Agro em Rondônia fatura mais de R$ 20 bilhões fingindo desconhecer integração lavoura-floresta-pecuária

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Montezuma Cruz
Dos varadouros de Porto Velho

A ocupação de Unidades de Conservação para a criação de gado e o desmatamento com semelhante objetivo coloca Rondônia à deriva na conservação ambiental e nas negociações de crédito de carbono. Essa constatação tem dois aspectos: a ânsia por aumentar o produto agropecuário que alcançou R$ 20,6 bilhões em 2023 e o desconhecimento de um dos principais avanços obtidos pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) ao longo de seus 50 anos: o sistema de integração lavoura-pecuária-floresta (ILFP).

A Embrapa atua em Rondônia desde o extinto território federal, nos anos 1970.

Não chegam a cem os criadores de bovinos que procuraram apoio técnico dessa empresa no sentido de melhorar suas propriedades no sentido de obter maior sequestro de carbono, aumento da matéria orgânica do solo, redução da erosão, melhoria das condições microclimáticas e do bem-estar animal.

Um dirigente rural até desdenhou desse objetivo, por acreditar que “tudo isso é conversa de ecologista que trava a produção de alimentos no País.”

Desde o início dos anos 2000 já se sabe que a manipueira engorda o gado 800g a 1Kg por dia (Foto Embrapa)


Na Assembleia Legislativa de Rondônia, onde a metade dos 24 deputados estaduais é dona de terras, atas de sessão revelam que não chegam a dez os pronunciamentos a respeito do aumento da produção e de alternativas para evitar o desmatamento. Ao contrário, os discursos são todos favoráveis à extinção de Unidades de Conservação.

O sistema ILPF adiciona valor ao produto, aumenta a qualidade ambiental da fazenda e reduzem a necessidade de abertura de novas áreas, favorecendo a capacidade de produzir mais em uma mesma área, e também reduzindo a emissão de gases causadores do efeito estufa.

Caminho inverso

Às barbas de parlamentares e do próprio governo, a Reserva Extrativista Jaci-Paraná, no município de Porto Velho, ficou entre as dez UCs mais desmatadas do Brasil, quando ocupada por mais de duzentas mil cabeças de gado.

Esse nó górdio se soma à falta de interesse de pecuaristas em adotar o sistema ILPF, e ainda esbarra na ausência de fiscalização permanente. Só este ano, lentamente por causa de greves, Ibama e ICMBio vêm se reerguendo em suas atividades no estado, depois de quatro anos desmoralizados pelo ex-presidente da República, Jair Bolsonaro.

Em um Dia de Campo durante o período de governo do professor e ex-deputado estadual Daniel Pereira (abril-dezembro de 2018), o gerente da fazenda de Mário Gonçalves Ferreira, o Mário português, desconhecia que a manipueira (água da mandioca) poderia engordar suas 9 mil cabeças de gado nelore na média de 800g a 1kg/dia.

No cômputo geral, a Embrapa lamenta que a maioria dos criadores em Rondônia – os mesmos que desdenharam da ex-presidente Dilma Rousseff quando ela disse que “estudaria a mandioca” – desconhece o histórico da raiz brasileira.

Domesticada no Acre, Rondônia e Mato Grosso

DNA feito há quase três décadas pela Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia e divulgado pelo pesquisador Luiz Joaquim Castelo Branco Carvalho atesta: a mandioca (Manihot esculenta Crantz), presente em mais de cem países, é originária da Amazônia Ocidental Brasileira.

Sua domesticação compreende: Acre, Rondônia, Mato Grosso e Bolívia há cerca de 10 mil a 12 mil anos.

Com Castelo Branco concorda o cientista da Embrapa-AC, Amauri Siviero: “A história da agricultura do mundo pode ter começado com a mandioca”. Sviero é autor do artigo Trinta anos de pesquisa com mandioca no Acre.

Ex-deputado federal Fernando Melo

Durante seu mandato de deputado federal, o advogado e ex-secretário estadual de segurança do Acre, Fernando Melo da Costa, iniciou estudos sobre a mandioca visitando Unidades da Embrapa na Bahia, no Distrito Federal e no Pará. “Fiquei encantado com o que vi, seja na diversidade de plantas, ou na sua multiplicação alimentícia”, ele conta.

