O SOL QUE BRILHA SOBERANO

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Em 30 anos, temperatura média no Acre aumentou 1.8 graus Celsius

As temperaturas mais altas que sentimos em nosso cotidiano são atestadas pela ciência; aumento dos termômetros coincide com a destruição da floresta no estado (Foto: Fabio Pontes/Varadouro)



Relatório de cientistas da tríplice fronteira MAP (Madre de Dios, Acre e Pando) aponta expressivas alterações na dinâmica do clima na região, desde o começo da década de 1990. Dias mais quentes e secas prolongadas colocam em risco a segurança hídrica das populações, e potencializam riscos de desastres naturais – como incêndios florestais. “Nós não temos indicações de que isso vai parar, e a tendência é acelerar”, diz ecólogo da Ufac.



Fabio Pontes
dos varadouros de Rio Branco

Que a cada ano os dias do verão estão cada vez mais quentes e secos, isso temos percebido (e vivenciado) já há algum tempo. As elevadas temperaturas e a falta de chuvas são agravadas pela poluição extrema ocasionada pelas queimadas. Nossos rios batem recorde de vazante. Em muitas partes, secam por completo. Estes são apenas alguns dos impactos que sentimos todos os anos aqui nesta região da Amazônia, precisamente na tríplice fronteira entre Brasil, Bolívia e Peru. Não importa em qual país estejam, mais e mais pessoas são afetadas pelos eventos climáticos extremos.

Aquilo que sentimos na pele agora é comprovado de forma científica pelo grupo trinacional MAP, organização formada por pesquisadores e estudiosos de Madre de Dios (Peru), Acre (Brasil) e Pando (Bolívia). Segundo relatório de alerta sobre os impactos do verão de 2025, a temperatura média anual na tríplice fronteira pan-amazônica aumentou 1.8 graus Celsius entre 1990 e 2024. Na prática, a população acreana é afetada com dias muito mais quentes e secos do que no passado.

O resultado foi obtido a partir de análises de modelos meteorológicos elaborados pela Universidade de Maine, nos Estados Unidos. Este aumento de temperatura segue uma tendência global, mas está acima das médias observadas no planeta. A temperatura média na Terra ficou 1.6°C mais quente, comparado ao período de 1850-1900. Em 2024, os termômetros ficaram 0,72°C acima da média na comparação entre 1991 e 2020.

E, infelizmente, a tendência é de os dias ficarem ainda mais quentes e secos ao sul da Amazônia Ocidental nos próximos anos. Essa região, aliás, já há algum tempo está entre as mais afetadas pelas mudanças climáticas. Quando não são as secas extremas, as grandes inundações afetam os territórios. Em 2025, por exemplo, a capital Rio Branco foi afetada, pelo terceiro ano consecutivo, pela alagação do rio Acre. Ano passado, comunidades urbanas e ribeirinhas de Brasiléia, de Pando e de Iñapari ficaram submersas pela grande inundação do rio Acre, que delimita a fronteira entre os três países.

No Vale do Juruá, nos últimos anos, populações é fortemente impactada pelos eventos extremos do clima, sejam as secas ou inundações (Foto: Juan Diaz)



“No período de outubro de 2024 a março de 2025, o estado do Acre foi um dos mais afetados pela seca, com diversos municípios enfrentando entre três e quatro meses de condições de seca severa, extrema ou excepcional, conforme dados do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden)”, lê-se no estudo do grupo MAP.

“A temperatura média anual é feita a partir de medidas diárias. Isso significa que está esquentando mais no período da seca. Se a diferença anual é de 1.8o, isso significa que em partes do ano ela está acima disso, pois na época de chuvas a tendência é a temperatura ser menor. Na prática, estamos estressando o ecossistema, as pessoas, a agricultura, a floresta”, afirma o ecólogo Irving Foster Brown, da Universidade Federal do Acre (Ufac), em entrevista ao Varadouro.

Ele é um dos cientistas fundadores do grupo MAP e desde a década de 1990 acompanha de perto o acelerado processo de mudanças climáticas na região. “O clima está mudando, e isso não é nenhuma novidade para ninguém. O problema é que nós não temos indicações de que isso vai parar, e a tendência é acelerar.”


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Desmatamento e aquecimento

Estes eventos passam a se estender para outras regiões do estado, que até então estavam mais “blindadas”. É o caso do Vale do Juruá, que ao longo dos últimos anos também convive com níveis críticos de vazante dos mananciais e grandes alagações. E os efeitos recaem, principalmente, para as comunidades nas periferias urbanas, assim como as rurais, ribeirinhas e populações indígenas – de todos os lados da fronteira.

No plano local, o aumento desenfreado do desmatamento tem sido o principal fator a potencializar os impactos das mudanças climáticas. Entre 2019 e 2022, o Acre registrou níveis recordes na área de floresta derrubada. Foi o período marcado pelo desmonte das políticas de proteção ambiental pelo governo bolsonarista de Gladson Cameli (PP) – e do próprio Jair Bolsonaro, enquanto ocupou a Presidência.

