CONTROLE MORTAL

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Búfalos selvagens do Guaporé podem estar com os dias contados

Presença de búfalos selvagens em Rondônia se concentra na fronteira com a Bolívia; para MPF, descontrole populacional pode levar ao surgimento de doenças (Wenderson Araujo/Trilux)



MPF ajuizou processo para que governo de Rondônia coloque em prática ações de controle da população bubalina selvagem do Vale do Guaporé. Dados indicam um rebanho de ao menos cinco mil cabeças, ocupando 12% da Reserva Biológica do Guaporé. A região possui biomas conjugados do Pantanal, Cerrado e Amazônia. Procuradoria recomenda recomenda que plano adote métodos “que causem o menor sofrimento possível aos animais”.




Montezuma Cruz
Dos varadouros de Porto Velho

Dez anos depois do sufoco ambiental vivido pelo governo de Rondônia e seus técnicos sanitaristas, o Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação civil pública, com pedido liminar, para que seja determinado o controle e a erradicação de búfalos na região da Reserva Biológica Guaporé (Rebio Guaporé), no Oeste do estado. Contra a espécie bubalina pesa o crescimento desordenado. Danos ambientais podem trazer riscos econômicos e sanitários constatou-se. Mais de cinco mil animais ocupam 12% da reserva.

No governo de Ivo Cassol, a solução para o controle da população bubalina da raça Carabao, conforme o próprio ex-chefe do Executivo rondoniense seria o sacrifício dos machos, cuja carne seria servida na alimentação escolar. Já as fêmeas seriam preservadas para oferecer leite e facilitar a produção de queijo muzzarela.

Durante o governo do médico Confúcio Moura, seu ex-secretário de Planejamento George Braga viajou para a região para verificar a possibilidade, mas se assustou quando viu os búfalos derrubando uma casa.

O que ocorreu ao longo dos anos, desde 1953 quando um lote de búfalos desembarcou na região do Guaporé, procedente da Ilha do Marajó, para criação na Fazenda Pau d’Óleo (propriedade estadual) foi o seguinte: com o aumento da reprodução, os animais passaram a escapar e fazer morada além dos limites da sede.

Pesando mais de meia tonelada, o búfalo deixa de ser dócil quando escapa ao controle humano até mesmo no transporte de cargas rurais (Foto Costa Marques Infoco)



Conforme dados do MPF, atualmente o plantel bubalino na região totaliza aproximadamente cinco mil animais que ocupam 12% da reserva. A Fazenda Pau d’Óleo possui biomas conjugados do Pantanal, Cerrado e Amazônia.

Embora o governo de Rondônia mantenha convênio com a Bolívia, vacinando o gado estadual e o vizinho contra a febre aftosa, a equipe da Agência de Desenvolvimento Sanitária Agrossilvopastorial de Rondônia (Idaron) não conseguiu submetê-los ao esperado controle.

Em 1988, a a Alemanha detectou o primeiro caso de aftosa em bubalino.

O jeito, então, é organizar um plano de controle, algo que o governo estadual nunca conseguiu. Para o autor da ação, o procurador da República Gabriel Amorim, o descontrole populacional corre o risco de “manchar a credibilidade da cadeia da pecuária de Rondônia, prejudicando gravemente a economia local”.

O MPF não detalha como poderia ser organizada a operação, que se apresenta dificílima justamente porque a situação chegou a tal ponto. No entanto, recomenda que esse plano implique métodos “que causem o menor sofrimento possível aos animais e danos colaterais ao meio ambiente.”


Velhos ocupantes do que viria a ser Rebio


A ação do MPF lembra o histórico da presença bubalina no extinto Território Federal do Guaporé, hoje o estado de Rondônia: eles chegaram em 1953 à antiga Fazenda Pau D’óleo, mas ao longo do tempo essa propriedade fora abandonada.

