Senadores do Norte protagonizam ataques a Marina, e votam em peso pelo PL da Devastação

Eleitos pela população dos estados do bioma amazônico, parlamentares fazem avançar pautas que colocam em risco a preservação da floresta e os direitos das populações tradicionais. Ataque sofrido pela ministra do Meio Ambiente foi a externalização de uma agenda orquestrada da bancada da motosserra eleita para atender aos interesses do agronegócio, para substituir a floresta pelo pasto.
Fabio Pontes
dos varadouros de Rio Branco
O covarde e misógino ataque promovido por senadores da República contra a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, durante reunião da Comissão de Infraestrutura, na última terça-feira, 27, é mais um dos atestados de quão hostil é a pauta da preservação ambiental e de direitos humanos para a bancada de parlamentares eleitos pelos estados da região Norte – tanto no Senado, quanto na Câmara dos Deputados.
O espetáculo de horror contra a ministra foi protagonizado, sobretudo, por senadores de estados do Norte. O palco principal esteve ocupado pelo já conhecido bolsonarista Marcos Rogério, do PL de Rondônia – estado onde a pauta legislativa da boiada anda a passos largos. A todo instante, o parlamentar tentava submeter Marina a humilhações. Cortava o microfone. Interrompia suas falas com discursos machistas.
Na plateia, os amazonenses Omar Aziz (PSD) e Plínio Valério (PSDB) também atuavam para achincalhar a ministra do Meio Ambiente. Para eles, o resultado de suas ações lhes rendem muitos votos na base. Afinal de contas, nada melhor do que execrar publicamente Marina Silva pela não liberação das obras de pavimentação da BR-319, entre Manaus e Porto Velho. Este é, sem dúvidas, um dos empreendimentos de infraestrutura mais complexos da Amazônia.
No Acre, a abertura de uma nova rodovia até o Peru, entre as cidades de Cruzeiro do Sul e Pucallpa, é o sonho de consumo dos políticos. Quando não é a rodovia, fala-se em ferrovia na integração sul-americana Made in China. A abertura a toque de caixa do Ramal do Barbary – também no Vale do Juruá – é um claro exemplo dos interesses eleitoreiros em tais obras. O ramal que conecta Porto Walter a Cruzeiro do Sul atropelou todas as normas de licenciamento, invadindo até a Terra Indígena Jaminawa do Igarapé Preto.
“Os ataques desferidos contra Marina se devem largamente a esse casamento espúrio entre interesses políticos e econômicos. Por seu histórico, pelo vínculo que tem com a temática ambiental, Marina é símbolo de tudo aquilo que eles pretendem varrer da cena política. O fato de ela ser de origem humilde, de ser mulher e negra apenas realça o caráter reacionário desse grupo”, avalia o cientista político Israel Souza professor do Instituto Federal do Acre (Ifac), no Campus Xapuri.
“Ali, no Senado, mesmo vestindo terno e gravata, a barbárie foi incapaz de disfarçar toda sua incivilidade. É muito sintomático que os ataques que Marina sofreu – covardemente, cabe salientar – tenham vindo de parlamentares da região Norte. Em primeiro lugar, porque a região é rica em bens naturais. Em segundo lugar, porque ela é habitada por uma enorme diversidade de povos originários”, afirma ele.

