O DIREITO DE RESPIRAR

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MPF em Rondônia aciona governo e Prefeitura de Porto Velho a indenizar vítimas do maior fumaceiro da década

Porto Velho em agosto; situação agravou-se mais em setembro, apontam órgãos fiscalizadores em ação contra o poder executivo estadual e municipal (Foto Renata Silva – News Rondônia)

Montezuma Cruz
Dos varadouros de Porto Velho

Os maiores incêndios da década começam a punir o Governo do Estado de Rondônia e a Prefeitura Municipal de Porto Velho. O Ministério Público Federal (MPF), o Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Defensoria Pública da União (DPU) querem a condenação do poder executivo e da própria União ao pagamento de indenização por dano moral individual às pessoas que comprovarem o agravamento de problemas de saúde devido à poluição do ar no período da atual crise climática. O valor será correspondente ao dano.

Atuando em diversas vertentes dos direitos difusos, eles protocolaram, esta semana, ação civil pública (nº 1015447-25.2024.4.01.4100) na Justiça Federal contra a União, o Estado de Rondônia (Amazônia Ocidental Brasileira) e o Município de Porto Velho.

O montante a ser destinado ao Fundo de Saúde Coletiva é de R$ 100 milhões. Este é o custo estimado para vigorarem medidas de prevenção e enfrentamento dos efeitos da poluição atmosférica em Rondônia (leia texto no final da matéria: Como funciona).

MPF, MPT e DPU pedem a condenação dos três entes e urgente criação de um Protocolo Emergencial Multifásico Gradual relacionado à qualidade do ar. Nota divulgada pelo MPF nesta terça-feira (8) informa que os três órgãos buscaram “amigavelmente” a elaboração de um protocolo pelo estado e o município a respeito da qualidade do ar.

Houve recomendação, mas governo e prefeitura se limitaram apenas a esclarecimentos e nenhuma ação eficaz. “(…) Inúmeras pessoas são afetadas diariamente e não há ação informativa, preventiva ou de minimizar impactos na vida e saúde das pessoas” – consideraram os três órgãos.

“Está suspensa a autorização do uso de fogo em Rondônia, pelo prazo de 90 dias, contados a partir da data de publicação do Decreto 29.428, de 28 de agosto de 2024” – determinou o governo estadual, que também promoveu reuniões de órgãos públicos. Mas já era tarde, pois o fogo alastrava-se em diversos pontos do estado, inclusive no interior do Parque Estadual de Guajará-Mirim.

No dia 29 de agosto, a concentração de material particulado no ar em Porto Velho atingia 621 microgramas por metro cúbico (µg/m3), segundo a plataforma de monitoramento da qualidade do ar IQAir. Esse índice superou o limite considerado seguro pela Organização Mundial da Saúde, que é de 45 µg/m3.

A plataforma suíça Iq AIR, respeitada em seus levantamentos e análises a cada 24 horas a serviço da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) compõe-se de um indicador formado por 12 critérios e 24 subcritérios, baseados nos elementos obrigatórios da AIR, definidos em decretos.

Cartazes e outdoors em terrenos e na internet. A Sedam divulgou pelas publicitárias alertando: “Queimadas matam” –, mesmo assim, na crise climática vivida entre os meses de agosto e setembro, Porto Velho (mais de 430 mil habitantes) “disputou” com Rio Branco (AC) no quesito de “cidade com o ar mais poluído do Brasil e, por vezes, até a mais poluída do mundo.”

Ao MPF, o governo disse ter solicitado auxílio do governo federal em 3 de setembro. Àquela altura, Rondônia já ardia fortemente. A temperatura, a fumaça e a lotação de suas unidades de saúde chegavam ao estado crítico. “O pedido governamental não tinha relação com o protocolo técnico científico para lidar com a problemática” – lamenta o órgão.

