Amacro se consolida como nova-velha zona de devastação da Amazônia

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Flona do Iquiri, na divisa Amacro: UCs da região estão entre as mais impactadas (Foto: Divulgação PF)



Fabio Pontes
Dos Varadouros de Rio Branco

A DEFLAGRAÇÃO da operação Overflight na manhã desta quarta-feira, 14, realizada entre a Polícia Federal e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), dentro da Floresta Nacional (Flona) do Iquiri, expõe as consequências da herança maldita que representa o projeto de criação de uma zona de expansão da soja e da pecuária na tríplice divisa entre o Amazonas, o Acre e Rondônia, conhecida como Amacro. De acordo com o mais recente Relatório Anual de Desmatamento (RAD) elaborado pelo Mapbiomas, esta região concentrou, apenas em 2022, 11,3% de toda a área desmatada no Brasil. A Amacro se consolidou, ao longo dos últimos quatro anos, como a nova fronteira do desmatamento da Amazônia e do país.

Inspirada no que é outra zona de desenvolvimento(e desmatamento) regional, a Matopiba, a Amacro é uma concepção da política de expansão do agronegócio promovida pelos governadores bolsonaristas do Acre, Gladson Cameli (PP), de Rondônia, Marcos Rocha (União), e do Amazonas, Wilson Lima (União). Na prática, o projeto ficou no papel sem nenhuma política pública comum dos três governos para o fomento da economia local – seja o próprio agronegócio, a agricultura familiar, comércio ou algo assim. O que funcionou muito bem em sintonia foi a consolidação do desmonte da política ambiental pelo trio de gestores.

O resultado tem sido o verdadeiro desastre para a preservação da Amazônia numa área bastante pressionada por atividades como a pecuária, a extração de madeira e a grilagem de terras públicas. A região sul e sudeste do Amazonas, composta pelos municípios de Boca do Acre, Lábrea e Humaitá, é a mais impactada. Além das invasões cometidas por quem já é ou mora na região, pessoas saídas do Acre e de Rondônia agravam o cenário. A disponibilidade de estradas e ramais facilita a integração de crimes contra a preservação da floresta. O desmonte da política ambiental pelos três governos, além da agenda federal de abrir a porteira para a boiada passar, tocada por Jair Bolsonaro (PL), agravou a situação.

Segundo os dados do Mapbiomas, o desmatamento na zona Amacro, entre 2019 e 2022, foi de 759 mil hectares. O ano eleitoral de 2022 foi o pior, com 231 mil hectares de Floresta Amazônica devastada. De acordo com o RAD, cinco estados concentram mais da metade da área devastada do país ao longo do ano passado; entre eles, o Amazonas. O estado só ficou atrás do Pará no ranking nacional de desmatamento. Sozinho, respondeu por 13,3% da área desmatada no país. Na comparação com 2021, o desmatamento em território amazonense saltou 37%.

O maior crescimento de floresta devastada de um ano para outro, na zona Amacro, foi o do Acre, com 39%. Em 2021, o estado perdeu 66.242 hectares de cobertura florestal; ano passado, foram 92.189 hectares. Em Rondônia, a elevação foi a menor: 6%. Os três estados estão na lista dos 10 maiores desmatadores de 2022. Dos 50 municípios líderes em registro de desmatamento no país, 16 estão no Acre, Amazonas e Rondônia, incluindo as capitais Porto Velho e Rio Branco.

Desde 2019 tenho acompanhado com bastante atenção os efeitos provocados pela proposta Amacro. Afinal de contas, aqui na capital acreana, como atestam os números, as consequências saltam aos olhos – e às narinas. A cada período das queimadas, passamos dias e mais dias respirando um ar extremamente poluído. Aqui estamos no corredor da conexão Amacro. Temos a BR-364 que nos liga a Porto Velho, e a BR-317 até Boca do Acre, no Amazonas.

Em meio a toda essa expansão da devastação na nossa tríplice divisa, estão as unidades de conservação e as terras indígenas. A Flona Iquiri é apenas uma delas. Também há as reservas extrativistas Arapixi e Chico Mendes. Esta última desponta como uma das mais desmatadas no último quadriênio. A TI Karipuna, em Porto Velho, localizada próxima às margens da BR-364, é outra vítima sensível deste processo.

Não se entende a razão pela qual o trio de governadores bolsonaristas do Acre, Amazonas e Rondônia defende uma zona de desenvolvimento para a região. O agronegócio já é uma atividade econômica bastante consolidada. Grandes fazendas de gado foram abertas desde o início da política da ditadura militar (1964-1985) para a ocupação (ou devastação) da Amazônia. De uns anos para cá, a pecuária vem sendo substituída pela monocultura da soja. Ao longo das BRs 364 e 317 já não é possível encontrar áreas de floresta. A última remanescente é a TI Campinas Katukina, do povo Noke K’oi, no município de Cruzeiro do Sul, no Vale do Juruá.

Que a deflagração da operação Overflight seja o início da retomada da presença do Estado brasileiro na região. Já que os atuais governadores atuam no sentido de flexibilizar e desburocratizar as regras ambientais para não atrapalhar quem quer produzir (assim ouvimos à exaustão), que ao menos o governo federal faça o seu dever de proteger UCs e TIs das práticas criminosas.

Como dito, o agronegócio já ocupa uma imensa área consolidada. O Estado não pode mais tolerar -muito menos fomentar – que as últimas áreas de floresta continuem a ser devastadas. A Amacro poderia unir forças, sim, para políticas de fomento ao pequeno e médio produtor rural e uma economia de base extrativista e florestal sustentáveis. Temos bons exemplos, basta o poder público garantir apoio.




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