O RASTRO DA MADEIRA

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Operação na Ponta do Abunã tenta coibir extração e comércio ilegal de madeira na Amacro

Agentes do Ibama e do ICMbio durante fiscalizaçãõ da Operação Maravalha em pátio de madeireira em Vista Alegre do Abunã (Foto: Fabio Pontes/Varadouros)




Ação integrada entre ICMBio e Ibama atua para identificar possíveis roubos de madeira de unidades de conservação e terras indígenas. A suspeita é a de que madeireiras usam seus créditos de plano de manejo para esquentar toras extraídas de áreas protegidas. Mais de 7 mil m3 já foram apreendidas, com 23 autos de infração que somam mais de R$ 4 milhões em multas.



Fabio Pontes
dos varadouros de Porto Velho


Uma ação conjunta entre os agentes do Instituto Brasilero do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) atua para combater o roubo de madeira e seu comércio na tríplice divisa Amacro, formada pelos estados do Amazonas, do Acre e de Rondônia. Batizada de operação Maravalha, a fiscalização tem como foco as madeireiras instaladas nos distritos da Ponta do Abunã, região pertencente ao município de Porto Velho e localizada bem no centro da tríplice divisa amazônica.

No sábado, 1o, Varadouro acompanhou o trabalho em duas serrarias nos distritos de Extrema e Vista Alegre do Abunã. A reportagem registrou o embarque de 307 metros cúbicos de madeira em toras, cuja origem não tinha origem legal 100% comprovada pela empresa.

Toda a carga foi doada para a Prefeitura de Rio Branco, para a construção de casas populares. Em uma ação minuciosa, os agentes conferem toda a quantidade de tora estocada nos pátios das serrarias, conferem a identificação anotada nelas e fazem as devidas medições. Após esta análise, é feita uma comparação com o que foi declarado pelas empresas no Sinaflor. A partir deste cruzamento é possível detectar possíveis irregularidades.

A Ponta do Abunã é conhecida por sua intensa atividade madeireira, responsável por movimentar a economia dos distritos de Nova Califórnia, Extrema e Vista Alegre do Abunã. Há denúncias de que parte da madeira explorada é oriunda da região Sul do Amazonas, em especial da Floresta Nacional do Iquiri e da Terra Indígena Kaxarari.

Toda a tríplice divisa Amacro está bastante impactada pelo desmatamento. Na região, praticamente já não há grandes áreas de floresta economicamente viáveis para a atividade madeireira. O sul do Amazonas é a única área com farta oferta de espécies de alto valor comercial. Todo o resto está ocupado por fazendas de gado e, mais recentemente, de soja.

Tanto a Flona do Iquiri quanto a TI Kaxarari são facilmente acessadas por ramais, o que facilita a entrada e a saída de caminhões e tratores para a extração madeireira. Nos meses do verão, época propícia para o corte das árvores, é possível os veículos atravessarem o rio Iquiri sem a necessidade de pontes, tão baixo fica o seu volume.


A Operação Maravalha tenta, assim, identificar se as toras nos pátios das serrarias da Ponta do Abunã foram roubadas do Sul do Amazonas e “esquentadas” com os créditos dos planos de manejo de áreas particulares.

Segundo balanço divulgado pelo Ibama, mais de 20 serrarias já foram fiscalizadas, de um total de 114 que são alvo da operação. Até o momento, mais de sete mil metros cúbicos de madeira foram apreendidos, com a aplicação de 23 autos de infrações. Somadas, as multas superam os R$ 4 milhões.

Um dos problemas mais comuns encontrados foi a entrada e a saída das toras nos pátios das madeireiras sem essa movimentação estar registrada no Sinaflor. “São madeiras que entravam no pátio, saiam para beneficiamento em outra serraria sem passar pelo sistema de controle. Essa madeira podia ou não ter origem (legal), mas como ela não foi guiada pelo sistema estava ilegal. Uma empresa recebeu a madeira sem a cobertura do documento florestal, estava sem crédito”, diz um dos agentes do Ibama. Por questão de segurança, ele pediu para não ser identificado.

“Quem recebeu essa madeira para beneficiar recebeu ilegalmente, e quem a repassou a fez de forma irregular também.” De acordo com o funcionário, ao chegar às madeireiras foram encontradas várias espécies sem a devida cadeia de custódia, o que indicaria a sua origem ilegal. “Essa madeira pode ser proveniente de unidade de conservação, de terras indígenas, já que estamos aqui num mosaico de terras protegidas, ou até mesmo de áreas privadas, mas sem autorização”, explica.

