AGRO DE RONDÔNIA NA OFENSIVA AOS INDÍGENAS

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Apoiado pelo agronegócio, governador Marcos Rocha tenta travar julgamento do marco temporal no STF

O governador de Rondônia, o bolsonarista Marcos Rocha (União): recurso no STF para agradar agronegócio (Foto: Divulgação)

Ao anunciar recurso na Suprema Corte em suas redes sociais, bolsonarista ganhou os aplausos do agronegócio rondoniense. Estado já tem histórico de matança de povos indígenas (muitos já extintos) e invasões de seus territórios. Para os latifundiários do estado, terras indígenas representam entrave à expansão da pecuária e da monocultura da soja.


Montezuma Cruz
Dos varadouros de Porto Velho

Enquanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fazia um discurso auspicioso aos ouvidos de ambientalistas sobre a reconstrução das políticas de proteção da Amazônia, durante a abertura da Assembleia Geral da ONU, ontem em Nova York, aqui no andar debaixo, ao sul da Amazônia Ocidental, o bolsonarismo se articulava em sua ofensiva contra as populações indígenas e a preservação da floresta. Diante da tendência do Supremo Tribunal Federal (STF) de rejeitar (de uma vez por todas) a tese do marco temporal, o governador de Rondônia, o coronel Marcos Rocha (União), ingressava com recurso pedindo a suspensão do julgamento para garantir “a voz da população indígena e dos produtores rurais.”. Na verdade, Rocha está muito mais preocupado com a voz do agronegócio rondoniense.

Trata-se de uma solicitação para que a mais alta Corte de Justiça do país “aguarde o fim do processo legislativo (Projeto de Lei nº 2903/2023”, a fim de “garantir a voz da população indígena e dos produtores rurais.” “De sorte que o adiamento requestado vai ao encontro do permanente diálogo institucional e da preservação da harmonia entre os Poderes, preservando o interesse da população indígena e da sociedade civil.”

Postagem de Rocha no Instagram

Há dúvida na posição governamental. Até porque, ele se coloca como suspeito ao repetir em discursos e documentários de eventos públicos: “Rondônia é agro, nós todos somos agro.” Terras indígenas em Rondônia são exploradas por madeireiros e invadidas por grileiros desde os anos 1970, a exemplo da situação dos Uru-eu-wau-wau. Houve consequências trágicas das criminosas vendas de lotes pela Gleba Itaporanga que resultaram na invasão da Terra Indígena Paiter Suruí ainda não demarcada entre 1975 e 1977.

Grande parte dos assessores diretos do governador desconhecem a violência contra indígenas, pois nem haviam nascido. E capitulam ao sabor do vento, repetindo feito papagaios que o estado “perde espaços que seriam destinados à agricultura.”

Dados da própria Secretaria de Agricultura de Rondônia, desnudam a realidade: no primeiro quadrimestre de 2022, o estado obteve aumento de 45% nas exportações de carne e soja, ou seja, US$ 903,3 milhões, conforme dados do governo estadual.

Levantamento feito em 2017 revelou que o estado possuía 270 mil propriedades rurais que adotaram a soja como principal commoditie, carro-chefe da produção. E, de acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o total da área plantada com grãos no estado superava 296 mil hectares.


Bajulação

Estimava-se que o espaço para expansão totalizava aproximadamente 4,5 milhões de hectares de pastos degradados, vistos como oportunidade para a transição para a agricultura. Ou seja: para quê cobiçar o território indígena?

Rondônia aumentou a área plantada para 663,5 mil hectares para a safra 2020/21, totalizando 10,1% a mais comparado à safra anterior, o que resultou na colheita superior a 2,5 milhões de toneladas, 4,6% superior à da safra 2019/20.

Um dos que aplaudem Marcos Rocha na internet é o secretário estadual de obras e serviços públicos, Elias Rezende, contumaz no assunto, pois fora um dos coordenadores da campanha eleitoral: “Muito bem, Governador Coronel Marcos Rocha. O pedido de suspensão do julgamento da tese do Marco Temporal, que aborda a demarcação de terras indígenas, apresentado pelo senhor tem o objetivo de permitir uma análise mais aprofundada dos impactos sociais, culturais e ambientais envolvidos (…)”.


