Especialista aponta poluição em igarapé como causa para morte de peixes
Segundo Claudemir Mesquita, mortalidade nesta região do rio Acre – onde fica a a foz do Judia – é recorrente. Lideranças ouvidas por Varadouro dizem que os primeiros peixes mortos foram localizados na “boca do igarapé” uma semana atrás. Amostras da água foram coletadas para análise. Sema, Semeia investigam. MPAC apura as responsabilidades.
Fabio Pontes
dos varadouros de Rio Branco
O despejo descontrolado e acentuado de dejetos da rede de esgoto da capital acreana dentro do igarapé Judia pode ser a causa mais provável para a mortandade de peixes observada no rio Acre ao longo desta semana. O caso veio à tona após as comunidades ribeirinhas da região do Quixadá observarem uma grande quantidade de peixes mortos boiando nas águas do manancial. Os primeiros registros começaram na sexta-feira da semana passada.
A avaliação de que um dos motivos podem vir a ser a poluição do esgoto in natura é do pesquisador e geógrafo Claudemir Mesquita, que desde a década de 1970 estuda a bacia hidrográfica do rio Acre – a mais impactada pelo desmatamento, a contaminação de dejetos e a ocupação desordenada de suas margens.
De acordo com ele, o registro de peixes encontrados mortos nesta região do manancial é recorrente. Para Mesquita, os peixes localizados pelas comunidades são oriundos do igarapé Judia, cuja foz fica ali próximo.
“A mortandade destes peixes é consequência do desleixo dos órgãos de proteção do meio ambiente. Ela é recorrente. Ela ocorre pelo acúmulo de esgoto nos igarapés e nos curtumes levados para o rio no colo das enxurradas”, afirma o cientista. Nos últimos dias, chuvas intensas atingiram Rio Branco após meses de uma seca extrema.
Lideranças comunitárias da região do Quixadá/Colibri ouvidas pela reportagem confirmaram que os primeiros peixes mortos encontrados foram na “boca do Judia”.
Em fevereiro, Varadouro esteve na região para produzir reportagem sobre os impactos dos eventos climáticos extremos sobre a segurança alimentar das comunidades ribeirinhas. Ela fica localizada nos limites entre Rio Branco e Porto Acre, formada pelas áreas dos antigos seringais Quixadá, Colibri, Bagaço e outros. Caracteriza-se por ser uma grande produtora de hortaliças, frutas e legumes.
Em entrevista à Agência de Notícias do Acre, o pescador Pedro Ferreira, morador do Ramal do Oriente, na Estrada do Quixadá, relatou ter percebido peixes mortos às margens do rio no último domingo. “Essa é a terceira vez que vejo algo assim, a primeira este ano. Os peixes começaram a aparecer aqui no domingo. Acho que a água ficou sem oxigênio, por isso está acontecendo isso”, afirmou ele.
A investigação oficial sobre o caso é conduzida pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema) e a Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semeia), além do Instituto de Meio Ambiente do Acre (Imac). Amostras da água e dos animais mortos foram coletadas e enviadas para análises em laboratório fora do estado. Apenas os resultados vão apontar a causa.
Uma equipe composta por técnicos e biólogos da Sema, Imac e da Semeia realizou uma vistoria no rio Acre na quarta-feira (9) para análises detalhadas da temperatura e qualidade da água, a fim de identificar possíveis causas do ocorrido.
“O Imac recebeu a denúncia sobre a possível mortandade de peixes na terça-feira, e hoje [quarta-feira] estabelecemos uma força-tarefa com técnicos especializados para realizar essa análise. A partir dela, poderemos identificar as possíveis causas da morte desses peixes e o prejuízo à fauna aquática”, diz Julie Messias, secretária de Meio Ambiente do estado. “Esse trabalho é fundamental para descobrirmos os fatores causadores, sejam eles poluição, alta temperatura ou baixa oxigenação da água.”
Não se sabe se os impactos da seca extrema, como o baixo nível do manancial aliado às altas temperaturas provocaram a mortalidade. No último dia 21 de setembro, o rio Acre registrou o volume mais baixo em 50 anos de medições: 1,23m. Todavia, o manancial apresenta sinais de recuperação.
Em Porto Acre ele já está acima dos 2m. Em Rio Branco, nesta sexta, 11, marca 1,43 m – redução de oito centímetros na comparação com ontem. Ao longo de todo o seu leito, ele permanece em status de alerta máximo para a seca.
O Ministério Público (MPAC), por meio da Promotoria de Justiça Especializada de Defesa do Meio Ambiente da Bacia Hidrográfica do Baixo Acre, também entrou em ação, e instaurou um inquérito civil para apurar as causas e responsabilidades pela mortandade de peixes.
Além disso, o Núcleo de Apoio Técnico (NAT), órgão auxiliar do MPAC, deverá realizar diligências no entorno da região atingida, no prazo de até 10 dias úteis, para investigar possíveis ações ou omissões que possam ter contribuído para o incidente, além de laudo técnico que avalie a qualidade da água do rio Acre.
O igarapé Judia
Assim como todos os igarapés que cruzam o perímetro urbano da capital acreana, o Judia é intensamente impactado pelo despejo de esgoto sem nenhum tipo de tratamento – igual situação sofrida pelo próprio rio Acre. Uma agressão que se arrasta há décadas. O igarapé Judia corta boa parte dos bairros do Segundo Distrito, passando pelo Belo Jardim, Recanto dos Buritis, Santa Inês e tantos outros. Até desaguar no rio Acre, vai arrastando todo o esgoto in natura.
Além do esgoto, lixo doméstico é despejado pelos moradores destas localidades. O resultado é que, a cada enxurrada que cai sobre Rio Branco, os igarapés transbordam e invadem os bairros. De 2020 para cá, a capital registrou dois grandes transbordamentos dos igarapés por causa das chuvas intensas – e consequência das agressões sofridas pelos mananciais.
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