Para manter vivo PL 6024, Bittar quer investigar atuação de ONGs dentro da Resex Chico Mendes
Trincheira da extrema-direita no Congresso, CPI das ONGs alimenta teoria da conspiração sobre legado do líder seringueiro Chico Mendes; principal patrocinador político do projeto de desafetação da resex (PL 6024), Bittar diz que organizações retiram autonomia de moradores da área. Resex está entre UCs mais desmatadas na Amazônia de 2019 para cá, período de tramitação da proposta
Fabio Pontes
Dos Varadouros de Rio Branco
Mentor intelectual do projeto de lei de desafetação da Reserva Extrativista (Resex) Chico Mendes (PL 6024), o senador bolsonarista Márcio Bittar (União) mantém sua ofensiva contra uma das unidades de conservação mais impactadas pelo avanço do desmatamento e do fogo na Amazônia nos últimos quatro anos. Agora isolado na famigerada e apagada CPI das ONGs – último refúgio da extrema-direita para continuar a ofensiva contra a agenda ambiental do país – Bittar quer “investigar” a atuação de organizações não-governamentais dentro da Resex – atuação esta que, certamente, pode ter amenizado os efeitos da política de “deixar a boiada passar” patrocinada pelo desgoverno de Jair Bolsonaro (PL), de quem o senador foi grande apoiador.
No último dia nove de agosto, Márcio Bittar enviou requerimento à presidência do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) para realizar uma “diligência externa” na unidade de conservação, “com o objetivo de escutar lideranças locais a respeito da ação de organizações não-governamentais e organizações da sociedade civil de interesse público na região”.
A agenda da CPI das ONGs é uma forma de manter viva a esperança dos moradores da reserva interessados na aprovação do PL 6024, dizem lideranças do movimento socioambiental ouvidas por Varadouro. Com a eventual aprovação da proposta, as áreas destes moradores serão excluídas do interior da Resex. Assim, eles podem ampliar a abertura de pasto para a pecuária, pois há décadas abandonaram a economia extrativista.
Para organizar a “diligência externa” da CPI, Bittar conta com o apoio do presidente da recém-criada Amoprelândia, a Associação de Moradores e Produtores da Reserva Extrativista Chico Mendes de Epitaciolândia, que é dissidência da Amoprebe, que reúne os extrativistas de Brasileia e Epitaciolândia. A nova organização é presidida por José Maria Pimentel, mais conhecido como Açúcar.
Ao todo, oficialmente, a Resex Chico Mendes possui cinco associações de moradores reconhecidas pelo ICMBio a partir da emissão do termo de concessão, o que as legitima a integrar o Conselho Deliberativo da UC. Por os moradores da resex na região de Epitaciolândia serem representados pela Amoprebe, não se entende a razão de uma nova associação ser criada.
É dentro de Epitaciolândia onde estão os moradores apontados como os mais problemáticos pelo ICMBio, que já devastaram grandes áreas de floresta em suas colocações, abandonaram o extrativismo e hoje são médios e grandes criadores de gado – e são os principais interessados na aprovação do PL 6024.
No requerimento, o parlamentar afirma que ONGs e outras organizações da sociedade civil fazem impor seus interesses sobre a Resex Chico Mendes, deixando os moradores sem autonomia para tomar as próprias decisões. “A realidade da Resex Chico Mendes é muito diferente daquela que foi apregoada pelos defensores da criação daquela. Os habitantes querem mudanças, mas não conseguem impor a vontade deles”, diz trecho do documento.
“Esse modelo foi muito influenciado e defendido por organizações não governamentais (ONGs) e organizações da sociedade civil de interesse público (Oscips), de acordo com relatos que já chegaram até o nosso conhecimento. Essas entidades atuam nos mais diversos níveis para defender seus interesses, notadamente, com os órgãos reguladores da unidade de conservação”, completa.
Aliado de Bittar, Açúcar chegou a ocupar um cargo no gabinete do senador logo no começo de seu mandato, em 2019. Ele é um dos principais porta-vozes do bolsonarista junto aos moradores da reserva, junto com os apoiadores do PL 6024. O projeto de lei foi apresentado em dezembro de 2019 na Câmara pela ex-deputada federal Mara Rocha, então no PSDB. Atualmente, o PL 6024 encontra-se em tramitação na recém-criada Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais da Câmara. No último dia 11 de abril, o deputado Airton Faleiro (PT-PA) foi designado relator da proposta na comissão.
A perspectiva é que, com o governo Lula, o PL fique em banho-maria pelo Congresso. Porém, a bancada bolsonarista do Acre nas duas casas – que é a maioria – promete manter a ofensiva e articulações para que ele não seja enterrado de vez.
Desde a sua apresentação, a Resex Chico Mendes passou a registrar um número crescente de invasões e comercialização de lotes. Esta última prática é realizada pelos próprios moradores, com o fracionamento das antigas colocações. A perspectiva de desafetação dessas áreas é o que mais motiva a venda de lotes. Produtores rurais de Rondônia e das cidades no entorno da reserva, incluindo a capital Rio Branco, são os principais compradores de áreas na unidade de proteção, o que configura crime.
De acordo com os dados oficiais do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), entre 2019 e 2022, a Resex Chico Mendes ocupou a quinta posição entre as unidades de conservação mais desmatadas na Amazônia Legal. São mais de 307 km2 de bioma amazônico devastados no período. A quantidade de floresta devastada desde a apresentação do PL 6024 representa 80% de todo o desmatamento detectado pelo Inpe de 2008 para cá – revelando o potencial destruidor da bancada da motosserra do Acre no Congresso Nacional.
No meio socioambiental acreano, há rumores de que a diligência da CPI das ONGs tenha como um dos convidados ilustres o agora deputado federal Ricardo Salles (PL-SP), o pai da política de “deixar a boiada passar”. Enquanto ministro do Meio Ambiente de Bolsonaro, Salles atendia aos principais pleitos dos defensores do PL 6024, como acabar com as fiscalizações ambientais do ICMBio dentro da Resex.
No requerimento, Márcio Bittar faz convites ao governador do Acre, Gladson Cameli (PP), ao presidente da Assembleia Legislativa, Luiz Gonzaga (PSDB) e às lideranças municipais da região do Alto Acre. Ainda não há uma data oficial para o trabalho da CPI das ONGs na Resex Chico Mendes. O assunto é tratado com bastante interesse e atenção por parte da presidência do ICMBio em Brasília.