POTÊNCIAS ESTOCADAS

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Projeto de crédito de carbono é aprovado pelo Conselho da Resex Chico Mendes

Aos 35 anos, unidade de conservação se prepara para uma iniciativa moderna e, ao mesmo tempo, desafiadora ante as muitas pressões da atividade agropecuária (Foto: Acervo Varadouro)



Aprovação acontece no momento em que reserva extrativista completa 35 anos de existência, e permanece sob forte pressão do desmatamento pelo avanço da agropecuária em seu interior e no entorno. Comercialização de carbono estocado pode ser mais uma fonte de renda para as comunidades. Até sua completa implementação no território, projeto ainda tem muitos desafios pela frente.


Fabio Pontes
dos varadouros de Rio Branco

O Conselho Deliberativo da Reserva Extrativista (Resex) Chico Mendes aprovou, em assembleia ordinária realizada no último dia 28 de março, a implementação de projeto de crédito de carbono pelas associações concessionárias. Assim, as comunidades terão mais uma alternativa de fonte de renda, com a comercialização do carbono estocado dentro da unidade de conservação (UC) juntando-se à coleta de castanha, à produção de borracha e à agricultura de base familiar.

A apresentação do projeto no âmbito do Conselho Deliberativo da Resex, cumpre uma das etapas previstas nas Diretrizes Orientadoras para Programas e Projetos de REDD+ em Unidades de Conservação Extrativistas, que foram desenhadas pelo Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), em 2023.

A aprovação da medida ocorreu no mês em que a Resex Chico Mendes completou 35 anos de existência, e no momento que enfrenta o aumento das pressões do desmatamento e das queimadas pela expansão da agropecuária em seu interior e no entorno. Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), por meio de seu programa de monitoramento Prodes, entre 2019 e 2024 a UC perdeu quase 385 km2 de cobertura florestal; foi a quinta área protegida da Amazônia mais desmatada no período.

A Resex Chico Mendes pode ser considerada uma das últimas áreas de Floresta Amazônica preservadas na região leste do Acre, onde se concentra mais de 70% de todo o desmatamento do estado. Além de estar cercada por grandes fazendas de gado, a UC também passou a conviver, na vizinhança, com a expansão das áreas cultivadas de soja – sobretudo em Capixaba e Rio Branco.



SAIBA MAIS: Como a expansão da monocultura e da pecuária na Amacro faz avançar o desmatamento



Ao longo destas três décadas de existência, a Resex Chico Mendes foi “laboratório” de muitas iniciativas que tentavam amenizar os impactos do avanço da agropecuária em seu interior e entorno, em projetos de uma economia de base florestal. Os mais emblemáticos foram a fábrica de tacos e de preservativos em Xapuri, além de um projeto de manejo madeireiro comunitário. Após certo período de êxito, todos foram à falência.

“Um dos objetivos do projeto é reduzir o desmatamento, mas que isso traga uma renda para os moradores, que são os defensores da floresta. Eles precisam ser compensados por essa redução do desmatamento. Essa é a proposta de um projeto de REDD+. Quanto mais você consegue reduzir o desmatamento, mais o projeto consegue monetizar. E quanto mais o projeto consegue monetizar, com a repartição de benefícios, você consegue investir em alternativas de produção que sejam sustentáveis”, afirma o jovem líder André Marciel.

Membro do Coletivo Varadouro e morador da UC em Brasiléia, André é hoje uma das vozes mais capacitadas dentro da Resex Chico Mendes para debater projetos de carbono. Ao longo dos últimos dois anos, ele passou por um amplo processo de formação para entender toda a complexidade de funcionamento do mercado de carbono, e atuar como um multiplicador desse conhecimento no interior da reserva.

“O objetivo é criar um projeto que nasça dentro do coração das associações, de ser uma coisa nossa, comunitária. Ao invés de vir de cima para baixo, a gente tá tentando levantar ele de baixo para cima, consultando as comunidades, os idosos, os jovens, as mulheres”, ressalta Romário Campelo, presidente da Associação dos Moradores e Produtores da Resex Chico Mendes de Brasiléia e Epitaciolândia (Amoprebe).