“Via de regra, os parlamentares em questão são perfeitos representantes daquelas frações do capital que almejam se apropriar dessas riquezas. E não é por outro motivo que nutrem profundo ódio por tudo aquilo que possa significar um obstáculo aos seus interesses”, ressalta ele, que também é colunista do Varadouro.
Na análise de Souza, o grande interesse dos parlamentares do Norte pela temática da agenda ambiental (no sentido de enfraquecê-la) se dá por a região ainda manter uma vasta porção de riquezas naturais preservadas; grandes áreas de terra que podem ser ocupadas pelo agronegócio após a extração das árvores pela indústria madeireira.
“Aqui, se avançam de modo mais ou menos satisfatório, as políticas ambientais podem engessar e paralisar por vários anos, quiçá décadas, o avanço da marcha destrutiva do capital.”
A fúria de uma boiada
A facilitação na abertura de estradas é uma das bandeiras com maior retorno político-eleitoral no Norte. O fim do isolamento geográfico de cidades e comunidades é o principal argumento da classe política. Usam o discurso dos impactos da ausência de estradas que deixam comunidades inteiras sem acesso fluvial com a seca dos rios durante o verão.
Muitas cidades ficam com o abastecimento de alimentos, gás e combustível comprometido nos períodos mais críticos da estiagem. Com os eventos climáticos que atingem a Amazônia com mais intensidade, estes efeitos ficaram recorrentes. Todavia, não levam em consideração os graves impactos sociais e ambientais que a construção de estradas e ramais, sem respeitar os devidos processos de licenciamento, podem ocasionar.
É por isso que a aprovação do Projeto de Lei 2.159/21, votado na semana passada pelo Senado, tem tanto apoio dos parlamentares – em especial às vésperas de uma eleição tão importante como a de 2026.
Análise feita por Varadouro junto a dados levantados por ((o)) eco mostram que, entre os 21 senadores da região Norte, apenas um – Beto Faro, do PT do Pará – votou contra o PL da Devastação. Até o senador Jader Barbalho, pai do anfitrião da COP-30, em Belém, disse sim à aprovação da proposta definida por Marina Silva como a “boiada das boiadas”.
“Como a maioria destes parlamentares não possui propostas claras a apresentar aos eleitores, eles têm a Marina como um bode expiatório. Eles pegam todos os problemas, seja na área do saneamento, da segurança, da educação, para dizer que a Marina está impedindo o desenvolvimento, está atrasando o Brasil. Culpam a agenda ambiental por todos os nossos graves problemas históricos”, diz Inácio Moreira, porta-voz da Rede Sustentabilidade no Acre.

Muitos destes representantes, completa ele, defendem um conceito de desenvolvimento a qualquer custo – inclusive da devastação ambiental, sem considerar os impactos resultantes desta “boiada das boiadas”. “Eles querem um bode expiatório para fazer palanque. Eles não querem um debate científico.”
“Todo mundo no Acre dizia que a Marina era contra a BR-364, e ela saiu. Diziam que a Marina era contra as hidrelétricas do Madeira, e a licença saiu. Diziam que era contra a exploração de petróleo na Foz do Amazonas, as licenças de estudos saíram. O problema é que o tempo da ciência não é o tempo da política”, pondera Inácio Moreira.
Apesar de representarem, no Congresso Nacional, a região do país que concentra a maior área da mais importante floresta tropical do mundo, senadores e deputados do Norte não apresentam o mínimo pudor em apresentar e votar em propostas que vão no sentido de fragilizar a legislação ambiental brasileiras e de fragilizar os direitos dos povos indígenas. É na região amazônica onde se concentra a maior quantidade de indígenas do país. Muitos destes parlamentares, inclusive, são eleitos com os votos indígenas.
Muito mais do que uma atuação em defesa da Amazônia, dos povos da floresta e de modelos de desenvolvimento sustentáveis, parlamentares do Acre, do Amapá, do Amazonas, do Pará, de Rondônia, de Roraima e do Tocantins têm uma atuação muito mais voltada a atender aos interesses do agronegócio e de grandes empreendimentos de infraestrutura que lhes são muito mais rentáveis – nos muitos sentidos da palavra.
Além de aberturas de estradas, a classe política do Norte se mostra favorável a pautas como o marco temporal – ou seja, dificultar os processos de demarcação de terras indígenas -, liberar a mineração em territórios indígenas, reduzir ou acabar com unidades de conservação e o afrouxamento da legislação ambiental como um todo.
O ataque sofrido pela ministra Marina Silva ao vivo e a cores para todo o país foi apenas a externalização de uma agenda orquestrada da bancada da motosserra eleita pela população dos estados cujos territórios estão ocupados pela Floresta Amazônica. Para fazer a boiada passar, passam por cima da lei, da ministra, da mulher.
Possuem total desprezo pela dignidade humana.