A CAPITAL DAS ENCHENTES

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Em 53 anos de medições, Rio Branco tem 42 registros de enchentes; prefeitura volta a decretar situação de emergência

Em 53 anos de monitoramento dos níveis do manancial, Rio Branco contabiliza 42 casos de transbordamentos do rio Acre (Foto: Juan Diaz)


Considerando as enchentes ocorridas depois do período observado, a última metade de século em Rio Branco teve apenas nove anos sem registro de enchentes. Cidade cresceu a partir da ocupação das margens do rio Acre, deixando bairro inteiros expostos às enchentes que passaram a acontecer com mais frequência e intensidade



Dos varadouros de Rio Branco 

Ao enfrentar uma nova alagação menos de um ano após a grande cheia de 2023, Rio Branco já contabiliza 42 casos de transbordamentos do rio Acre em 53 anos de aferições dos níveis do manancial. Dos 42 registros, 23 são enchentes consideradas de grau médio, grande e extraordinário. Até o momento, 2015 é o ano com a maior cheia já registrada no período: 18,40 metros. Em seguida vem 1997 (17,88m), 2023 (17,72m) e 2012 (17,66m). Mais recentemente, as alagações dos igarapés que cruzam a cidade também passaram a impactar a vida dos moradores da capital acreana. Na noite desta segunda, 26, o rio estava em 16,04 m na capital.  

Os dados fazem parte do do Plano Municipal de Mitigação e Adaptação às Mudanças do Clima, elaborado pela prefeitura ainda em 2020. O documento foi construído em 2020 em parceria com o Instituto de Pesquisas Ambiental da Amazônia (Ipam) e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). 

Passados mais de três anos da construção do plano, até hoje o documento não foi oficialmente implementado pela prefeitura. O resultado é a cidade ser cada vez mais impactada pelos eventos climáticos extremos que passaram a ser comuns – isso tanto para as enchentes como para as estiagens. Procurada pela reportagem, a assessoria da prefeitura informou que “o Plano Municipal de Mitigação e Adaptação às Mudanças do Clima de Rio Branco compreende o ano de 2040 para alcançar 100% de seus objetivos, resultados e impactos, conforme estratégia estabelecida no arranjo de implementação, monitoramento e avaliação”.

A assessoria também ressaltou que os instrumentos de gestão estão vinculados ao alcance da Agenda 2030, através de ações definidas no Plano Plurianual 2022-2025. Além da adesão da gestão municipal ao Programa Cidades Sustentáveis, em 2021, e o desenvolvimento do 1º Inventário de Emissão dos Gases do Efeito Estufa (GEE), referente o período de 2012-2016, não foram especificadas quais as ações estratégicas que estão sendo desenvolvidas em relação à implementação do PMAMC.

Diante disso, as principais respostas do poder público se dão na retirada das famílias atingidas pelas inundações, quando suas casas já estão com água na entrada, e são levadas para abrigos. Outro trabalho é o de monitoramento do nível do rio. A capital não conta com um sistema de alerta de Defesa Civil que avise a população sobre a ocorrência de enxurradas que provocam o transbordamento dos igarapés, por exemplo.

Ontem (26), o prefeito Tião Bocalom (PP) decretou situação de emergência por causa da cheia do rio Acre. A medida é uma forma de agilizar e desburocratizar as ações do poder municipal no auxílio às comunidades afetadas, além de facilitar o recebimento de ajuda por parte do governo federal. 

Uma pesquisa identificou que 73% das enchentes do Rio Acre, no período analisado, ocorreram em fevereiro e março (Foto: Juan Diaz).


Sede do antigo seringal Empreza, quando aqui ainda era território boliviano, a cidade que viria a ser a capital da capital passou a se formar  entre o fim do século 19 e o início do 20. A “corrida pela borracha” na Amazônia foi o que impulsionou o processo de ocupação da região, sempre às margens do rio Acre. O boom demográfico aconteceu a partir da década de 1970 com a vinda, para os centros urbanos, de milhares de famílias seringueiras expulsas de suas colocações pelos “paulistas” – os novos donos de terra (latifundiários) que chegavam ao estado incentivados pela ditadura militar (1964-1985). 

O Plano Municipal de Mitigação e Adaptação às Mudanças do Clima destaca o processo desordenado de ocupação do solo, sem seguimento ao Plano Diretor Municipal, como motivo para a capital ter se tornado uma área de alto risco para inundações e enchentes. 

Entre 1971 e 2019, o estudo detectou que a intensidade das chuvas começa a aumentar a partir do mês de novembro, e que de dezembro a maio o nível do rio Acre pode subir.

“No município de Rio Branco, a cota de alerta do rio Acre é de 13,5 metros e a cota de transbordamento de 14 metros. A primeira é definida como a cota que sinaliza a iminência do transbordamento. Já a segunda, traduz-se pela concretização do transbordamento do Rio Acre de seu leito normal, isto é, a calha principal. A partir dos 14 metros, as residências construídas nas áreas de riscos começam a ser afetadas pelas águas”, diz um trecho do texto. 

O documento identifica que 73% das enchentes no período analisado ocorreram em fevereiro e março, mas ressalta que abril já registrou enchentes médias e grandes, como em 2009 e 2011. Outras enchentes históricas nos anos de 1988, 1997, 2006, 2010, 2012, 2013, 2014 e 2015 também são citadas. No último, o rio Acre se elevou a 18,4 metros, mais de 4 metros acima da cota de inundação do município, “ocasionando impactos significativos no que diz respeito aos danos (humanos, materiais e ambientais) e prejuízos (econômicos e sociais)”, relata o material.

De acordo com o plano, pequenas enchentes ocorreram em 14 anos (28,6%), médias enchentes em 10 anos (20,4%), grandes enchentes em 9 anos (18,4%) e enchentes extraordinárias em 4 anos (8,2%), essas, em 1988, 1997, 2012, 2015 e 2023. Considerando as enchentes ocorridas depois do período observado, a última metade de século em Rio Branco teve apenas nove anos sem registro de enchentes.

Na segunda-feira (26), o prefeito Tião Bocalom (PP) decretou situação de emergência por causa de mais uma cheia do rio Acre (Foto: Juan Diaz).
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