Da esq. para direita as lideranças André Marciel (Coletivo Varadouro), Romário Campelo (Amoprebe), Cleison Monteiro (Amoprex) e Wendel Araújo (Amopreab)



“A gente teve esses dois anos de muita formação, tanto para a diretoria das associações, quanto para as comunidades. E ainda seguimos com essa formação envolvendo principalmente as escolas com a juventude, porque a juventude tem esse potencial de construir, junto conosco, um futuro melhor para a reserva”, afirma Wendel Araújo, presidente da Associação dos Moradores e Produtores da Resex Chico Mendes de Assis Brasil (Amopreab). “Eu acredito que estamos no caminho certo, e que a gente pode pegar as boas experiências para implementar para dentro do nosso projeto”, complementa.

“A gente resolveu ter uma iniciativa de construir um projeto de crédito de carbono específico para a reserva extrativista. Queremos ver se conseguimos diminuir o desmatamento e promover uma geração de renda a mais para as famílias dentro desse território”, pondera Cleisson da Silva Monteiro, presidente da Associação dos Moradores e Produtores da Resex Chico Mendes de Xapuri (Amoprex).



O Projeto Seringueira

Há pelo menos dois anos, o Instituto de Estudos Amazônicos (IEA) deu os primeiros passos para envolver as comunidades da Resex Chico Mendes nos processos de construção do Projeto Seringueira, que é a iniciativa de adotar os chamados projetos de crédito de carbono dentro da unidade de conservação.

A proposta é aproveitar todo o potencial de carbono estocado nos mais de 930 mil hectares da UC para ser mais uma opção de renda para as comunidades, contribuindo para manter de pé o legado da luta de Chico Mendes, reduzindo o desmatamento e as emissões de gases do efeito estufa responsáveis pela atual crise climática do planeta.

Liderado pela antropóloga Mary Allegretti, o IEA é uma organização da sociedade civil surgida no calor dos movimentos de resistência das comunidades seringueiras da Amazônia contra a transformação da floresta em pasto, e por seus direitos de permanência na terra. Entre as décadas de 1970 e 1980, ela própria teve papel crucial na organização política dos movimentos, atuando ao lado de lideranças como Chico Mendes.

Mary Allegretti ainda foi figura-chave no desenvolvimento do conceito das reservas extrativistas – a reforma agrária diferenciada para as populações da floresta. Mais de três décadas após a criação das primeiras reservas extrativistas do Brasil, Allegretti tenta posicionar as comunidades das unidades de conservação como lideranças na elaboração e na execução de projetos de crédito de carbono comunitário – onde todas as famílias sejam beneficiadas com a comercialização do carbono estocado em seus territórios.

Após a aprovação do Projeto Seringueira pelo Conselho Deliberativo, os próximos passos são a consulta livre, prévia e informada nas comunidades. Desde 2023, o IEA realiza oficinas para explicar, de forma didática e acessível, o funcionamento do mercado de carbono aos moradores das áreas onde o projeto pode ser implementado.

Preservar a Resex Chico Mendes e garantir que a manutenção da floresta em pé gere renda e qualidade de vida para as comunidades; o grande desafio do Projeto Seringueira (Foto: Alexandre Cruz Noronha)



“Mesmo antes da aprovação desse projeto já foram feitas várias reuniões nos núcleos de base para as comunidades entenderem o que é crédito de carbono antes da consulta livre, prévia e informada. Para a pessoa ser consultada é preciso saber antes o tema da consulta”, diz André Marciel.

Segundo ele, uma das propostas será debater o modelo de partilha dos recursos que serão obtidos a partir da comercialização dos créditos de carbono no mercado. “Eu espero que a gente decida com a comunidade como vai ser feita a repartição de benefícios e que a gente priorize investimentos em infraestrutura, em alternativas de produção, já pensando no pós-projeto, de como a gente vai querer o nosso território mesmo depois que os recursos do carbono não estejam entrando mais”, comenta ele. “Então a gente tem que investir em coisas que vão trazer renda para as comunidades, mesmo depois que o projeto não esteja mais caminhando.”