Povos indígenas no plenário do STF, em julgamento do marco temporal; para agronegócio, terras indígenas são uma “ameaça” para expansão de seus latinfúndios (Foto: Agência STF)

“População de bem”

“Análise aprofundada” que não houve no governo do coronel Humberto da Silva Guedes (1975-1979), quando mais de 100 mil metros cúbicos de madeira foram arrancados do território indígena As manifestações a favor do governador demonstram a visão míope de pessoas que teimam em só enxergar como “desenvolvimento e crescimento” culturas de exportação, muito pouco consumidas no estado e no país.

No Instagram, Misael Verneck diz: “Rondônia é um exemplo na defesa de pautas importantes para a população. Parabéns.” A tese do Marco Temporal afirma que só pode haver demarcação de terras “se indígenas estivessem habitando o local em 5 de outubro de 1988, dia da promulgação da Constituição.”


Veja mais comentários

Aníbal Valdinei: “Rondônia é um estado que está em pleno crescimento e o agro é a base forte. Essa tese do Marco Temporal trará consequências em todo o Brasil.”

Dr. Nardelli: “(…) Precisamos de segurança jurídica e paz para continuar produzindo e gerando riqueza.”

Kátia Scarmagnani: “Parabéns governador!!! É exatamente essa atitude que nós rondoniense (sic) esperávamos.”

Paulo Zuzavoley: “Parabéns governador, não será fácil impedir esse sufocamento que estão fazendo com nosso estado e demais entes federativos. Conte com o nosso apoio da população de bem.”

Gonzacland: “(…) Rondônia tem 22 terras indígenas demarcadas, quase sufocando o desenvolvimento do estado, com uma população indígena em porcentagem mínima em relação às áreas demarcadas, já é o suficiente pra todos, ou não somos todos seres humanos da mesma forma! Parabéns ao governador. O estado de Rondônia se destaca em preservação e produção agropecuária.”

Danilo Paranhos: “Vejo que você quer lutar contra os povos originários. Vejo que estão ansiosos para dar direitos aos ruralistas para invadirem a Terra Indígena Tanaru, do falecido índio do buraco.”
Flávio Duarte Gomes: “Quando li na petição “rápidas pinceladas” lembrei-me da atuação dos advogados dos ‘patriotas’, semana passada, no plenário do Supremo!”

Na vida territorial e mais recentemente na vida do estado são conhecidos ex-governadores que ampararam e valorizaram o indígena, hoje visto como estorvo à expansão da soja que sai daqui para engordar o gado europeu.

O governador de Rondônia tem sido pressionado por entidades agropecuárias e pela justificativa cada vez maior de vender carne e soja à China – logo ela, o país Comunista tão abominado pela massa de desinformados e portadores de ideologia de botequim. Para quem não percebeu, o governador estreitou rapidamente os laços com a grande potência mundial e deve seguir fielmente a cartilha da exportação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Um ataque aos povos da floresta


Olhe bem para esta foto, governador Marcos Rocha: esse homem se chamava Claude Lévi-Strauss, nascido em Bruxelas (Bélgica) em 28 de novembro de 1908. Ele estudou Filosofia e Direito em Paris, porém, foi mundialmente reconhecido por estudos etnológicos. É considerado o criador da Antropologia Estrutural e um dos maiores pensadores do século 20. O velho Mato Grosso (depois Território Federal do Guaporé e Território Federal de Rondônia) teve o privilégio de recebê-lo.

O antropólogo e etnólogo Lévi-Strauss: ele veio ao Brasil pela primeira vez em 1935, integrando a missão francesa que participou da criação da Universidade de São Paulo (USP). Ele tinha 26 anos quando ocupou a cadeira de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Ciência e Letras dessa instituição. Entre 1935 e 1939, viajou pelo país para pesquisar indígenas Kadiweus e Nambikwara. E assim veio a Guajará-Mirim, que, não se espante Excelência, já era grande, pois pertencera ao grande Matto Grosso (com dois T) do início do século passado.

