“Operador de Gladson”, Rudilei Estrela recebia dinheiro repassado por empreiteiras, diz PF

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De acordo com inquérito da Polícia Federal ao menos R$ 16 milhões entraram em “contas de passagem” de empresas de fachada; relatório aponta entrada destes recursos em conta de empreiteira de irmão do governador do Acre


Fabio Pontes e Leonildo Rosas

dos varadouros de Rio Branco


Apontado por investigações da Polícia Federal como o “operador financeiro e político” do governador Gladson Cameli (Progressistas), o empresário Rudilei Estrela recebia, nas contas das duas empresas das quais é sócio, repasses de empreiteiras que mantêm contratos com o governo do Acre. De acordo com o inquérito da Operação Ptolomeu, uma das contas operadas por Rudilei Estrela servia apenas como “conta de passagem” e a empresa era de fachada. Outro ponto que chamou a atenção foi a grande quantidade de recursos em espécie sacados das duas contas bancárias.

Conforme as investigações, foi a partir da conta da Acácia Construções de onde saiu enviado parte do dinheiro usado para quitar a compra da BMW X4 – avaliada em meio milhão de reais – que o governador Gladson Cameli presenteou a esposa Ana Paula Correia Cameli. Apesar da primeira-dama ser a agraciada com o presente de luxo, o endereço do proprietário do automóvel fica localizado na periferia de Campo Grande, capital de Mato Grosso do Sul.

Ainda conforme o inquérito, foi da conta da T. Ferreira Souza ME que saíram R$ 120 mil transferidos para uma outra conta de passagem, da empresa Silveira Araújo Construções Eireli. Esta empreiteira, por sua vez, foi identificada em relatórios do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) como repassadora de recursos para a conta da Construtora Rio Negro Ltda, de propriedade de Gledson Cameli, irmão do governador Gladson Cameli.

A Construtora Rio Negro, com sede em Manaus, também conforme relatórios do Coaf, foi usada pelo governador acreano para ser a compradora e pagadora de um apartamento de luxo avaliado em R$ 5 milhões na capital paulista.

(Entenda mais: Gladson cria holding familiar e a usa para comprar imóvel de R$ 5 milhões em SP)

Desde o dia 27 de dezembro, o blog do Fabio Pontes e o Portal do Rosas publicam uma série de reportagens sobre o inquérito policial, cujas informações são de relevante interesse da sociedade acreana por levantar suspeitas sobre o governador do Estado.

Conforme informações da PF obtidas a partir da quebra dos sigilos bancários autorizados pela Justiça Federal no Acre, em 2020 a T. Ferreira Souza ME movimentou quase R$ 8 milhões. As empresas de Rudilei Estrela são investigadas desde o primeiro semestre de 2020, com a deflagração da operação Assepsia, que investiga suposto esquema de corrupção na compra de álcool em gel pela Prefeitura de Rio Branco.

Um fato que chamou a atenção dos investigadores foram os sucessivos repasses feitos pela Murano Construções Eireli para as empresas de Rudilei Estrela. Entre janeiro e março de 2020 foram R$ 178 mil transferidos. Em um único dia, 13 de março de 2020, a Murano enviou R$ 70 mil. “Não se vislumbra, a priori, qual a relação empresarial justificaria tais transações entre uma construtora com sede em Brasília e uma gráfica com sede em Cruzeiro do Sul”, diz trecho do inquérito.

Sem nunca ter construído uma calçada no Acre, a Murano Construções desembarca por aqui durante o primeiro ano de Gladson Cameli como governador, passando a vencer licitações milionárias. Conforme as investigações, a empreiteira assina dois contratos com o governo que, juntos, chegam à cifra de R$ 27,3 milhões.

Para a PF, essa intensa e constante movimentação financeira de recursos de empreiteiras detentoras de contratos com o governo – por meio de transferências para contas de passagem de empresas fantasmas – “indicam a existência de um “esquema” de repasses das referidas empresas a representantes do Governo do Estado por meio da utilização da conta bancária de uma empresa laranja”.

“Uma vez que a hipótese de esquema criminoso aponta para o pagamento de vantagens indevidas a agentes do Governo Estadual, se busca investigar se os pagamentos teriam como contrapartida o direcionamento de contratações”, afirma parte do relatório.

Outra empresa definida pela Polícia Federal como de fachada e detentora de uma “conta de passagem” é a Silveira Araújo Construções Eireli. Criada em 2016 e também sem registrar a contratação de um único funcionário, a conta da empresa movimentou mais de R$ 6 milhões entre março de 2019 a abril de 2020. De acordo com o inquérito da operação Ptolomeu, entre as empresas destinatárias das transferências feitas por ela também está a Construtora Rio Negro Ltda.

“[…] entre os beneficiários dos valores transacionados pela empresa Silveira Araújo está a Construtora Rio Negro, indicada duas vezes pelo Governador Gladson Cameli para figurar como “pagadora” e depois como “compradora” de imóvel avaliado em R$ 5.008.500,00”, aponta trecho do relatóro policial.