Os impactos da crise climática

A perda considerável de floresta da Resex Chico Mendes ao longo de seus 35 anos de existência faz as suas comunidades estarem entre as mais impactadas pelos efeitos das mudanças climáticas. No período de chuvas na região (o “inverno amazônico”) há o transbordamento do rio Acre e seus afluentes, que comprometem os roçados e as criações das famílias, além do isolamento geográfico pela destruição das pontes de acesso às colocações mais distantes.

Já durante os meses da estiagem (o “verão amazônico”) muitas comunidades são impactadas com a falta de água. Muitas fontes secam por completo, não tendo água para as necessidades mais básicas, sendo necessário ir às colocações vizinhas em busca do líquido – isso se houver. Outro impacto está na agricultura. Os dias prolongados de temperaturas extremas e sem chuvas leva muitas famílias a perder seus roçados.

Com dias de verão mais quentes e intensos, produção de base familiar e o próprio extrativismo florestal ficam comprometidos, ameaçando renda e segurança alimentar e hídrica nas colocações (Foto: Ramon Aquin/Varadouro)



Segundo os relatos dos moradores, as mudanças percebidas no clima também comprometem a economia de base florestal e também a agricultura familiar, com destaque para a coleta de castanha. As comunidades afirmam perceber uma redução da safra de castanha, com menos frutos disponíveis e menor qualidade. Todas essas alterações são as mais perceptíveis em um ambiente de uma nova realidade climática na Amazônia. E o sul da Amazônia Ocidental – onde fica o Acre – está entre as mais atingidas pelos eventos climáticos extremos.

Para a ciência, o combate ao desmatamento e às queimadas está entre as medidas mais urgentes (e básicas) para se evitar o completo colapso do clima – e da humanidade. Manter a floresta em pé e assegurar qualidade de vida para as comunidades que vivem em seu interior está entre os principais desafios no debate entre conservação e desenvolvimento socioeconômico.


LEIA MAIS: Seca extrema ameaça produção e sobrevivência de famílias na Resex Chico Mendes



A Resex Chico Mendes

Com 931 mil hectares, a Reserva Extrativista Chico Mendes é uma unidade de conservação federal e está localizada no sudeste do Acre. A sua área se espalha pelos municípios de Assis Brasil, Brasiléia, Capixaba, Epitaciolândia, Rio Branco, Sena Madureira e Xapuri. Ela foi criada em 12 de março de 1990, a partir do Decreto Presidencial no 99.144.

É considerada uma UC emblemática não só por levar o nome do líder seringueiro Chico Mendes, mas também por ser o resultado da resistência e da organização dos povos da floresta pelo seu direito de permanecer e viver de modo tradicional, em meio ao avanço da agropecuária na Amazônia entre as décadas de 1970 e 1980.

A partir de sua criação – quase um ano e meio após o assassinato de Chico Mendes – as famílias tiveram o direito de ficar em suas respectivas colocações, adotando-se uma reforma agrária diferenciada para a Amazônia. Por este modelo, seria assegurado o direito de posse da terra com uma exploração sustentável dos recursos florestais e uma agricultura e criação de animais de base familiar.

Assegurar uma economia de base florestal capaz de reduzir os impactos da pecuária está entre desafios da Resex Chico Mendes; projeto de carbono pode ser nova alternativa (Foto: Gleilson Miranda)




OS PRÓXIMOS PASSOS

Para entender melhor como o Projeto Seringueira se desenvolverá daqui para a frente, Varadouro conversou com o engenheiro florestal Stoney Nascimento Pinto, colaborador do IEA desde o início da proposta, atuando diretamente nos diálogos com as comunidades da Resex Chico Mendes.



Varadouro: Quais medidas serão tomadas para diminuir o desmatamento?

