Assembleia de Rondônia anistia multas pela criação de gado na Resex Jaci-Paraná

Numa das muitas ofensivas contra as unidades de conservação estaduais, os deputados de Rondônia aprovaram a Lei Complementar 1.274, que anula as multas ambientais aplicadas a pecuaristas com propriedades dentro da Resex Jaci-Paraná, em Porto Velho. O Ministério Público Estadual de Rondônia pretende recorrer da medida.
Montezuma Cruz
Dos varadouros de Porto Velho
Crimes ambientais cometidos contra a Reserva Extrativista (Resex) Jaci-Paraná foram anistiados. A estranha notícia vem da Assembleia Legislativa do Estado de Rondônia, que em 2024 criou uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar a criação de novas Unidades de Conservação ocorridas durante o governo do médico Confúcio Moura, hoje senador da República. O Legislativo modificou a lei, abrindo desta forma a porteira para o pisoteio bovino no interior do município de Porto Velho. O Ministério Público Estadual admite recorrer.
Sem alarde, os deputados criaram e aprovaram a Lei Complementar nº 1.274, aprovando a conversão ilegal de áreas florestais em pastagem em Porto Velho. Ela passou a vigorar imediatamente ao dia 28 de abril, quando aprovada, concedendo anistia a todas as multas, avisos de infração e outras penalidades administrativas relacionadas à ocupação e uso da área.
Até o ano passado tramitavam na Procuradoria-Geral da República, no Ministério Público Estadual e na Secretaria Estadual do Desenvolvimento Ambiental de Rondônia cópias de processos de multas a diversos pecuaristas e quatro frigoríficos causadores de danos em Jaci-Paraná, onde a pecuária em larga escala é proibida.
Essas multas e acordos judiciais somam US$ 280 milhões, embora o Governo de Rondônia – sem divulgar – tenha informações de que alcançariam mais de US$ 1 bilhão. Mais de 700 ocupantes das terras nunca foram condenados.
A ALE-RO anulou geral, contemplando pecuaristas em atividade no município que tem a extensão de 34 mil km², maior do que as extensões de Alagoas, Sergipe, Bélgica e Israel, individualmente. Entre os que se beneficiaram com a Lei está a empresa JBS S/A. Conforme o mais recente levantamento feito pelo Ministério Público Federal, 12% do gado comprado pela JBS em Rondônia engordou em áreas desmatadas ilegalmente.
No entanto, os parlamentares já ouvem protestos, entre os quais, da Comissão Pastoral da Terra (CPT): “A lei é uma afronta. Se não for declarada inconstitucional, representará uma das maiores ameaças à proteção de todas as áreas de conservação que enfrentam invasões de terras”, afirma Wellington Lamburgini, coordenador da regional da CPT.
Trecho da Lei Complementar 1.274, de autoria do deputado Luís do Hospital (MDB):
Parágrafo 1º do art. 10: Considerando a legitimidade das atividades desenvolvidas na região e o respaldo oficia que garantiu a circulação de produtos e o desenvolvimento econômico e social, ficam nulas de pleno direito todas as multas, autos de infração e penalidades administrativas aplicadas em razão de eventual alteração ou degradação da área, não podendo produzir efeitos jurídicos ou financeiros.
Para fazer jus à anistia, os pecuaristas terão de aceitar fazer parte do Programa de Regularização Ambiental, no qual, uma das exigências é que parem de desmatar e apresentem plano de mitugação dos efeitos desse crime ambiental. Eles terão que usar especificamente a terra em regime de concessão de 30 anos, entretanto, cuidando da sua conservação.
Apesar de uma lei que proíbe a criação comercial de bovinos em áreas protegidas no País, eles poderão vendê-los. Conforme dados da Secretaria da Agricultura de Rondônia, aproximadamente 216 mil cabeças se encontram em pastagens de áreas protegidas.
Segundo estudo da Universidade Federal de Goiás, Rondônia aumentou 34% suas áreas de pastagem; o Acre, 41%; e o sudoeste amazonense, 70,6%.
O escancaramento é visível: nas Disposições Gerais da Lei nº 1.274, o art. 1º assinala que foi instituído o Programa Estadual de Regularização Diferenciado da Resex Jaci-Paraná, de caráter temporário, para regularização socioambiental da ocupação consolidada da Reserva Extrativista Estadual Jaci-Paraná, nos termos da competência legislativa estadual conferida pelo art. 25, parágrafo 1º da Constituição Federal e pela Constituição do Estado de Rondônia.
PECUÁRIA EM ÁREAS DESMATADAS
A Comissão Executiva Permanente de Defesa Sanitária Animal e o pesquisador Afonso Chagas, do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Rondônia constaram aumento de áreas ocupadas por pastagens no estado.
De 2 milhões 93 mil 262 hectares em 2003 para 6 milhões 640 mil 73 hectares em 2022 (variação de 225,1%)
Alto Paraíso, de 111,9 mil para 407,7 mil ha
Ariquemes, de 418,2 mil para 589,5 mil ha
Buritis, de 209,3 mil para 640,3 mil ha
Candeias do Jamari, de 128,2 mil para 357 mil ha
Campo Novo de Rondônia, de 124,7 mil para 527,4 mil ha
Cujubim, de 63 mil para 277 mil ha
Itapuã do Oeste, de 60,4 mil para 107,2 mil ha
Machadinho d’Oeste, de 127,5 mil para 497,1 mil ha
Monte Negro, de 172,02 mil para 403,3 mil ha
Nova Mamoré, de 167,7 mil para 1 milhão 11 mil ha
Porto Velho, de 400,09 mil para 1 milhão 685 258 ha
Rio Crespo, de 109,8 mil para 136,5 mil ha