A AGROECOLOGIA PELA AMAZÔNIA

Compartilhe

Na “estrada da roça”, Quilombo Jesus valoriza a raiz brasileira e quem a cultiva

Dona Beatriz comanda o tratorzinho que facilita a todos na colheita e transporte da mandioca; ela é casada com Luizinho, filho do saudoso líder quilombola, seu Jesus (Foto: Divulgação CPT)



O modelo agroecológico está atendendo bem a agricultura familiar do Vale do Guaporé, em Rondônia. Com ele, a Comunidade do Quilombo Jesus resiste entre os municípios de São Miguel do Guaporé e Seringueiras, a quinhentos quilômetros da capital Porto Velho.



Montezuma Cruz
Dos varadouros de Porto Velho

APESAR da agricultura de grãos exportáveis que emprega colheitadeiras, mas dá trabalho a poucos no estado, moradores do Quilombo Jesus agora experimentam melhorias que não irão lhes descaracterizar. Um simples motocultivador (ou tratorito) já transporta a produção de mandioca até as casas das famílias. A farinheira fica a um quilômetro de distância das roças. Esse motocultivador também leva cargas de mandioca para “pubar” (fermentação natural) nas águas do rio São Miguel. Ele é pequeno no tamanho, mas gigante na colheita: em cada viagem transporta até trezentos quilos de macaxeira, o que resulta em pelo menos três toneladas na fase de grande colheita.


“Antes, eles levavam nas costas e na carriola, hoje se sentem valorizados”, conta Roberto Ossak, da direção colegiada da Comissão Pastoral da Terra (CPT) em Rondônia. A comissão acompanha 22 grupos de quilombolas, povos indígenas e áreas de assentamento, fortalecendo a produção agroecológica. O esforço da organização atende a um apelo antigo no Brasil: evitar o êxodo rural. “Hoje, oferecemos esse apoio aos povos e comunidades tradicionais, para a produção de um alimento livre de agrotóxicos, saudável e de qualidade”, ele disse.


O quilombo foi a primeira área nessa condição reconhecida pelo Incra pela Portaria nº 15, de 2009, quando o instituto declarou seus mais de cinco mil hectares como pertencentes às 51 pessoas que ali residem há mais de 50 anos, todas detentoras do título comunitário.


A frase de Esmeraldina Coelho, uma das fundadoras da Associação Quilombola Comunidade de Jesus, sintetiza a alegria de todos: “É como se a comunidade tivesse recebido sua certidão de nascimento.” Para Esmeraldina, a prosperidade é também um direito dessas famílias igualmente dependentes de financiamentos bancários, saúde e outros recursos que o ex-deputado federal e ex-governador Jerônimo Santana reivindicava, 46 anos atrás, em contundentes discursos na tribuna da Câmara dos Deputados, em Brasília.


A entrega do tratorito cada vez mais presente em áreas da agricultura familiar animou este ano as famílias, especialmente as moradoras de uma ilha cujo acesso é somente fluvial. É o primeiro tipo de maquinário modelo simples que chega à região.


Beatriz Rosa dos Santos, moradora da comunidade, manifestou seu contentamento: “Foi Deus quem deu essa máquina pra eles, era um sofrimento, a gente cansava muito, agora montamos nesse tratorzinho para entrar na roça, arrancar a mandioca com picareta e colher.” As famílias ainda dispõem de uma grade para o cultivo da raiz.


Feito o arranquio ou colheita das raízes, elas são recolhidas imediatamente até a minicarroceria do tratorito, evitando-se, desta maneira, que permaneçam no campo por mais de 24 horas, quando estão sujeitas à deterioração fisiológica e/ou bacteriológica.


Vem da agricultura familiar toda safra de hortifrutis presentes na alimentação escolar em estabelecimentos públicos. Embora a propaganda do agronegócio seja abusiva em Rondônia – dando a entender que o segmento é o maior de todos, e na verdade é o de serviços – a Secretaria Estadual da Agricultura divulgou recentemente a liberação de R$ 2,8 milhões para contemplar 539 produtores e nove cooperativas que abastecem o Programa Estadual de Aquisição de Alimentos.


Segundo o superintendente regional do Incra, Luís Flávio Carvalho, a agricultura familiar predomina no estado, abrangendo áreas de até 240 hectares. No entanto, reconhece ele, a sustentabilidade tem que ser o foco da atenção, com ações interinstitucionais que possam conduzir o homem do campo no caminho correto.


No dia 13 de julho, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) promoveu reunião na sede do Incra, em Porto Velho, da qual participaram órgãos governamentais e parceiros atuantes na agricultura familiar: Emater-RO, Conab, Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado de Rondônia, e Ibama-RO.


De acordo com a secretária-executiva adjunta do MDA, Marina Godoi de Lima, é possível reduzir o passivo ambiental dos pequenos agricultores para que possam acessar o crédito do Plano Safra 2023/2024. Lembrou que esse plano está oferecendo R$ 71,6 bilhões ao crédito rural do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), “montante 34% maior que do ano passado e maior volume da história.”


E o grande fator que motiva os pequenos: a concessão do crédito atenderá apenas a produtores que não tenham embargos ambientais em suas terras.



Seu Jesus

Nem tudo “caiu do céu”, escreve-se na história quilombola em Rondônia. Em 2015, duas ações civis públicas contra o Incra e a União exigiam, na Comarca de Ji-Paraná, a delimitação das terras ocupadas por comunidades quilombolas de Forte Príncipe da Beira e Santa Fé, no município de Costa Marques.

Em maio de 2011, doente e caminhando apenas entre a sua casa e a velha capela do quilombo, Jesus de Oliveira, 80 anos, era respeitado como patriarca da Comunidade Jesus. Ele morreu de câncer naquele mesmo 2011 e, nos últimos dias de vida, entristecia-se ao notar a ganância de madeireiros que retiravam ilegalmente toras de madeira na região – aroeira, angelim, canafístula, castanheira e cerejeira, raridades no ritmo em que anda a devastação em Rondônia.

Primos de terceiro grau, seu Jesus e a mulher Luiza criaram 12 filhos, constituíram uma família com 56 pessoas. Todos foram assediados por fazendeiros da região. Luciana, neta de seu Jesus, cuidava do mandiocal. “Eles ainda transportavam sua produção no lombo de jericos, ou em canoas, pelo Rio Guaporé”, ela relatava à CPT, 12 anos atrás.



Logomarca

Deixe seu comentário

VEJA MAIS

banner-728x90-anuncie