Trump, Amazônia e o Acre

Compartilhe



por Samuel Alves
dos varadouros de Rio Branco



Na última terça-feira, 5, milhões de eleitores estadunidenses reelegeram Donald J. Trump para a presidência dos Estados Unidos da América, tanto no voto popular quanto no colégio de delegados eleitorais que realmente importa para o sistema norte-americano. O Partido Republicano também obteve a maioria das duas casas legislativas, além de já ter indicado dois terços da Suprema Corte que, durante a presidência do democrata Joe Biden, protagonizou episódios como a reversão de Roe v. Wade, a decisão judicial que garantia o aborto em território nacional, com a possibilidade de indicar mais 2 ministros caso estes se aposentem ou venham a óbito durante o segundo mandato de Trump. Com tamanha supremacia dos três poderes constitucionais e mais pessoas leais em posições de confiança comparado a 2017-2021, sua agenda será implementada sem oposição. Mas afinal, qual é a sua agenda, e como ela terá efeitos para além dos EUA, em particular a América do Sul, a Amazônia Legal, o Brasil e o Acre?

Em primeiro lugar, devemos entender qual é de fato a plataforma com qual Trump vai trabalhar. Embora o Partido Republicano tenha um programa de governo com qual Trump se comprometeu a cumprir, a verdadeira agenda defendida por seus assessores e pessoas de confiança é a cartilha Project 2025, um documento de mais de 900 páginas elaborado pelo grupo conservador Heritage Foundation. Esta cartilha, primeiro publicada em 1981 com a eleição de Ronald Reagan e que passou por diversas atualizações até a versão atual, orienta o próximo presidente Republicano sobre quais decretos e leis este deve passar para consolidar e moldar todo o poder executivo à sua imagem e seu comando, além de suprimir os freios e contrapesos do Legislativo e do Judiciário, efetivamente obtendo poderes maiores do que o permitido pela Constituição dos EUA. O Project 2025 também determina que todo o aparato institucional do Estado deve seguir valores cristãos tradicionais, incluindo, para além do fim da garantia do aborto mencionada anteriormente, proibição de contraceptivos, fim do casamento homoafetivo e das leis que punem discriminação de gênero e orientação sexual, e até mesmo criminalização da pornografia.

Trump negou repetidas vezes que conhecia o projeto, porém seu nome é mencionado mais de 300 vezes no documento, além do fato de que mais de 100 signatários e colaboradores do programa foram servidores da Casa Branca e outras secretarias executivas durante o primeiro mandato de Trump, e estes apontam no Project 2025 as barreiras legais que encontraram na época que trabalharam no governo. Adicionalmente, o presidente da Heritage Foundation, Kevin Roberts, adaptou o conteúdo do Project 2025 em um livro lançado em setembro sobre como os conservadores devem desmantelar e então refazer o poder executivo à imagem destes para “preservar o estilo de vida americano”, e este livro recebeu um prefácio do então senador do estado de Ohio J.D. Vance, agora eleito vice de Trump. Todas as relações pessoais e institucionais apontam o alinhamento de projetos, e alguns dos influenciadores de extrema-direita mais notórios dos EUA como Charlie Kirk e Matt Walsh, apoiadores de Trump, inclusive ironizaram que, passada a eleição, agora poderiam “falar em voz alta” que sim, Project 2025 é a agenda de fato.

Em 2017, Trump anunciou que retiraria os EUA do Acordo de Paris. A saída só pôde ser efetivada no final de 2020, e poucos meses depois, ao Biden assumir, o país foi readmitido ao Acordo. Durante o primeiro mandato de Trump, a Agência de Proteção Ambiental (EPA) e o Departamento de Energia tiveram diversos secretários ligados aos lobbys de petróleo, carvão e gás natural, e mais de 100 regulações ambientais foram desfeitas. Trump também incentivou uso de terras da União, incluindo parques nacionais, para perfuração de poços de petróleo, além de extinguir programas de controle de poluição do ar e água, produção de energia limpa e de adaptação climática das infraestruturas federais. Desde 2012 até a atualidade, Trump acusa a China de ter fabricado a “farsa” da mudança climática para sabotar a indústria e a autonomia americana, e ele ativamente se recusou a participar dos painéis ambientais de encontros internacionais, incluindo reuniões do G7 e G20.