Pela cadeia de custódia, os órgãos de fiscalização conseguem fazer toda a rastreabilidade da madeira – desde a sua extração da mata até a venda ao consumidor final. Todos os processos precisam estar devidamente registrados no Sinaflor. “Inclusive a transformação da madeira in natura para madeira serrada e beneficiada tem que ter o coeficiente de rendimento volumétrico aprovado no sistema para acompanhar o documento quando ela sair da indústria.”

Os planos de manejo são licenciados pelos órgãos ambientais dos governos estaduais. Pelo plano de manejo, é definida uma área onde ocorrerá a exploração, divididos por lotes, cujo termo técnico dentro da engenharia florestal é Unidades de Produção Anual (UPA).

Agente do Ibama acompanha carregamento de toras doadas para a Prefeitura de Rio Branco (Foto: Fabio Pontes/Varadouro)


Aumento da produção e da ilegalidade

Na teoria, os planos de manejo madeireiro sustentável precisam seguir normas técnicas para reduzir os impactos da extração das espécies. Antes de se fazer o pedido de licenciamento do manejo, o interessado precisa contratar uma consultoria de engenheiros florestais para fazer o inventário das espécies, apontando quais podem ser exploradas. É a partir destas informações prévias que se tem uma estimativa da metragem cúbica a ser explorada daquela área licenciada.

Segundo dados do Sistema de Monitoramento da Exploração Madeireira (Simex), elaborado pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), entre agosto de 2022 e julho de 2023 um total de 22.706 hectares de floresta tiveram exploração madeireira no estado de Rondônia.

A área mapeada no período da análise foi pelo menos 20% maior do que a verificada no ano anterior (18.658 hectares). Em contrapartida, as transações de madeira em tora registradas no Sinaflor apresentaram uma expressiva redução entre 2022-2023.

Segundo o estudo, 1,9 milhões de metros cúbicos deixaram de entrar no sistema, o que representa um volume 28% menor do registrado em 2021-2022. Ou seja, aumentou-se a exploração madeireira em Rondônia, mas quase que operando de forma clandestina por não constar noa sistemas oficiais de controle.

De acordo com o Imazon, foi detectado que 63% (14.307 hectares) da exploração mapeada no estado tinham algum tipo de autorização. Já 37% (8.399 hectares) estavam ilegais. A área explorada ilegalmente foi duas vezes maior do que a registrada no ano anterior.

Como se esperava, o estudo apontou que a maior parte da exploração clandestina ocorreu em imóveis rurais cadastrados (59%), as terras indígenas (23%) e as unidades de conservação de proteção integral (16%), que sçao, exatamente, as últimas áreas de floresta preservadas em Rondônia, e onde está a matéria-prima cobiçada pelas madeireiras.

Mesmo “etiquetadas”, o que assegura um aspecto de origem legal, madeiras podem ter sido extraídas de áreas de proteção, esquentadas com créditos de plano de manejo (Foto: Fabio Pontes/Varadouro)

Máfia da tora

A operação Maravalha ainda detecta possíveis fraudes em operações de crédito das madeireiras a partir de seus planos de manejo. A tora pode ser inventariada com determinado dimensionamento, explica o agente do Ibama, e no momento em que vai se constatar ela no pátio a dimensão é divergente. Se o tamanho for menor, por exemplo, os créditos daquela árvore pode ser usado para “limpar” madeira de origem ilegal. “Às vezes essa transação da cadeia de custódia é usada para acobertar madeira de origem ilegal.”

Outra fraude possível nos créditos acontece no beneficiamento da tora – ou sejam seu processo de serragem. Pela legislação, para cada espécie no pátio pode ser aproveitada em corte para comercialização até 35% daquela tora. Em alguns casos, a depender da situação, este rendimento pode ser maior ou menor. No caso de aproveitamento abaixo dos 35%, a madeireira acumula créditos dentro do sistema de controle. De acordo com as investigações, este saldo também é usado para “lavar” madeira retirada de áreas protegidas.

Na Ponta do Abunã, o comércio ilegal de madeira parece estar tão banalizado, que a situação é (ou era) tratada com desdém por lá. Em julho de 2021, após denúncias de roubo de madeira dentro de uma propriedade privada no vizinho município de Acrelândia, policiais militares do Batalhão Ambiental prenderam em flagrante funcionários de serrarias de Nova Califórnia. Na camisa de um dos homens presos estava escrito: “Máfia da Tora. Nova Califórnia”.

Esta não é a primeira vez que as serrarias da Ponta do Abunã são alvo de operações pente-fino dos órgãos ambientais. Em anos passados, muitas destas empresas, em especial em Nova Califórnia, foram fechadas. Toda a economia da região gira em torno da atividade madeireira e da agropecuária. Os dois setores são os principais geradores de emprego e renda.

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