Em face do que foram os quatro anos do governo Bolsonaro, em termos de descaso e destruição para a Amazônia, a vitória de Lula trouxe alívio e grande esperança. Ainda lembramos da simbólica e emocionante cena de como subiu a rampa, ladeado por pessoas que, entre outras coisas, representam diversidade, o cuidado com a Amazônia e seus povos.
A dimensão efetiva desta esperança mostrou-se na maneira com que o governo enfrentou os invasores da terra dos Yanomami. Com uma queda do desmatamento em torno de significativos 40%, a mudança positiva é inegável. Lula estava mais que autorizado a falar em favor da Amazônia na Assembleia Geral da ONU.
Não obstante, algumas coisas merecem atenção. Como sabemos, querendo garantir maioria e governabilidade no Congresso, o governo Lula fez concessões ao chamado “centrão”. Indispondo-se com setores progressistas – a saída de Ana Moser do Ministério dos Esportes desceu a seco, se é que desceu -, abriu vagas em seus ministérios para representantes deste bloco político, para gente sabidamente bolsonarista e sem compromisso com o projeto de Brasil que saiu vitorioso das urnas.
Esse tipo de concertação política parece sugerir que todo avanço é realizado ao preço de retrocesso; como se, mesmo quando vencedores, fôssemos obrigados a pagar pedágio e pedir a bênção aos perdedores.
Por óbvias razões, o mundo se entusiasmou com o discurso de Lula na referida assembleia da ONU. Do lado de cá, os mais atentos, não deixamos de prender a respiração ao ver a figura de Arthur Lira naquele plenário, ar de sonso, aplaudindo.
É certo que Lula tem compromisso com a causa amazônica e “comprou” o centrão. Mas nós sabemos que a compra foi pela metade. Há partidos que ganharam ministério e, ainda assim, dizem que não compõem a base governista. Nada de novo, já que o centrão não se vende de uma vez por todas. Em verdade, coloca-se em perpétuo leilão. Vive em chantagem contínua e procura, com isso, garantir para si pedaços cada vez maiores do governo.
Alguns podem crer que, por se venderem a todos os governos, os partidos que compõem o centrão não têm ideologia. Não acho que isso seja de todo correto. Trata-se de um grupo muito fiel aos agrocratas e aos financistas, por exemplo. Tanto é assim que, mesmo antes de a tese do marco temporal ser derrotada no STF, já circulava no Congresso uma proposta de um marco temporal a ser decidido pela via legislativa, com chances reais de prosperar.
A “bancada do boi” reagiu à derrota. Um de seus porta-vozes vociferou da tribuna da Câmara dos Deputados, em franco tom de ameaça ao STF. Os agrocratas não se deram por vencidos. Ao que tudo indica, não abandonaram o campo de batalha. Estão apenas se reagrupando e repensando estratégias e preparando a contraofensiva.
Por outro lado, preocupa o fato de que o governo tem optado por vencer em algumas pautas perdendo em outras, a fim de não tensionar as relações. “Vão-se os anéis, ficam os dedos”, podem pensar. Mas, dadas a fome indômita do centrão e sua fidelidade às forças do agronegócio, podemos nos perguntar até que ponto o governo Lula conseguirá avançar em políticas efetivas de proteção da Amazônia e de seus povos.
Celebremos a vitória no STF. Depois de tanto tempo de uma dúvida angustiante, merecemos. Comamos e bebamos, porque, como disse Chico Buarque, “que também, sem a cachaça, ninguém segura esse rojão”. Não descuidemos, porém, de que vencemos apenas uma batalha desta guerra que se vem arrastando por longos séculos.
Afinal, quem lutou para ver o Brasil subir aquela rampa, do jeito que subiu, não quererá vê-lo descer a ladeira atado ao centrão.
Israel Souza é Professor e pesquisador de Instituto Federal do Acre/Campus Cruzeiro do Sul. Autor dos livros Democracia no Acre: notícias de uma ausência (PUBLIT, 2014), Desenvolvimentismo na Amazônia: a farsa fascinante, a tragédias facínora (EDIFAC, 2018) e A política da antipolítica no Brasil, Vol. I e II (EaC Editor, 2021).