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Seca intensa e mudanças climáticas ameaçam botos na Amazônia; ICMBio intensifica monitoramento

O braço do rio Solimões, que leva ao Lago Tefé, atingiu o nível mais baixo já registrado, segundo medições do Serviço Geológico Brasileiro. (Foto: Alessandro Falco)



Após a morte de 154 botos em 2023, instituições ampliam ações para evitar nova tragédia em 2024, em meio à piora da crise hídrica na região. Técnicos e biólogos fazem o monitoramento constante da temperatura das águas e de sua oxigenação. Ação preventiva tem salvado milhares de espécies aquáticas.



Mayala Fernandes
desde os varadouros de Tefé, no Amazonas

A seca severa de 2023, agravada pelas mudanças climáticas e pelo fenômeno El Niño, resultou na morte de 154 botos-vermelhos e tucuxis, levando o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) a implementar ações de combate à Emergência Botos Tefé. Com a continuidade das chuvas abaixo da média em 2024, a situação se agrava, levando a Agência Nacional de Águas (ANA) a declarar escassez hídrica em diversas bacias da região.

Desde 16 de setembro, o ICMBio instaurou uma operação para monitorar a temperatura da água e o comportamento dos animais para evitar novas mortes. Até o momento, apesar da intensa seca, os botos apresentam comportamento normal e foram registradas apenas quatro perdas, todas relacionadas a ações humanas.

A região Norte do Brasil tem registrado chuvas abaixo da média. Em 2024, as previsões indicam que a seca pode ser até mais forte que a de 2023. Como medida preventiva, a ANA declarou situação de escassez de água em várias bacias hidrográficas da região. Em julho de 2024, a ANA emitiu resoluções para o rio Madeira e os rios Purus, Acre e Laco, com validade até novembro. Em setembro, a escassez também foi declarada no baixo rio Tapajós (PA), entre Itaituba e Santarém, também até novembro.

Na região do Médio e Alto Solimões, em setembro, o rio alcançou sua cota mais baixa desde o início das medições, em 1971, segundo medições do Serviço Geológico Brasileiro (SGB). Entre Fonte Boa e Coari – estação de Itapéua -, o pico da seca ainda não foi alcançado, com previsão de descida do nível do rio até pelo menos a primeira quinzena do mês de outubro.

Em Tefé, nenhuma das embarcações de linha consegue acessar o porto da cidade. (Foto: Miguel Monteiro)



Desde o dia 16 de setembro, o ICMBio instaurou um Sistema de Comando de Incidentes (SCI) na cidade de Tefé, Amazonas, para monitorar duas vezes ao dia – início da manhã e tarde – a temperatura da água, o comportamento dos animais e estabelecer estratégias prévias de intervenção, para evitar que o incidente do ano anterior volte a repetir. Mais de 50 pessoas estão envolvidas na emergência, dentre elas, biólogos, médicos veterinários, ecólogos e outros profissionais.

Até o momento, os botos-vermelhos e tucuxis têm exibido comportamento normal em relação ao nado, respiração, interação e alimentação. A presença de filhotes sugere que, apesar das pressões ambientais, como a seca severa que reduz suas áreas de uso, essas espécies estão encontrando formas de adaptação e reprodução.

“Durante os monitoramentos temos observado que os avistamentos de botos estão aumentando, inclusive temos visto fêmeas com filhotes, provavelmente por conta das chuvas na região, apesar do nível do rio ainda estar baixo”, Karen Lucchini, bióloga e mestre em Biologia Animal pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPB).

No entanto, ainda não foram registradas mortes de botos tucuxi e vermelhos, por estresse térmico. Neste ano, foram cinco mortes, sendo um filhote de tucuxi, um peixe-boi adulto e dois botos-vermelhos, consequência de conflitos antrópicos, oriundos de pesca e caça. Percebe-se, inclusive, que as mortes registradas de botos estão relacionadas em maior parte ao atropelamento com embarcações.

“Esse ano, apesar da seca estar mais intensa e severa, os animais não estão morrendo por estresse térmico como no ano anterior, e sim por ação humana. As cinco mortes identificadas em Tefé foram resultado da interação com pescadores e caçadores”, afirma Claudia Sacramento, analista ambiental e coordenadora de emergências climáticas e epizootias do ICMBio.

As mortes registradas até o momento não são relacionadas ao estresse térmico. (Foto: Miguel Monteiro)



A temperatura média da água permanece estável, com médias de 31,2ºC desde o início do monitoramento. Sendo as mínimas registradas de 28ºC e a máxima de 38,2ºC ao longo dos pontos de monitoramento. Além do monitoramento, o ICMBio tem intensificado ações de comando e controle para reduzir as pressões antrópicas sobre espécies como o peixe-boi e o pirarucu, que possuem valor econômico para as populações locais.

Essas ações são importantes, já que, além da alta temperatura dos rios e da diminuição dos habitats, a caça e a pesca representam uma das principais ameaças à sobrevivência desses animais.

“A seca também intensificou a pressão da caça dos peixes-boi, já que ficaram mais expostos e visíveis. Até mesmo os próprios botos e tucuxis foram vítimas dessa ação criminosa, considerando que eles compartilham os mesmos ambientes”, destaca Sacramento.

Em casos de morte de algum animal, o ICMBio entende que é necessário submetê-los a necropsia, a fim de investigar os reais motivos do óbito, que subsidiarão tomadas de decisão no que diz respeito à proteção e conservação das espécies envolvidas e gestão dos recursos no território ocupado por eles.

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