A AMACRO É FOGO

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Incêndios florestais já atingem quase 20 mil hectares entre Acre e Amazonas

Tempo quente e seca prolongada faz com que queimadas para limpeza de roçados e pastagens saiam do controle, entrando na mata fechada (Foto: Samuel Moura/Secom)



No Acre, incêndios na região leste já impactam ao menos oito mil hectares de floresta fechada. Outros 10 mil estão em Boca do Acre, no Amazonas. Região é a mais consolidada pela expansão da atividade agropecuária ao longo das décadas. Nos últimos anos, a soja vem substituindo o gado. Crise climática contribui para um ambiente de catástrofe ante incêndios florestais.



Fabio Pontes
dos varadouros de Rio Branco

As densas fumaças tóxicas que encobrem Rio Branco e os municípios vizinhos têm uma origem bem definida: incêndios florestais que já impactaram ao menos oito mil hectares de mata, apenas na região leste do estado. Outros 10 mil hectares foram registrados – por imagens de satélite – no município amazonense de Boca do Acre. Com isso, a região da tríplice divisa entre Amazonas, Acre e Rondônia (Amacro) concentra uma das maiores áreas em ocorrência de incêndios florestais da Amazônia.

É o que aponta o mais recente boletim elaborado pelo Laboratório de Geoprocessamento Aplicado ao Meio Ambiente (Labgama), da Ufac, divulgado no início da noite dessa segunda-feira, 23 de setembro, dia em que os municípios do Baixo Rio Acre voltaram a ficar tomados pela poluição extrema das queimadas.

O boletim é um alerta complementar ao que foi divulgado na quarta (18) passada. As análises detectaram a ocorrência de 90 incêndios florestais na região de Rio Brancco e municípios do entorno. Os focos são considerados tanto novos quanto a continuidade de registros anteriores. A área estimada de impacto é de oito mil hectares.

O Labgama classifica como de grandes proporções os incêndios em mata fechada bem na divisa entre Acre e Amazonas, no município de Boca do Acre. O tamanho da área impactada pode chegar a 10 mil hectares. A situação é definida como crítica, o que exige atenção especial dos órgãos federais e dos dois estados.

“Temos muitos casos de fogo ativo, avançando e sem muita perspectiva de redução. As pessoas continuam colocando fogo, não conseguem mais controlar e ele vai avançando de propriedade em propriedade”, afirma a pesquisadora Sonaira Silva, coordenadora do Labgama, cuja sede fica no Campus Floresta, em Cruzeiro do Sul.

Para ela, a situação crítica hoje vivida pelo Acre é consequência do não aprendizado das lições anteriores semelhantes, quando o estado foi intensamente impactado por grandes incêndios florestais. Em 2005, estima-se que ao menos 300 mil hectares de floresta tenham sido atingidos pelo fogo. A maior parte, assim como agora, no Vale do Acre, região que concentra 80% de toda a área desmatada e ocupada pela agropecuária.

“O que a gente vê hoje é que não houve lições aprendidas, o processo de mudanças climáticas está intensificando, ele tem vários fatores que estão atuando juntos então a catástrofe é maior”, ressalta Sonaira Silva. “Se as pessoas tivessem entendido a fragilidade do momento, quando os rios começaram a secar, a gente poderia passar a seca sem esta catástrofe. Mas as pessoas ainda não entenderam que o clima mudou. O que eles faziam no passado, não dá pra ser o de sempre.”

A cientista alerta: se nada for feito, as coisas podem ficar ainda mais críticas em 2024. A chegada de outubro, que noutros tempos representava o início do “”inverno amazônico”, tende a continuar ainda seco e quente, contribuindo para a propagação do fogo.


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Uma zona das queimadas

Conectada pela BR-317, a divisa entre Acre e Amazonas é uma das novas fronteiras para a expansão da monocultura da soja na Amazônia. Após ter sido desmatada ao longo das últimas cinco décadas para a abertura de fazendas de gado, a região aos poucos é ocupada pelo grão. A característica de um terreno mais plano faz com que estas terras sejam atrativas para a monocultura da soja, que precisa de muitos hectares para ser economicamente viável.

Por conta disso, a tríplice divisa Amacro é uma densa zona de conflitos fundiários. Pequenos agricultores, que há décadas não são beneficiados por programas de reforma agrária, realizam ocupações na tentativa de serem assentados pelo Incra. Como resposta, são expulsos à bala pelos fazendeiros que reivindicam a propriedade das áreas. Além de Boca do Acre, a região é formada por Lábrea. Já há alguns, os dois municípios lideram o ranking das queimadas no Amazonas – e na Amazônia Legal.


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Segundo dados do Programa BD Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Lábrea ocupa o segundo lugar entre os municípios amazonense com mais registro de focos em 2024: 3.893. Boca do Acre está na quinta posição, com 1.560. Até esta segunda-feira, o Amazonas tinha registrado 21.363 focos de queimadas. É o terceiro em ocorrências de fogo entre os nove estados da Amazônia Legal. O Acre vem no quinto lugar, com 6.296 focos. Já com quase nove mil focos, Rondônia fica em quarto.

No Acre, os municípios que mais apresentam focos de queimada são Feijó (1.533), Tarauacá (999), Cruzeiro do Sul (643) e Rio Branco (464). Segundo o Labgama, dos 22 municípios acreanos, 18 já apresentaram registros de incêndios florestais neste período seco de 2024.

Além dos inúmeros danos causados à fauna e à flora por conta da ação devastadora do fogo dentro da floresta fechada, os incêndios impactam seriamente a vida das populações rurais e urbanas.

Região leste do Acre é a mais impactada pelos incêndios florestais, e onde se concentra 80% de toda a área desmatada (Foto: Sérgio Vale/Amazônia Real)
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