A Amacro é uma zona

Compartilhe




Desde 2019, aqui do meu cantinho na beira do igarapé São Francisco, na capital mais ocidental do Brasil (dizem que por aqui o vento faz a curva), tenho acompanhado o processo de devastação da floresta, colocado em prática pela nossa classe política. Aquele foi o ano da chegada da extrema-direita (bolsonarismo) ao poder em Brasília e em 99,99 dos estados da Amazônia Legal.

A primeira estratégia foi legitimar a destruição (impulsionada pelo desmonte das ações de comando e controle) com a criação de uma zona aberta para a prática de crimes ambientais. Ela ganhou o nome de zona de desenvolvimento sustentável – uma ZDS. Ela abrange a região da tríplice divisa do Amazonas com o Acre e Rondônia – o que levou ao surgimento da Zona Amacro.

Na verdade, a Amacro não tem nada de sustentável – mas é uma verdadeira zona. Zona para o desmatamento, as queimadas, a invasão de terras públicas (incluindo unidades de conservação e terras indígenas), grilagem, garimpo e uma série de crimes que não caberiam numa ficha policial. E já são cinco anos escrevendo sobre tantos crimes na Amazônia, com ênfase na nossa zona Amacro, que já posso gabaritar as provas de um concurso para a Polícia Federal.

Passei a escrever sobre esta verdadeira zona do crime quando ainda tinha apenas um blog. Outras vezes externava a esculhambação Amacro para o resto do país em reportagens freelancer. Desde maio do ano passado, quando passei a liderar a retomada do Varadouro, as reportagens passaram a ser publicadas em nossas páginas digitais. Cinco anos desde 2019, o ambiente não mudou muito.

Agora em janeiro, publicamos três reportagens que mostram bem os efeitos da zona Amacro. A primeira foi Seringueiros sem Seringal, que mostra uma disputa de terra na região de Acrelândia, município localizado no coração da zona Amacro – isso se ela tiver coração. São descendentes de famílias de seringueiros que tentam retomar a área de um antigo seringal, mas esbarram na influência de um grande empreendedor interessado em arrendar a área.

Certamente a intenção é plantar soja. Após a bovinização do Acre retratada por Varadouro nos anos 1970, agora vivemos a sojanização. Em 2023, a soja foi o principal item dos produtos exportados pelo Acre, somando quase US$ 19 milhões – superou até o valor da madeira e da carne. Desde 2019 vivemos a corrida pela soja no Acre. Se antigamente o sonho de todo bom acreano era comprar uma terrinha pra colocar boi, agora o negócio bom mesmo é vender soja para os comunistas da China.

Essa soja ameaça um dos maiores patrimônios culturais, históricos e arqueológicos da Amazônia: os geoglifos do Acre. Os desenhos geométricos milenares estão no meio do caminho dos ultra e poderosos tratores milionários usados por nossos sojeiros acreanos. Enquanto era apenas a pata do boi e da vaca, os geoglifos estavam protegidos, mas a soja exige centenas (milhares) de hectares de terra plana, o que pode provocar o aterramento das valas dos geoglifos.

Esta é a principal preocupação do paleontólogo Alceu Ranzi, da Ufac, em entrevista ao Varadouro. Ele é um dos pioneiros nos estudos do geoglifo na Amazônia desde o início dos anos 2000. Detalhe: grande parte destes geoglifos está localizada …. na zona Amacro.

E quem fala com a gente melhor sobre essa zona toda é o sociólogo Afonso Chagas, da Universidade Federal de Rondônia. Eu conversei com ele em setembro aqui em Rio Branco, durante evento da CPT. Chagas dedica parte de sua vida acadêmica a estudar essa zona amazônica. Ele alerta: após consolidar sua devastação aqui na parte mais sudeste da Amazônia Ocidental, o próximo alvo da frente do agro é o sudoeste amazônico, rumo aos Vales do Purus, do Juruá e do Javari.

Essa transição do crime já começou também desde 2019. A devastação da floresta vai caminhando a passos largos rumo a Cruzeiro do Sul pela esburacada e detonada BR-364 – rodovia destruída pela falta de manutenção durante os desgovernos de Jair Bolsonaro (PL) lá e de Gladson Cameli (PP) aqui.

A Amacro pode até ser uma zona para a prática livre de crimes ambientais, mas seus executores estão muito bem organizados e financiados. Eles estão de olho nos milhares de hectares (e toras de madeira) a explorar numa das regiões mais bem preservadas da Amazônia.


Fabio Pontes – jornalista acreano, nascido e criado pelas curvas do Aquiry
Editor-executivo do Varadouro

fabiopontes@ovaradouro.com.br
Logomarca

Deixe seu comentário

VEJA MAIS

banner-728x90-anuncie