A experiência brasileira de Levy-Strauss foi descrita em 1955 no livro “Tristes Trópicos”, publicado no Brasil pela Companhia das Letras.

A cartilha indigenista do governador de Rondônia parece escrita e cruel pelo pisoteio que seus assessores praticam contra a história. Não que sejam apenas fujões da escola ou ignorantes em história, mas eles agem diferentemente do que o cristão deveria fazer: o “amai-vos uns aos outros” governamental é assim um “chega para lá” nos povos indígenas.

Não apenas desconhecem a história, mas pisoteiam em tudo quanto já ouviram a respeito de um conceito esfarrapado e lamentavelmente ainda alardeado por assessores e bajuladores: “Esses índios têm muita terra.”

Terra Indígena Karipuna, em Porto Velho, uma das mais invadidas por grileiros e madeireiros na Amazônia (Foto: Alexandre Cruz Noronha/Amazônia Real)

Indígena protagonista

Depois de 20 anos de estagnação no setor, em 2016 o antecessor e padrinho político do coronel, o então governador Confúcio Moura (MDB), totalizava a construção e reformas de 107 escolas indígenas que atendiam a 3,5 mil alunos sob 14 coordenações escolares.

Um indígena Puruborá de nome Antônio, cujo pai enfrentou picada de cobra jararaca usando surucuína (batatão) ralada coordenava a Educação Indígena na Seduc, e efetivava a contratação da maioria dos 313 professores concursados de 2015 e que já trabalhavam na condição de emergenciais.

Confúcio publicava o edital nº 168 convocando mais 60 professores nível A Magistério Indígena e 20 nível B Magistério Superior Indígena. Puruborá: “Começa de fato, agora, a construção de políticas públicas com a efetiva participação dos povos indígenas”, comentava o coordenador.

E mais quatro escolas indígenas seriam construídas com recursos do Programa Integrado de Desenvolvimento e Inclusão Socioeconômica do Estado de Rondônia (Pidise), em Alta Floresta d’Oeste, Guajará-Mirim (duas) e Vilhena.

Escolas situadas estrategicamente na Aldeia Ricardo Franco, TI Rio Branco, TI Tubarão-Latundé e TI Tanajura, Pacaás-novos. Não contaram ao governador Marcos Rocha, e ele tampouco se interessou em saber nas diversas vezes que pisou em Guajará-Mirim, a respeito do passado daquele território para o qual fizeram muita maldade” – parafraseando recente e desastrosa fala de Sua Excelência.

Indígena escorraçado

O genocídio não começou agora, vem de longe. No início dos anos 1970, Raul “espanhol” e seus peões mataram dez índios Cintas-Largas em apenas dez minutos, num ataque no Seringal Muqui, a mando do fazendeiro José Milton Rios.

Algumas chacinas contra indígenas foram cometidas sem dó nem piedade pelos peões comandados pelo seringalista Manoel Lucindo na década de 1940. Elas ocorreram durante o período em que soldados da borracha cearenses e outros nordestinos seduzidos por falsas promessas trocaram o teatro da 2ª Guerra Mundial pela rudeza da selva amazônica, onde muitos morreram vítimas do beribéri, impaludismo, abandono e solidão.

No seringal de sua propriedade, Lucindo montou a sua expedição armada para cercar malocas e matar famílias indígenas. Aqueles que conseguiram escapar sofriam perseguições e eram baleados com tiros de rifle e carabina. Mulheres e crianças sobreviventes ao ataque eram capturadas e levadas para viver com seus algozes.

Nas florestas do Acre e de Rondônia alguns deles foram incitados a perseguir indígenas nas conhecidas “correrias” e sofreram as consequências disso.

As “correrias” surgiram nos seringais amazônicos mobilizando patrões seringalistas dispostos a lutar contra “as feras selvagens”, obrigando-as a abandonar suas terras. Esses seringalistas visavam a expandir os seringais e abarrotar as balsas com borracha. O indígena que hoje “atrapalha” o agro era naquele período um obstáculo, tanto na Amazônia Brasileira quanto na Amazônia Boliviana ou na Peruana para a exploração da seringa e do caucho.

