos isolados: a Ti Rio Branco e a Ti Massaco.
A base atacada pelos bandidos fica localizada no distrito de Porto Murtinho, no município de São Francisco do Guaporé. A região é bastante pressionada pelo avanço do monocultivo da soja e demais grãos. Em novembro, o senador bolsonarista Marcos Rogério (PL-RO) esteve em São Francisco para fazer reunião cujo conteúdo foi reiterar a antipatia da população local às políticas de proteção ambiental e dos povos indígenas. Seu foco era defender a legitimação do marco temporal no processo de demarcação de TIs no país.
“Situações como essas são temerárias para nós servidores. O governo vai deixar acontecer de novo o que aconteceu com o Bruno Pereira e Don Phillips? Vai deixar issso se repetir? Nós já perdemos alguns colegas desde o governo Temer para cá. Questões de sucateamento da estrutura. Um helicóptero que caiu em Roraima, o escritório do Ibama atacado em Humaitá, e agora esse ataque à base da Rebio do Guaporé”, comenta Emerson Aguiar, analista ambiental do Ibama em Rondônia e ex-presidente da Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Ascema).
Em setembro do ano passado, fiscais do ICMBio foram atacados e suas viaturas foram queimadas durante operação de fiscalização na Floresta Nacional de Aripuanã, no sul do Amazonas, no distrito de Santo Antônio do Matupi. Para Aguiar, ataques como estes deveriam ser considerado terrorismo, por os alvos serem agentes e a estrutura do Estado brasileiro.
Desde o começo do ano, os servidores ambientais federais do Ibama e ICMbio reduzem suas atividades de campo, priorizando o trabalho burocrático nos escritórios, como forma de protesto. Eles pedem valorização salarial, reestruturação dos planos de carreira e melhores condições de trabalho em campo – incluindo a segurança. Na semana passada, a Ascema divulgou um balanço sobre os impactos das reduções das fiscalizações em campo por parte do ICMBio.