Agora, em seu segundo mandato vindouro, Trump promete trocar as metas de redução de emissão por metas de produção de energia e intensificar ainda mais o uso de combustíveis fósseis – promessas marcadas pelo slogan “drill, baby, drill” (“perfura, bebê, perfura”, e sim, o duplo sentido do slogan é intencional). Além disso, a agenda Project 2025 também defende perfurar o Ártico, proibir estados de implementarem regras mais rígidas que o governo federal, fechar a Administração Nacional de Oceano e Atmosfera (o equivalente da nossa Agência Nacional de Águas), reduzir ainda mais a EPA, retirar a “emergência climática” da lista de ameaças à segurança nacional, retirar o aviso de “riscos à saúde” de gases de efeito estufa, eliminar qualquer menção ou referência ao termo “mudança do clima” de todos os setores da vida pública e privada, e até mesmo incentivar a população a contestar, refutar e até processar cientistas, ativistas e outras pessoas que façam alertas sobre a crise climática.

Estas promessas, caso minimamente efetuadas, não apenas se traduziriam em bilhões de toneladas de CO2 na atmosfera por parte dos EUA, como também refletem um paradigma coordenado por uma extrema-direita internacionalista que converge e põe em prática seus interesses políticos ao redor do mundo. Agendas radicais desta natureza serão – ou já estão sendo – replicadas em qualquer país onde a extrema-direita, eleita ou não, tem força para subverter instituições, seja na França, Alemanha, Itália, Portugal, Espanha, Índia, Japão, Hungria, Israel, Rússia, Ucrânia, e sim, aqui no Brasil também. No caso do Brasil, não só o projeto de negacionismo climático é pioneiro – afinal, é historicamente um dos países onde mais se persegue e mata ativistas ambientais – como também sabe aproveitar de forças da indústria cultural para aplicar uma antiga subserviência à hegemonia norte-americana que está fortemente entrelaçada no nosso tecido social. O que quer que os EUA façam, há uma tendência do Brasil de imitar. Isso vai desde a Black Friday até terrorismo doméstico para reverter os resultados eleitorais.

Este método é tão óbvio que nem é discreto. O senador Marcio Bittar, mal anunciada a vitória de Trump, declarou que a direita brasileira vai usar desta vitória como combustível para tentar reverter a inelegibilidade de Jair Bolsonaro antes das próximas eleições gerais. O deputado federal Coronel Ulysses já reservou a data de 20 de janeiro para participar da comitiva que acompanhará a posse de Trump. O senador Alan Rick e o prefeito recém reeleito Tião Bocalom também parabenizaram Trump e usaram da vitória para construir palanque na eleição estadual. Mas para além dos gestos simbólicos, há também o encorajamento de promover políticas cada vez mais antiambientais, como flexibilizações no uso das terras estaduais e da União, aumento da pressão em cima de territórios indígenas, perseguição de servidores ambientais e ONGs e outros ataques mais diretos e frequentes à gestão de Marina Silva e as ações do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima.

Se houver alguma ação de Trump contra o Brasil, ela muito provavelmente virá por meio da guerra tarifária que ele pretende travar contra a China, ao mesmo tempo em que as iniciativas dos BRICS de se tornarem mais independentes do dólar podem ser motivo de retaliação. A forma como Trump irá se relacionar com Lula também pode ser um fator, tanto pelo histórico de afetos e desafetos que Trump tem com líderes dispostos a lidar com seu temperamento como também pela participação de Elon Musk no seu gabinete e a relação do bilionário com o Estado brasileiro.

Independente destas projeções, o fato é que a agenda antiambiental de Trump dentro das fronteiras dos EUA já terá efeitos desastrosos ao redor do planeta, simplesmente pelo fato de que a Floresta Amazônica não tem a mesma capacidade que tinha a 5 anos atrás de regular a temperatura de si própria e dos outros continentes através do seu sistema de transpiração e seus rios voadores. Sem contar que a agenda externa de Trump muito provavelmente voltará a envolver Venezuela, Bolívia, Chile, Colômbia e Equador como países em que os EUA vão monitorar com maior escrutínio, sendo que desta vez a Argentina, através de Javier Milei, se colocará como uma voz a favor dos interesses de Trump na região. Todos os cenários apontam para um segundo mandato sem oposição, movido à vingança contra seus inimigos políticos e com súditos leais em posições estratégicas para corroer todos os freios e contrapesos que possam deter Trump ou mesmo os próximos presidentes norte-americanos.

Infelizmente, dado o poder de alcance das atitudes do império estadunidense em diversos aspectos da economia e política mundial, o que acontece nos Estados Unidos é interesse de todo o mundo sim. E se o planeta quiser ter alguma chance de sobreviver aos efeitos da crise climática que pioram a cada ano, todos os países devem se unir para barrar Trump e sua agenda de destruição. É uma batalha pela sobrevivência da humanidade, e não temos o direito de perder.


Samuel Alves é (quase) bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Acre (UFAC). Milita pela causa socioambiental desde os 19 anos, tendo ajudado a fundar a Rede Sustentabilidade no Acre. Após muita pesquisa e estudo, chegou à conclusão que os fins justificam os memes.

Logomarca

Deixe seu comentário

VEJA MAIS

banner-728x90-anuncie