A verdadeira maldade contra Guajará-Mirim

Só em 1991 a Funai conseguiu retirar Lucindo das áreas que ocupava dentro da Terra Indígena Uru-eu-wau-wau, lembrou certa vez ao repórter o saudoso bispo da Diocese de Guajará-Mirim, dom Geraldo Verdier. Já os Oro Win retornaram às origens só depois da criação do Posto Indígena São Luiz, numa área de sacrifício e de mortes.

Dom Geraldo combatia o modismo: “Índio bom é índio morto.”, frase bastante comum ouvida naquelas épocas. E relatava sempre que as perseguições aconteciam a tiros de rifles e carabinas. Mulheres e crianças sobreviventes ao ataque eram capturadas e levadas para viver com seus algozes.

Esta sim é a “maldade que fizeram contra Guajará-Mirim”, governador Marcos Rocha. Pelo visto, atualmente os povos indígenas legítimos donos das terras que habitavam – parte lhes foram tomadas – deverão provar ao Congresso Nacional que nasceram de parto natural, muito antes dos avós desses esfomeados senhores do agro.

Esse Congresso Nacional estrebuchado na agonia moral e no desespero de causa vive seu momento hamletiano: ser ou não ser. Deixem os indígenas em paz, gente. São eles que garantem a floresta em pé e, irmanados a seringueiros e a outros tradicionais moradores em Unidades de Conservação Ambiental de Rondônia, irão garantir milhões de dólares dos créditos de carbono.

Além do mais, mesmo sem colheitadeiras e outras máquinas que empregam cada vez menos gente no campo, são eles também contribuintes do agro “pop e tech”, apesar da desconsideração dos gananciosos. E nessa contribuição não usam herbicidas que destroem florestas ou matam o solo. Observem o café produzido por nove povos indígenas deste estado.

Um governador enviou remédios aos indígenas

Em 1961, o governador de Rondônia, tenente-coronel Abelardo Mafra, apoiava o então bispo da Prelazia de Guajará-Mirim, dom Francisco Xavier Rey, e o padre Luiz Roberto Gomes de Arruda, no atendimento aos Pacaás-Novos.

A ação de Mafra evitava o alastramento de doenças e massacres praticados por seringalistas contra indígenas. No auge da expedição de contato dos Pacaás-Novos para juntá-los a outros grupos da mesma etnia contatados nos anos 1950, a Prelazia socorria indígenas com gripe, fome e tuberculose.

Foi então que o governador enviou um carregamento de remédios ao extinto Serviço de Proteção ao Índio (SPI). A expedição partiu de Guajará em 20 de maio de 1961, dois meses após a sua posse. Apesar de todo o esforço, os remédios escassos e a falta de salários levaram antigos expedicionários a abandonarem seus postos.

Paiter Suruí no cafeeiro, em Cacoal, Rondônia; produção agrícola com respeito à preservação da floresta (Foto Gilberto Costa)

  • Em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, o presidente da Comissão Arns e ex-ministro da Justiça José Carlos Dias; a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha; e o professor de Direito na Fundação Getúlio Vargas e membro da Comissão Arns, Oscar Vilhena Vieira, advertem:

    ● A Constituição de 1988 reconheceu aos povos indígenas “direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”, sendo “nulos e extintos” quaisquer atos que tenham por finalidade permitir ou legitimar a ocupação dessas terras por aqueles que não são os seus legítimos titulares.

    ● Nesse sentido, a Carta apenas consolidou, como direito originário, o direito dos indígenas ao seu território, que já havia sido reconhecido pelo Alvará Régio (1680), pela Lei Pombalina (1755) e pela Lei de Terras (1850), bem como por todas nossas Constituições a partir de 1934.

    ● A tese do marco temporal busca constranger esse direito originário, reconhecendo aos indígenas apenas direitos às terras que estavam ocupando ou defendendo em 5 de outubro de 1988.

    ● Trata-se de uma tese de natureza meramente política, que não encontra respaldo no texto constitucional, criada e patrocinada por setores predatórios do meio ambiente que cobiçam explorar as terras indígenas (TIs), que redundará na restrição dos direitos dos povos originários à própria sobrevivência.











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