Deputado diz que vai “botar pra cima” de Marina após ações do ICMBio e Ibama no Acre

Declaração foi feita pelo bolsonarista Coronel Ulysses (União) durante reunião com pecuaristas da Transacreana multados por desmatamento. Ele culpou a ministra do Meio Ambiente por operações de fiscalização. Senador Bittar disse que a “esquerda está tomando propriedades na Amazônia”. Clima político no estado é de nova ofensiva contra as políticas de preservação da floresta.
Fabio Pontes
dos varadouros de Rio Branco
O desencadeamento de uma grande operação pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) dentro da Reserva Extrativista (Resex) Chico Mendes, mais as ações de fiscalização pelo Ibama que resultam na aplicação de multas e embargos de áreas por desmatamento acima do permitido na região da Transacreana, em Rio Branco, fazem recrudescer, no Acre, uma forte ofensiva (e narrativa) contra a política de preservação ambiental do país. Entre os alvos preferidos nesse ataque está a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.
A principal estratégia usada tem sido a propagação de mentiras e desinformação, até com difamações contra a imagem de Marina Silva, além das ameaças a Raimundão Mendes, primo de Chico Mendes. O discurso é o de que os órgãos ambientais estariam confiscando rebanhos e propriedades de pequenos produtores, quando o alvo da ação são infratores com processos judiciais transitado em julgado.
A retórica comum propagada ao longo dos anos de que as políticas de proteção e preservação da floresta resultam no empobrecimento econômico da população acreana voltou a ganhar força nos últimos dias. Às portas de uma nova disputa eleitoral em 2026, políticos das mais diversas matizes se apropriam do discurso para ganhar os aplausos (e os votos) de uma parcela considerável da população.
Um dos críticos mais ferrenhos é o deputado federal Coronel Ulysses (União). Em vídeo postado nas redes sociais na última segunda, 9, ao lado de lideranças da Associação de Médios e Pequenos Produtores Rurais e Pecuaristas da Transacreana, o bolsonarista fez duras críticas à atuação dos órgãos ambientais, citando diretamente a ministra Marina Silva como a responsável pelas ações.
“O ICMBio que é essa instituição criada pela ministra Marina só pra perseguir o produtor. Nós vamos pra cima dessas instituições, nós vamos pra cima da ministra. Nós vamos convocar ela na Comissão da Agricultura, e nós vamos expor que ela é a responsável por essa miséria no estado do Acre”, afirmou o parlamentar.

O tom agressivo do deputado federal segue a mesma linha do ataque covarde promovido por senadores contra Marina Silva no fim de maio. A ministra nem bem se recuperou da covardia sofrida no Senado, e pode ser vítima de uma nova ofensiva da bancada da motosserra, agora na Câmara dos Deputados. E por lá eles estão em número ainda maior e com agressividade assustadora.
Já na tribuna do plenário, o senador Márcio Bittar (União) esbravejou duramente contra a ministra do Meio Ambiente, usando a velha retórica da extrema-direita que as fiscalizações para manter a Amazônia de pé ante o avanço do agronegócio cria situação de miséria na região.
Na concepção deste grupo, apenas a derrubada da floresta para transformá-la em pasto ou campo para a soja pode levar o Acre a níveis europeus de desenvolvimento social e econômico.
“Vai lá o ICMBio, membros do Ministério Público, da Força Nacional, da Polícia Federal, do Exército, sequestrar o gado e confiscar propriedade rural”, disse o senador, o mais servil do bolsonarismo em terras acreanas. O parlamentar só se esqueceu de mencionar que a tal propriedade rural está dentro de uma unidade de conservação federal, a Resex Chico Mendes.
“A esquerda está tomando propriedades na Amazônia”, é o título do vídeo postado por Márcio Bittar em discurso onde descarrega todo seu furor contra a ministra do Meio Ambiente.
Segundo o ICMBio, os alvos da operação são invasores que já haviam sido notificados administrativamente e possuem decisões judiciais transitadas em julgado. Todos os infratores, afirma a instituição, tiveram o pleno direito à defesa e dado os devidos prazos para que eles e o rebanho saíssem.
Propriedades rurais que até anos atrás eram seringais e foram desmatados de forma ilegal. Os ditos proprietários rurais não são os moradores tradicionais da reserva, mas pessoas que compraram colocações dentro de uma reserva extrativista. Muitas dessas áreas já estavam embargadas pelo ICMBio. Ou seja, quem as adquiriu foi por conta e risco.
A compra e venda de colocações dentro da Resex Chico Mendes, por sinal, foi impulsionada e alimentada pelo PL 6024. O projeto de lei apresentado em dezembro de 2019 pela ex-deputada federal Mara Rocha (PSDB), e que tinha o senador Márcio Bittar como principal articulador político, visava desafetar 22 mil hectares da unidade de conservação. O projeto beneficiava os maiores infratores ambientais da reserva.
A simples expectativa de aprovação da matéria criou uma “corrida pela terra” dentro da Resex Chico Mendes, levando-a a níveis críticos de desmatamento desde 2019. O desmonte das ações de fiscalização pleiteado por esse mesmo grupo junto ao então ministro Ricardo Salles também abriu as porteiras para a boiada.
A consequência é que, agora, todas as pessoas que adquiriram lotes dentro das colocações – de boa ou má-fé – serão retiradas, e sem direito a indenizações. Afinal de contas, as terras estão no interior de uma área protegida federal.
Ao invés de demonizar os órgãos ambientais ou a ministra do Meio Ambiente pela atual situação, os produtores alvo das ações de desintrusão poderiam pedir ressarcimento pelos recursos investidos junto ao gabinete dos parlamentares que fomentam as invasões de terras públicas.
Território bolsonarista

Ao longo dos últimos anos, nenhum discurso ganhou mais apoio popular no Acre do que o de enfraquecimento das políticas de proteção ambiental. Não por acaso, essa foi uma das principais promessas de campanha do governador bolsonarista Gladson Cameli (PP). Em 2018, prometia flexibilizar as regras ambientais para alavancar o agronegócio. Já no poder, declarou que ninguém mais precisava pagar as multas do Imac “porque agora quem está mandando sou eu”.
Por duas décadas dos chamados “governos da floresta” – liderados pelo PT – a oposição (agora no poder) apontava as ações de combate ao desmatamento no Acre como as responsáveis pelo engessamento social e econômico do estado. Acusavam as gestões petistas de perseguição aos produtores rurais ao aplicar as sanções previstas em lei para quem derruba além dos limites permitidos.
Tais discursos passaram a ter bastante força no eleitorado, criando um forte sentimento de rejeição aos “governos da floresta”, ao Partido dos Trabalhadores e às políticas ambientais. O agronegócio passou a ser visto por parcela considerável da sociedade como a alternativa mais eficaz para solucionar os graves e históricos problemas sociais. Não por acaso, o Acre é hoje um dos principais redutos do bolsonarismo no Brasil, junto com outros estados da Amazônia Legal.
O desmonte das políticas ambientais pelo governo de Gladson Cameli de fato impulsionou o crescimento da atividade pecuária e a expansão da monocultura da soja. Todavia, em termos de indicadores sociais e econômicos o estado está dando saltos para trás. Isso se explica por o agronegócio representar uma grande conentraão de renda e de terras nas mãos de uma pequena elite, enquanto a maioria da população continua na pobreza.
Ou seja, o problema do Acre não é manter a floresta em pé, mas talvez o nível dos políticos que a população decide colocar no poder.