Internet nas aldeias reforça proteção de territórios indígenas em Rondônia
Montezuma Cruz
Dos varadouros de Porto Velho
Durante três dias, representantes dos povos Amondawa, Oro Nao, Cabixi, Oro Win, Paiter Suruí, Jupaú, Tupari, Karo Arara e Ikolen Gavião participaram do curso de Treinamento e Instalação de Internet via Satélite. Fazendo fotos, vídeos, enviando denúncias às autoridades, eles agora estão aptos a garantir a proteção de seus territórios. A conexão com a internet é mais uma ferramenta para que os povos indígenas de Rondônia realizem o trabalho de fiscalização das terras, isso num estado da Amazônia historicamente marcado pela indústria da grilagem.
O estado de Rondônia tem a sua história de sua formação marcada por intensos e violentos conflitos fundiários. Entre os alvos dos invasores estão as terras indígenas. A Uru-Eu-Wau-Wau, uma das maiores do país, sofre constantes invasões, assim como a TI Karipuna, em Porto Velho. No estado, lideranças indígenas já foram assassinadas e outras são ameaçadas por denunciarem e lutarem contra a tentativa de grilagem dos territórios tradicionais.
O projeto Conexão Povos da Floresta facilitou-lhes o aprendizado no Centro de Cultura e Formação da Associação Kanindé Etnoambiental, em Porto Velho. O aprendizado será igualmente levado a diversas comunidades indígenas, quilombolas e extrativistas da Amazônia Ocidental Brasileira.
Pouco mais de 40 anos atrás, quando o aparelho de rádio USB da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) pifava no Posto Indígena de Riozinho (município de Cacoal), tudo o que era urgente só encontrava solução um mês depois. A administração do Parque Indígena do Aripuanã dependia diretamente do rádio para informar a sede do órgão a realidade indígena e para fazer os mais diversos pedidos.
Imaginemos nesse mesmo período o início da demarcação de terras dos indígenas Paiter Suruí com aparelhos chamados teodolitos, ou seja, pela topografia – método hoje totalmente arcaico diante do Google Earth. Numa das visitas ao Posto Indígena de Riozinho, em Cacoal, o repórter viu o sertanista Apoena Meireles desolado, impossibilitado de falar com a sede, em Brasília, por causa do rádio avariado.
“O primeiro passo para a implementação do projeto foi promover a formação de membros das comunidades beneficiadas”, informou o coordenador de Monitoramento e Proteção Territorial da Kanindé Etnoambiental, Israel Vale.
Quanto mais remota a Terra Indígena, mais difícil fica o acesso aos serviços básicos e à garantia dos direitos aos modernos sistemas. Para se ter ideia das necessidades, a internet 5G só chegará em 2024 aos distritos de Porto Velho e a outros territórios isolados. Pelo menos o pedido formulado pelo senador Confúcio Moura (MDB-RO) já está nas mãos do presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Carlos Manuel Baigorri.
“As longas distâncias e a dificuldade de acesso às comunidades são os grandes empecilhos para a Internet funcionar conforme as necessidades de cada comunidade”
[Israel Vale, coordenador de Proteção Territorial da Kanindé Etnoambiental]
“Um único técnico levaria pelo menos três meses para percorrer as 14 aldeias e completar as instalações; foi aí que a gente usou a experiência da Kanindé e propôs formar os próprios indígenas”, explicou. “Eles ainda repassam conhecimentos aos demais”, acrescentou Vale.
“As tecnologias que estão sendo utilizadas pelos indígenas são ferramentas que protegem o território, mas também aos indígenas”, comenta Ivaneide Bandeira, a Neidinha, diretora da Associação Kanindé,
“Agora, com drones, GPS, filmadoras, máquinas fotográficas e celulares, eles podem fazer as denúncias mais embasadas e protegidos; também a rapidez com que a Internet oferece com as antenas que estão sendo colocadas, as denúncias ao Ministério Público Federal, Ministério Público do Estado de Rondônia, Funai, Ibama e demais órgãos tem muita mais eficácia. Esse é um grande avanço na luta pela defesa das áreas protegidas e territórios indígenas”, analisa Neidinha.
E os indígenas retornam aos seus territórios capacitados para fazer a instalação, a configuração e a manutenção básica dos equipamentos. Algo impossível nos tempos do velho rádio da Funai. A melhoria trazida pelo curso do projeto Conexão Povos da Floresta já vem sendo sentida em outras regiões da Amazônia.
Em Rondônia, parceria entre a Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, WWF-Brasil e Associações Indígenas viabiliza a chegada dos kits com antenas, modem e roteadores. Um dos primeiros a pôr em prática os conhecimentos recebidos no curso, Benjamin Oro Nao, presidente da Associação Santo André do Povo Oro Nao (Território Pacaás Novos) iniciou a instalação já no dia seguinte à sua chegada. Horas depois, o equipamento funcionava bem.
“Pensei que não ia conseguir: tentamos uma, duas vezes, e não tava ligando; aí, com a outra internet fizemos uma ligação de vídeo pro professor: ‘faz isso, faz aquilo’, aí eu aprendi com ele”, contou Benjamim.
Ânimo
Segundo ele, a partir de agora, com a Internet mais rápida, os trabalhos da associação serão facilitados. “Antes, participar de reuniões e formações online era uma dificuldade, devido a qualidade do sinal da internet antiga”, comenta.
Benjamin observou que o benefício também chega para os jovens, facilitando-lhes o acesso a cursos e mesmo o uso para pesquisas de trabalhos escolares; e uso das redes sociais como ferramentas de denúncias e mobilizações do movimento indígena. “Além disso, o monitoramento do território e denúncias serão mais ágeis.”
E aí voltamos uma vez mais aos anos 1970: comunicados de sertanistas e responsáveis pelos postos indígenas em áreas críticas de desmatamento demoravam semanas para chegar a Brasília, ou às delegacias e ajudâncias da Funai em Vilhena, Cuiabá, Porto Velho e Rio Branco. Agora, tudo se dá em fração de segundos, com fotos e vídeos entre as TIs e qualquer órgão público.
Cibele e Donizete Cabixi, do povo Cabixi, foram os responsáveis pela instalação na Aldeia Pedreira. “Primeiro eu achei que não ia dar conta, mas o curso foi muito bom, aprendemos muitas coisas e assim que chegamos aqui, já instalamos”, conta Cibele.
“É muito gratificante poder auxiliar nesse processo e vê-los se apropriando das ferramentas, fazendo uso de acordo com as necessidades de suas comunidades, criando seus próprios protocolos e formas de uso”, destaca Israel do Vale.
A internet conta com um sistema de protocolo próprio para controle de acesso e cadastramento de usuários, que é gerido por pessoas da comunidade. Existe um cadastro para os moradores, para visitantes e para os administradores, com diferentes funções. Em regras gerais, o acesso é bloqueado apenas para jogos e pornografia. Pelo período de um ano e meio, os custos mensais da assinatura da internet serão por conta do projeto; a comunidade isenta do pagamento de qualquer valor neste período. A articulação entre os parceiros contínua para levar o projeto Conexão Povos da Floresta para outros territórios indígenas de Rondônia.