Stoney: O projeto Seringueira REDD+ (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal) na Resex Chico Mendes é uma iniciativa das associações concessionárias que buscam desenvolver ações e atividades para incentivar a redução do desmatamento no território da reserva e diminuir a pressão do seu entorno. Esse desmatamento tem diversos vetores, seja pela presença da pecuária irregular, invasões, venda de colocações fora do padrão e outros. A ideia central é buscar alternativas para que o beneficiário permaneça no seu território, adotando práticas produtivas mais sustentáveis com a agregação de valor no produto, no primeiro momento. Em seguida, se o projeto alcançar os objetivos de redução do desmatamento e geração de créditos de carbono certificados, será realizada uma repartição de benefícios entre os participantes do projeto.

V: Há projeções do valor de recursos que podem ser gerados?

Stoney: As projeções de recursos serão definidas por meio de estudos que ainda estão em curso e, por isso, ainda não estamos trabalhando com elas. Esses estudos nos dirão quanto e o que precisaremos para implementar as ações e atividades do projeto, e quanto o projeto irá “retornar”, pela repartição de benefícios, para as comunidades. Em tempo um pouco mais à frente, a comunidade irá discutir o formato dessa repartição. Também temos a compreensão de que projetos dessa natureza, e ainda mais em uma área tão extensa e complexa como a Resex Chico Mendes, requerem investimentos massivos para que os resultados causem uma mudança sólida na qualidade de vida do beneficiário e, consequentemente, no padrão do desmatamento.

Stoney Nascimento, colaborador do IEA



V: Como o projeto será executado? Pelas associações? O projeto será executado em toda a área da Resex? Onde especificamente?

Stoney: As associações são as proponentes do projeto. Na linguagem do “mundo do carbono” isso significa que, por elas possuírem o contrato de concessão de direito real de uso das áreas, são elas quem têm o domínio para desenvolver esses projetos. Além disso, o projeto conta com um grupo de coordenação que envolve as associações, cooperativas, sindicatos, CNS, Coletivo Varadouro, Ufac e o IEA, que estão aportando suas experiências e conhecimento na construção do projeto. A ideia é que o projeto tenha uma abrangência de toda a extensão da Resex, para que seja evitado ao máximo o deslocamento de desmatamento dentro da própria reserva. Porém, isso não quer dizer que todo território entre para a contabilidade ao mesmo tempo. Também é preciso considerar que no processo de consentimento, livre, prévio e informado, parte das famílias pode optar por não participar do projeto. Neste momento a estruturação do projeto está avançando com as concessionárias das regiões de Xapuri, Brasiléia/Epitaciolândia e Assis Brasil. E é esperado que com a implementação, outras áreas sejam incorporadas ao projeto.

V: Quais os próximos passos daqui para a frente?

Stoney: Para os próximos meses continuaremos com o processo de formação nos núcleos de base, para posteriormente avançarmos com o processo de CLPI. É necessário que todas as comunidades possam ter a oportunidade de passar pela formação, antes de tomar a decisão de participar ou não do projeto. Em paralelo o projeto continua buscando as parcerias necessárias para o desenvolvimento das etapas de elaboração e implementação. Até o presente momento já realizamos 18 oficinas, abrangendo mais de 28 núcleos de base – estrutura de governança comunitária na Resex – e mais de 650 participantes. São números importantes para o processo de formação comunitária e que fortalecem a comunidade para a consulta livre, prévia e informada.

V: Há uma expectativa (perspectiva) de uma data de quando o projeto estará em funcionamento?

Stoney: Entendemos que o projeto na Resex Chico Mendes será implementado por fases, o que o diferencia dos demais. Agora estamos na fase de formação comunitária que vem precedendo a consulta para CLPI. Em seguida vamos para definição e implementação de atividades que irão reduzir a pressão do desmatamento e possibilitar a geração de créditos verificados e comercializáveis. Esperamos que em 2026 o projeto já esteja pronto para implementar essas atividades. Com relação à comercialização de créditos ainda não temos um calendário, pois depende de outros fatores, como a certificação, que leva um tempo para acontecer.

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