“Ocorreu que, 36 animais se reproduziram livremente em um habitat com farto alimento e nenhum predador”, assinala o procurador. Ele estima que até 2030, a Rebio tenha cerca de 50 mil bubalinos ocupando praticamente a metade desse espaço (615,7 mil hectares).

Além dos riscos sanitários e econômicos, o MPF adverte que a presença desses animais na Rebio Guaporé coloca em risco o meio ambiente. Por esse motivo, a ação alerta o Governo de Rondônia a respeito dos prejuízos que há anos são constatados ali: “os animais vêm compactando o solo, causando desertificação e desviando cursos hídricos.”

Ainda, conforme o MPF, os búfalos também disputam recursos com o cervo do Pantanal, uma espécie ameaçada de extinção. Ambientes alagados foram reduzidos em 48% há 34 anos, em decorrência do pisoteamento e abertura de canais com erosão e compactação do solo, causados pelos búfalos. A Embrapa Pantanal possui estudo a respeito.

Por duas vezes, os búfalos do Guaporé são ameaçados de matança (Foto Costa Marques Infoco)



Quando introduzidos ao Guaporé, em 1953, por iniciativa da Secretaria da Agricultura do Território, os búfalos seriam mesmo aproveitados em um programa de fomento da espécie. Afinal, a raça possui elevada capacidade de fornecer carne, leite e trabalho.

Conforme o histórico desse animal, inicialmente vieram trinta fêmeas e 6 seis machos. Uma nova introdução de búfalos na região ocorreu em 1956 com 30 animais da raça Jafarabadi, já no período do Território Federal de Rondônia. Nesse mesmo histórico sabia-se que o aumento significativo de búfalos tornariam a espécie invasora. E com o futuro funcionamento da Rebio, outra solução não apareceu senão o controle cuja definição será surpreendente a exemplo de outras regiões do mundo, entre as quais a Austrália.

Estudos técnicos revelam que impactos na biodiversidade podem ser piores do que já são: além da compactação de solos, a possibilidade da introdução de doenças infecciosas exóticas nas populações de espécies nativas. “Com comida e água em abundância os bichos se reproduziram demasiadamente causando desequilíbrio na natureza, além de serem extremamente selvagens. Os búfalos interferem na reprodução de peixes, aves e tartarugas”, dão conta hoje funcionários da Rebio e técnicos da Idaron.

Em 2015 o assunto chegou ao Parlamento. Uma lei contendo 58 artigos, apresentada pelo deputado policial PM Jesuíno Boabaid, resultava em estudo de impacto ambiental elaborado por representantes de 13 instituições. Foi o maior avanço até então.

A Assembleia Legislativa conseguia substituir o Projeto de Lei Ordinária (PLO 53/2015), que instituía o Regulamento de Medidas para a Erradicação de Búfalos. As mudanças no projeto ocorreram após audiência pública, realizada em setembro de 2015, convocada pelo deputado.

Em 2016, a Sedam (Secretaria Estadual do Desenvolvimento Ambiental) estimava entre R$ 5 milhões e e R$ 6 milhões a licitação pública para contratar empresa responsável pela remoção dos búfalos “em até cinco anos.” Estava quase decretado: o búfalo iria mesmo para o frigorífico.

De lá para cá, mesmo diante de indagações de estudiosos internacionais, o Governo de Rondônia adiou o quanto pôde o encaminhamento de uma solução para o problema. Enquanto isso, os búfalos foram se tornando selvagens e, em vez de significarem recursos positivos para o estado, foram abandonados à própria sorte.

Tempos atrás, a bióloga Anita Ho-Tong Thomaz, do Setor de Fauna da Sedam, analisou a situação admitindo a gravidade ambiental. Segundo ela, os búfalos estavam causando desequilíbrio ecológico, pois não tinham predadores. Seu alerta: “Há desvio do leito dos rios e muitas árvores têm sido derrubadas. Quando eles passam, o rastro de destruição vai ficando. Os búfalos ameaçam mamíferos e répteis, causam perda de nichos ecológicos das aves e prejudicam toda a fauna existente nas reservas.”

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