CÚPULA DA AMAZÔNIA: SOBERANIAS PARALELAS

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Fronteiras panamazônicas: a consolidação do crime organizado

Líderes da Panamazônia durante cúpula em Belém; protagonismo de reunião dos países, mas pouca solução prática (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

Discussões em Belém ficam mais focadas nas pautas de preservação ambiental, deixando vagos os graves aspectos sociais da Amazônia – como a violência típica das regiões de fronteira. A taxa de mortes violentas na Amazônia Legal é 50% superior à média dos demais estados do Brasil; em 2017, Rio Branco foi a capital mais violenta do país



Dos Varadouros de Rio Branco


A REALIZAÇÃO da Cúpula da Amazônia essa semana em Belém – com a reunião dos oito presidentes dos países que formam a Panamazônia – marcou um grande passo na tentativa da construção de uma política comum para a preservação da Floresta Amazônica. Mesmo sem estipular metas para combater o desmatamento e com muitos vazios, a Declaração de Belém é um dos caminhos neste sentido. Não há a menor dúvida de que a proteção do bioma é fator essencial para o combate aos efeitos das mudanças climáticas, de que a manutenção da floresta em pé é vital para a nossa sobrevivência na Terra. Porém, uma questão que não pode ficar de fora nas discussões é: e a proteção às populações que vivem nesta porção do continente sul-americano?

E, quando se fala em proteção às populações amazônicas, não se resume apenas às chamadas tradicionais – o que inclui os povos indígenas, extrativistas, ribeirinhos, quilombolas e tantas outras diversidade de comunidades. Estas, por conta de suas vulnerabilidades, nem é preciso discutir algum tipo de política para elas. É obrigação dos governos assegurar a proteção das populações tradicionais da floresta, vítimas de um processo histórico de exploração e de usurpação de suas terras e cultura.

Mas quando se fala em proteção para as populações da Panamazônia, é preciso também pensar em quem está nas cidades, povoados, vilarejos, assentamentos e outros. O debate é sobre uma das regiões mais violentas da América do Sul. A ausência do Estado nas áreas mais remotas da Floresta Amazônica permitiu a consolidação de um estado paralelo, controlado pelo crime organizado, e em outros casos por grupos paramilitares de conotação política (por vezes misturado com o narcotráfico), como o caso das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) No Brasil, há quase um domínio territorial das faixas fronteiriças pelas facções criminosas oriundas de São Paulo e do Rio de Janeiro.

Na Panamazônia estão três dos maiores produtores de drogas do mundo: Peru, Colômbia e Bolívia. O Brasil é não apenas um grande consumidor desta droga, como um corredor estratégico para sua exportação para todo o mundo. Por isso, o interesse das facções sudestinas em consolidar suas ações aqui. Ao menos desde 2015, as cidades brasileiras da fronteira panamazônica lidam com uma violência fora de controle. As taxas de homicídio chegaram a níveis alarmantes.

De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em 2017, o Acre teve a segunda maior taxa de homicídios do país: 63,9 assassinatos por 100 mil habitantes. O estado só ficou atrás do Rio Grande do Norte (67,2 mortes por 100 mil pessoas). Em todo o país essa taxa foi de 30,9. Em 2017, Rio Branco foi a capital mais violenta do Brasil: 83,7 assassinatos por 100 mil moradores. Em seguida ficaram Fortaleza (77,2) e Belém (68,1). O problema se repete, em menor ou maior graus, nas demais cidades amazônicas.

“Pelos diagnósticos e informações disponíveis sobre o cenário da violência e da segurança pública na Amazônia, é possível dizer que as capacidades institucionais e os arranjos interinstitucionais das forças de segurança pública e fiscalização ambiental na Amazônia não produzem capacidade operativa ou níveis de integração suficientes para fazer frente ao avanço da criminalidade organizada que cresce na região, seja em relação ao narcotráfico, aos crimes ambientais, seja nas intersecções desses dois universos”, diz trecho de estudo elaborado pela FBSP só com dados sobre a violência na Amazônia Legal.

Foi divulgado na véspera do um ano do assassinato de Dom Phillips e Bruno Pereira – vítimas desta omissão histórica dos estados panamazônicos na proteção das suas fronteiras. “Essa não é exatamente uma novidade, mas quando olhamos para as mortes de Dom Phillips e Bruno Pereira, a violência e o drama provocados pela expansão do controle territorial e econômico da Amazônia por facções de base prisional ganham feições nítidas e deixam de ser apenas estatísticas ou histórias desconhecidas.”

De acordo com o relatório, há uma década a região amazônica apresenta taxas de mortes violentas intencionais – as MVI – acima da média nacional. Apenas no ano passado, oito mil pessoas foram assassinadas nos estados que compõem a Amazônia Legal. A taxa de MVIs na região foi de 26,7 assassinatos para cada grupo de 100 mil habitantes. A taxa de violência letal na Amazônia Legal é 50,8% superior à observada nos demais estados do país. No Brasil, a taxa média de assassinatos foi de 19 por 100 mil pessoas em 2022.

Pelotão do Exército no rio Moa, fronteira Brasil-Peru; presença incapaz de impedir controle territorial por facções criminosas (Foto: Fabio Pontes)


O Amazonas foi o campeão no registro de MVIs ano passado: 33,1 para cada 100 mil habitantes, o que representou 1.432 pessoas que perderam suas vidas de forma violenta. Nas MVIs se consideram as mortes por latrocínio, homicídios dolosos e lesões corporais seguidas de morte. Em 2021, o Amazonas já tinha chamado a atenção; foram 1.571 vítimas, chegando-se a uma taxa de 36,8 por 100 mil habitantes – maior índice registrado desde o início da série coletada pelo FBSP, em 2009.

Tais dados (assustadores) escancaram a necessidade e a importância de os debates sobre a preservação da Floresta Amazônica não ficarem apenas no aspecto ambiental, mas também social – em especial das populações mais pobres nas periferias das cidades, as principais vítimas desta violência imposta pelo crime organizado. A violência representada pelos criminosos que devastam a floresta para explorar suas riquezas – a madeira, os minérios, as terras – é a mesma que deixa milhares de famílias amazônidas – em todos os lados da fronteira – marcadas pelo medo e a dor de perder um parente.

Que além de definir estratégias transnacionais de proteção do bioma, as próximas Cúpulas da Amazônia definam ações conjuntas de segurança pública para as fronteiras panamazônicas com um ùnico objetivo: a retomada desses territórios pelo Estado legítimo, não o paralelo representado pelo crime organizado. Que a preservação e a proteção da mais importante floresta tropical do planeta não fique restrita apenas a metas de redução do desmatamento – mas também das desigualdades sociais, dos indicadores de violência e da melhoria da qualidade de vida de suas populações. Só assim poderemos falar em sustentabilidade ambiental e social.



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