Beijus em Sena Madureira

Entusiasmado, Melo levou a Sena Madureira (no Purus) o cientista Joselito da Silva Motta, da Embrapa Mandioca e Fruticultura Tropical, de Cruz das Almas (BA). Uma hora de conversa dele na rádio local foi o suficiente para que diversas pessoas aprendessem mais a respeito do multiuso. Motta ensinou as pessoas a fabricar beijus coloridos com abacaxi, açaí, cebola e maracujá,

Mas deputados fazendeiros e fazendeiros em geral teimam desconhecer esse benefício na engorda de seus plantéis. “Um bom investimento em cochos higienizados para servir água da mandioca ao gado lhes custaria mais barato do que o combustível usado em horas de trator e máquinas para fazer derrubadas”, acredita Fernando Melo.

Das 98 espécies de mandioca no Brasil, somente uma foi domesticada e é cultivada pelo homem. No Acre, a mandioca encontra grande importância alimentar e econômica, e em ambas podem ser evoluídas através da pesquisa e da organização das comunidades produtoras.

Desmatar a qualquer custo

O perigo causado por desinformações e pelo apetite voraz de quem cria bois em Unidades de Conservação não está afastado. A Resex de Jaci-Paraná é, até agora, a que mais sofreu tentativas dos deputados estaduais para ter área reduzida em favor da criação de gado vendido clandestinamente a frigoríficos no próprio estado.

Segundo dados da Plataforma MapBiomas, o espaço da reserva ocupado pela atividade agropecuária saltou de 43.104 hectares (21% da área total) para 145.973 hectares (74%) entre 2012 e 2022. O dado representa um aumento de 239%, ou seja, a atividade dentro da área protegida mais do que duplicou em dez anos. Consequentemente, houve redução de 68% na área de floresta, passando de 77% para 25% da área da reserva no mesmo período.

Vergonhoso desconhecimento

Tantas são as desinformações que nem sequer o Governo Estadual de Rondônia demonstra o seu mais expressivo número no setor: em 2023 o valor básico da produção cresceu mais de R$ 1 bilhão em relação ao ano agrícola anterior.

Relatório da Secretaria de Agricultura expõe um recorde no campo, em Rondônia: no primeiro quadrimestre de 2022, o estado obteve aumento de 45% nas exportações de carne e soja, ou seja, US$ 903,3 milhões.

 Tratorzinho é usado na colheita e transporte da mandioca no Quilombo Jesus, na região do Guaporé, Estado de Rondônia (Foto CPT-RO)

Levantamento recente revela que o estado tenha 110 mil propriedades rurais que adotaram a soja como principal commoditie, carro chefe da produção. E, de acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o total da área plantada com grãos no estado superava 296 mil hectares.

Estimava-se que o espaço para expansão totalizava aproximadamente 4,5 milhões de hectares de pastos degradados, vistos como oportunidade para a transição para a agricultura.

Enquanto isso, por mais que a Embrapa promova seus Dias de Campo o ILPF continua sendo uma estratégia de produção ignorada por proprietários que poderiam integrar diferentes sistemas produtivos, agrícolas, pecuários e florestais dentro de uma mesma área.

A rede ILPF e as empresas do agronegócio anunciam uma ambiciosa meta: chegar até 2030 com sistemas de integração em 35 milhões de hectares no Brasil. Se dependerem de Rondônia, conseguirão?

Em 2021, o pesquisador da Embrapa Solos (RJ) e presidente do Conselho Gestor da Associação Rede ILPF, Renato Rodrigues, previu “a duplicação da produção brasileira de grãos, carne e leite, transformando, de fato, o País na primeira grande potência agroambiental do planeta.”

No ano passado, Rondônia perdeu 41,7 mil hectares de floresta, embora isso represente uma quantidade 70,1% menor do que a área desmatada em 2022, conforme dados do Relatório Anual de Desmatamento do MapBiomas.

O 2º MAIOR VBP DO NORTE

∎ Ao custo do desmatamento, Rondônia aumentou a área plantada para 663,5 mil hectares para a safra 2020/21, totalizando 10,1% a mais comparado à safra anterior, o que resultou na colheita superior a 2,5 milhões de toneladas, 4,6% superior à da safra 2019/20.

Rondônia alcançou o 2º maior Valor Bruto de Produção Agropecuária (VBP) da região Norte, com arrecadação superior a R$ 20,7 bilhões. E ficou no 11º lugar no ranking nacional, em setembro em 2023.

Seu Produto Interno Bruto (PIB), resultante da soma dos bens e serviços produzidos, soma R$ 51,6 bilhões, conforme levantamento do IBGE referente a 2020.

∎ A média é de R$ 28,7 mil por habitante, que, atualizada pelo Brasil Index, aponta o crescimento de 13,6% de 2020 para 2022, alcançando R$ 32,6 mil. Rondônia é o estado com o segundo maior crescimento do PIB per capita (por cabeça) do País.
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Nota: com adendo às 16h07 de 9 de julho de 2024.

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