A “alternativa” Marcus Alexandre – programática ou pragmática? Eis a questão

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Em muitos outros textos, já disse que o bolsonarismo é a maior força política surgida na última década. Inclusive, tendo sido gestado no mesmo ventre que o lava-jatismo, acabou por devorá-lo, atraindo para sua órbita, de quebra, parte expressiva da direita tradicional. O bolsonarismo é, ainda, a força política mais perigosa desde o fim da ditadura civil-militar. Como disse repetidas vezes e não me cansarei de dizê-lo, trata-se da encarnação do fascismo entre nós. É uma força política machista, racista, golpista, corrupta, inepta, ignara etc.

Assim sendo, o presente texto não é para tratar do bolsonarismo. Não em primeiro plano. É, isto sim, para tratar daquele que, na disputa contra Tião Bocalom (PL), se apresenta como alternativa a ele. Falo de Marcus Alexandre (MDB).

Podemos dizer que Marcus Alexandre é, de fato, uma alternativa ao bolsonarismo? Se sim, que tipo de alternativa ele é?

Mais do que respostas apodíticas, fechadas, procuro problematizar – muito brevemente – o cenário político acreano a partir das figuras que disputam a prefeitura da capital acreana e das forças políticas que as sustentam.

Nas eleições de 2018, segundo turno, Bolsonaro teve no Acre seu melhor desempenho de todo território nacional. Contra Haddad, atingiu 77% dos votos válidos. Em 2022, segundo turno, ganhou em 18 das 22 cidades, atingindo 70,30% dos votos válidos. Como se vê, de uma eleição para a outra, houve uma diminuição na percentagem de votos. Efeito Lula. Apesar disso, não há como negar: o Acre se consolidou como um dos estados mais bolsonaristas do Brasil.

Depois de 20 anos de governos do PT, parece que o estado ainda está sob efeito de uma tremenda ressaca. O vermelho pouco lhe apetece.

Como uma das marcas do bolsonarismo é seu antipetismo, é compreensível que, analisando o cenário adverso, Marcus Alexandre tenha optado por filiar-se a outro partido. Em termos eleitorais pragmáticos, não há razão para repreendê-lo por ter buscado abrigo num partido (MDB) que acarretasse menos rejeição.

Prima facie, tudo parece óbvio e simples, transparente. Algumas declarações do candidato, porém, não deixam de suscitar preocupações.

Quando ainda era filiado ao PT e concorria ao cargo de governador no ano de 2018, ele disse que “florestania era mais um conceito” e manifestou certo entusiasmo para com o agronegócio.

O que ele queria dizer com isso? Estava reconhecendo o fracasso (político, econômico e social) daquilo que fundamentou duas décadas de governos petistas e que ajudou a criar, nacional e internacionalmente, a imagem de um governo que concretizava os sonhos de Chico Mendes e cuidava da floresta? Estava demonstrando que abriria, ainda mais, o estado para a atuação do agrobusiness?

Ou, por outro lado, não teria sido tudo apenas encenação eleitoreira? Sim. Pode ser que ele estivesse agindo de modo pragmático. Todavia, é perfeitamente lícito perguntar se não era a defesa da “florestania” a encenação de fato. Que Marcus Alexandre é o genuíno? O que é verdadeiro nisso: a defesa da florestania de antes ou a sinalização para o agro de então?

Considerando que ele sinalizava (ainda mais) para o agro, o que diferenciaria sua proposta da de Gladson Cameli (PP) e Bocalom, também defensores do agro? Haveria alguma diferença mesmo?

Por esses dias, Marcus Alexandre deu outra declaração que também dá o que pensar. “Só me filiei ao PT para ser candidato. Não era militante do partido”, disse. Dou-lhe o benefício da dúvida, mais uma vez. Pode ser que seja apenas uma declaração pragmática. Mas também pode ser que não.