Como é possível observar no gráfico abaixo, elaborado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, os últimos seis anos estão entre os mais críticos nas taxas de desmatamento da Floresta Amazônica no Acre. Uma devastação detectada também no começo do anos 2000. Entre 1988 e 2024, o Acre perdeu mais de 18,5 mil km2 de cobertura florestal – período no qual a ciência mostra a consequente elevação das temperaturas no estado.



“Nas escalas da Amazônia e local, o desmatamento contribui para um aumento significativo de temperatura e provavelmente vai agravar a temperatura nas próximas décadas, uma vez que não há nenhuma estratégia em larga escala para frear e/ou reverter as taxas de desmatamento atuais, integrada numa ação de restauração florestal,” diz trecho do relatório MAP.

Além de um verão mais severo e intenso, os cientistas apontam para períodos chuvosos alterados, com redução no volume de chuva e um prolongamento da estação seca. E os impactos disso para a preservação da floresta podem ser desastrosos. Quanto maior o número de dias secos e de temperaturas altas, maior a possibilidade de incêndios florestais.

“O desmatamento tem a tendência de reduzir a evapotranspiração, que influencia diretamente no nível das chuvas. Isso significa menos vapor de água aqui. Menos vapor, menos chuvas. Ao mesmo tempo, estamos falando de temperaturas mais altas, e temperaturas mais altas resultam em evaporação mais rápida, ou seja, menos água”, ressalta Foster Brown. “Então, não podemos falar de desmatamento separado do aquecimento; as duas coisas estão combinadas. Um afeta o outro.”



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“Durante a época de chuvas, a água do subsolo é recarregada, permitindo crescimento de árvores e a água fluindo nos rios da região na época seca. Menos chuva na época chuvosa pode significar menos água no solo e nos rios na época seca nos próximos meses, além de aumentar a inflamabilidade das florestas”, ressalta o relatório.

Ou seja, tem-se o “ambiente perfeito” para a propagação de incêndios florestais. Florestas que antes tinham na umidade seu principal mecanismo de proteção ao fogo das queimadas em pastos e roçados, estão mais inflamáveis.

Em 2024, a alagação dorio Acre encobriu a ponte que liga Epitaciolândia a Brasiléia, na fronteira com a Bolívia (Foto: Marcos Vicentti/Secom)


Nos últimos anos, análises feitas pelo Laboratório de Geoprocessamento Aplicado ao Meio Ambiente (Labgama), da Ufac em Cruzeiro do Sul, apontam aumentos expressivos de incêndios em áreas de floresta fechada em toda a tríplice fronteira MAP – incluindo o Vale do Juruá, região com a maior concentração de mata preservada no Acre.

Foi o que aconteceu ano passado, quando o Parque Nacional da Serra do Divisor, em Mâncio Lima, foi atingido por um incêndio dentro da floresta.

Com a potencialização dos efeitos das mudanças e a perda de cobertura florestal, os cientistas da tríplice fronteira amazônica são categóricos: “As tendências de elevação da temperatura e de alteração das chuvas, acopladas com a redução de florestas, indicam que podemos ter secas severas neste e nos próximos anos, com probabilidade alta de se agravar.”

A letra do Hino Acreano diz: “Que este Sol a brilhar soberano sobre as matas que o veem com o amor”. Derrubamos as nossas matas, e parece que só nos restará um Sol cada vez mais soberano a torrar nossas cabeças com muito calor.

Mas talvez possamos amenizar os danos. Combater o desmatamento e realizar o reflorestamento podem ser os primeiros passos. Outras forma de amenizar os impactos da seca severa que pode afetar as populações desta fronteira pan-amazônica apontadas pelos cientistas do grupo MAP são:

1) Atualizar e implementar, nos níveis federal, estadual, municipal e comunitário, planos de contingência para desastres socioambientais associados a eventos extremos climáticos, com a participação ativa de organizações de bairro.

2) Preparar as sociedades para lidar com mudanças climáticas, perda de biodiversidade e desastres socioambientais nas décadas que vêm, via modificações nos sistemas educacionais do básico até superior.

3) Fortalecer e propagar bons exemplos de preparação e resposta de comunidades enfrentando os eventos extremos, como a autogestão de desastres promovida pelos moradores do bairro Junín, duramente afetado pelo transbordamento do Rio Acre na cidade de Cobija.

4( Fazer gestão de paisagens para que se mantenham a estrutura e funcionamento de ecossistemas naturais que amortecem os impactos de mudanças climáticas na escala regional, mantendo áreas de proteção e recuperação de áreas críticas.

5) Integrar ferramentas de governança territorial (Zoneamentos, ordenamentos territoriais e planos de vida) com estratégias de adaptação e mitigação as mudanças climáticas e provisão de serviços ambientais. Priorizar a região do MAP e buscar o envolvimento direto dos governos locais, estaduais e federais, com responsabilidades comuns e diferenciadas.

6) Expandir as redes de monitoramento hidrometeorológico e da qualidade do ar da região MAP para auxiliar em alertas e respostas aos eventos extremos, usando tecnologias de baixo custo integradas com os sistemas educacionais e da saúde para facilitar a aplicação de informações geradas.


Desmatatamento, fogo e aquecimento: destruição da Amazônia no Acre provoca o colpaso do clima (Foto: Secom/AC)
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