A PF só chegou a essa empreiteira fantasma por conta dos RIFs emitidos pelo Coaf alertando sobre a tentativa de compra do apartamento de alto padrão. Ao se fazer um pente-fino nas contas da Construtora Rio Negro, descobriu-se que ela era beneficária de créditos enviados pela Silveira Araújo, que por consequinte, recebeia verba de empreiteiras que tinham o governo do Acre como principal cliente.

Aqui, como na conta da empresa de impressão de material publicitário de Rudilei Estrela, a Murano Construções aparece como a principal depositária na conta de passagem: R$ 559 mil. Conforme o inquérito, entre 2019 e 2021, a Murano teve empenhados R$ 18 milhões pelo governo Gladson Cameli; deste total, R$ 10 milhões foram de fato pagos.

Como segunda maior repassadora de dinheiro para a “conta de passagem” está a Adinn Construção e Pavimentação Ltda, que é a “empreiteira mãe” da Silveira Araújo. A Adiin já foi investigada por outra operação da Polícia Federal, em 2013: a G7. À época, a PF apurava a formação de um possível cartel entre empreiteiras para vencer as licitações de obras licitadas pelo governo do petista de Tião Viana (2011-2018). Com Gladson Cameli, apontam as investigações policiais, a empreiteira continuou a manter prestígio e a vencer licitações.



Toque de Midas

Sendo Rudilei Estrela apontado no inquérito como uma das figuras centrais operando essa complexa engrenagem de circulação de dinheiro das empreiteiras, é preciso destacar as movimentações realizadas por sua segunda empresa: a Start Construções, Comércio e Serviço Ltda, de nome fantasia Acácia Construções, que tem sede em Cruzeiro do Sul, terra-natal do empresário.

Conforme o inquérito da operação Ptolomeu, após Estrela entrar como sócio da Acácia Construções, a empreiteira saiu do ostracismo para movimentar alguns milhões de reais. Segundo a PF, o empresário e suplente de deputado federal pelo Progressistas passou a integrar os quadros societários da Acácia Construções em junho de 2020.

Entre janeiro e dezembro de 2021, um dos períodos de quebra do sigilo bancário, R$ 2,2 milhões são creditados na conta da empresa. Conforme gráficos elaborados pela Polícia Federal, 99% dos recursos têm como origem transferências feitas por outras empresas do setor da construção civil: seja em pequenas ou grandes quantias. Todas elas são listadas como prestadoras de serviços com o governo do Acre.

Metade dos R$ 2,2 milhões foram transferidos por apenas quatro empreiteiras: a Atlas Construção e Comércio, a Queiroz Amp Santos Ltda; a Arc Comercio Construção e Adm; e a Meng Eng Com & Ind Ltda. Sozinha, a Atlas Construção remeteu R$ 618 mil para a conta da Acácia.



Mesmo com toda essa movimentação de dinheiro, a empresa da qual Rudilei Estrela é sócio não tem nenhum funcionário registrado em seus quadros desde 2012. Segundo a PF, os últimos contratos da empresa com o setor público têm como registro o ano de 2011. Por conta disso, a PF diz que a empreiteira apresenta todas as características para ser definida como “empresa de fachada”.

Conforme o inquérito policial, chamou a atenção o fato de Acácia Construções também realizar muitas operações financeiras com dinheiro vivo. Em dezembro de 2020, R$ 33 mil são sacados da conta da Acácia Construções. Os saques são sempre em valores baixos numa tentativa, diz a PF, de não chamar a atenção das autoridades. “A prática assemelha-se à técnica de lavagem de capitais conhecida como “smurfing”, utilizada para dificultar a identificação da origem/destino dos valores.” Já a outra empresa do “principal operador” do governador Gladson Cameli movimentou outros R$ 150 mil em espécie.

Vale destacar que, de acordo com o inquérito da operação Ptolomeu, quase um milhão de reais de dinheiro vivo foram transacionados nas duas contas-correntes do governador acreano, o que levou os bancos a emitirem sucessivos comunicados ao Coaf por conta de “movimentações atípicas”. Para a PF, tal prática tem como finalidade ocultar a origem e a destinação do dinheiro.



O outro lado

Após duas semanas de tentativas, a assessoria do governador acreano enviou respostas às solicitações sobre os diferentes pontos citados no inquérito da PF e transformados em reportagem na série Esquemão Azul. A resposta veio limitada ao envio de uma nota assinada pelos advogados que defendem Gladson Cameli junto ao STJ.

“Todas as suas movimentações financeiras são lícitas e o seu patrimônio tem origem conhecida, seja no âmbito privado, seja na renda auferida em razão das funções públicas ocupadas. Em razão disso, a defesa do Governador Gladson Cameli irá apresentar o recurso cabível e confia que a decisão será objeto de revisão”, assinam os advogados Ticiano Figueiredo e Pedro Ivo Velloso.

“A investigação é um emaranhado de assuntos desconexos. De um lado, tentam, em vão, criar um vínculo espúrio entre o governador e contratações lícitas realizadas pelo Estado.”

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