Com efeito, para mim, o principal problema é se essa declaração for verdadeira – o que, particularmente, acho que é. Ele não tem histórico de militante e, por conseguinte, não tem perfil ideológico definido. Neste sentido, de um lado, sua escolha como candidato representa a dificuldade que o PT teve em formar novas lideranças, que pudessem renovar o partido, levando-o adiante, atualizado, rejuvenescido.

O partido fabricou uma liderança, de última hora, para concorrer a uma eleição e agora a viu migrar para outro partido, sendo obrigado a hipotecar seu apoio a ela, mesmo assim.

De outro lado, já que não tem perfil ideológico definido, vinculado historicamente à luta dos de baixo, o candidato representa um vazio em que tudo cabe. Desse modo, o conteúdo programático do Partido dos Trabalhadores – um tanto frouxo, vale dizer – é substituído, sempre que necessário, pela leitura-ação pragmática oportunista, no bom e no mau sentido do termo.

O que podemos esperar disso? Tudo. Qualquer coisa. Que tipo de alternativa é essa que se nos apresenta? Aliás, mais importante ainda: isso é, de fato, uma alternativa? O que esperar? Entre bandeiras e posturas, o que cobrar?

De certo mesmo, essa situação só demonstra o quanto o PT anda às tontas, às cegas. Para lá, se o vento sopra para lá; para cá, se o vento sopra para cá. E assim se vão, erraticamente. Ora ali, ora acolá. Mesmo a visão que o pragmatismo permite é sempre uma visão estreita e momentânea, que facilmente se turva.

Alguém dirá que a política é isso mesmo. É realismo. A isso respondo: trata-se de um realismo ingênuo. Representa mais cegueira que visão; mais confunde que orienta. Esqueceram do Temer, o autor do golpe em Dilma Rousseff?

Até esses dias, o partido estava entre aqueles que apoiavam a candidatura à reeleição de Zequinha Lima (PP) em Cruzeiro do Sul. E – que embaraçoso!! – foi convidado a se retirar da coligação por determinação do PL de Bolsonaro. O PL de Bolsonaro, pragmático até a alma, demonstrou mais coerência ideológica que o PT de Lula.

Isso não é coisa pouca. Se o PT aceita formar coligação com o PL, sob a justificativa que for, como dizer que se trata de “alternativa”? Como dizer que se trata da luta de antifascismo contra fascismo?

Depois de ter recebido o convite para se retirar da coligação, o PT se justificou, simulando indignação. Disse que recebeu uma “proposta indecorosa” de continuar apoiando Zequinha “informalmente”. Ora, caríssimos e caríssimas, e desde quando “apoiar informalmente” seria mais indecoroso que “apoiar formalmente”, somando-se abertamente às forças bolsonaristas que ameaçam nossa democracia diuturnamente?

Ora, se os fascistas são fascistas em qualquer tempo e lugar, os antifascistas são diferentes? Isto é, são antifascistas em Rio Branco, mas em Cruzeiro do Sul ou em qualquer outra cidade em que a conveniência política arbitre, não?

Sei que a política com sua fria dinâmica exige realismo, mas exige, igualmente, algum limite ao pragmatismo e um mínimo de conteúdo programático. Quem quiser representar efetivamente uma alternativa deve entender que não dá para servir a dois senhores ao mesmo tempo. Ou se está do lado da democracia ou se está do lado daqueles que querem seu fim.

Se o PT continuar a conduzir a luta política nesses termos, o grupo do lado de lá pode até não ter vencido ainda, mas nós, os do lado de cá, já estamos perdendo, com certeza.



Israel Souza
Professor e pesquisador de Instituto Federal do Acre/Campus Cruzeiro do Sul. Autor dos livros Democracia no Acre: notícias de uma ausência (PUBLIT, 2014), Desenvolvimentismo na Amazônia: a farsa fascinante, a tragédias facínora (EDIFAC, 2018) e A política da antipolítica no Brasil, Vol. I e II (EaC Editor, 2021).


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