Em agosto desde ano, a poluição causada por queimadas fez Porto Velho ser comparada às piores qualidades do ar no Planeta (Foto Antônio Machado)

De sua parte, a Prefeitura de Porto Velho, município com 34 mil Km², nem sequer conseguiu responder objetivamente ao que foi recomendado. Em 25 de setembro, a União respondeu que já trabalhava em protocolos, entretanto, evidenciava que a melhoria efetiva da qualidade do ar em Rondônia e Porto Velho “estava diretamente condicionada à redução dos incêndios florestais e queimadas.

Em 27 de agosto, o superintendente estadual do Ibama, analista ambiental César Guimarães, advertia: “Porto Velho tem o ar mais poluído do mundo. A qualidade do ar na capital de Rondônia equivale a fumar cem cigarros por dia e é pior do que o ar da China, que tem sua poluição causada por grandes usinas de carvão.”

Para o MPF, houve “descaso estarrecedor das autoridades públicas para com a saúde pública da população.” Segundo o órgão, o Hospital 9 de Julho (particular) indicava naquele mês “disparada no número de atendimentos decorrentes de problemas respiratórios em aumento superior a 100% entre o começo de agosto e o dia 11 de setembro, tomando-se como referência os meses de agosto e setembro de 2022 e 2023.”

Mesmo dispondo de dados obtidos pela Secretaria Estadual, o governo rondoniense deu “tímida resposta”, não indo além de alguns informes técnicos. Já o Município de Porto Velho não emitiu nenhuma orientação até terça-feira (8), limitando-se apenas a um alerta em razão do aumento da temperatura.

Esse quadro assemelhou-se a um “salve quem puder”, avaliou um médico do serviço público, irritado com a situação e, por óbvias razões, comentando no anonimato.

Para o MPF, MPT e DPU, “entes do Executivo provocaram desinformação entre a população em meio a alta periculosidade do monóxido de carbono no ar atmosférico.” Esse fator, frisam, “se liga à hemoglobina – proteína responsável pelo transporte de oxigênio no sangue – com prejuízo à oxigenação dos tecidos do corpo, mesmo quando a pessoa respira uma quantidade suficiente de ar.”

Durante os dias de total fumaça sobre a Capital de Rondônia, foi constante a intoxicação leve em pessoas se. Elas procuraram a rede pública e hospitais e clínicas particulares reclamando de enjoos, dores de cabeça, e sonolência. De acordo com as vítimas, isso assemelhava-se a sintomas de outras doenças, entre as quais, enxaqueca, intoxicação alimentar ou por bebidas alcoólicas.

Só alerta

O boletim da Vigilância em Saúde de Populações Expostas à Poluição Atmosférica (Vigiar) orientava a população a evitar exposição à fumaça e não praticar atividades físicas ao ar livre.

Conforme o MPF, essas mesmas orientações foram repetidas em todos os boletins informativos divulgados pelo governo estadual. “Na prática, não houve suspensão de nenhuma atividade aglomerativa ao ar livre, realizadas por particulares – feiras, exposição agropecuária (em Jaru e Pimenta Bueno, na BR-364, por exemplo); shows diversos; corridas de rua (em Buritis, Jaru e Ji-Paraná, por exemplo).

O trânsito totalmente coberto pela fumaça: cenário de agosto e setembro em Porto Velho (Foto Ésio Mendes – Secom-RO)

Jogos na fumaça

Competições extenuantes ao ar livre (atletismo, por exemplo) aconteceram em Cacoal, a 500 quilômetros de Porto Velho. Entre elas, os Jogos Intermunicipais, onde o governo estadual investiu mais de R$ 1 milhão, entre 20 e 22 de setembro.

Naquele período, o próprio governo dava mão à palmatória, divulgando o Boletim Informativo Vigiar 8, segundo o qual a qualidade do ar estava irrespirável, variando de moderada a ruim e muito ruim naquele período, em todo o estado.

“Além de não determinar à iniciativa privada a restrição de atividades que possam colocar em risco a vida e saúde da população, o próprio estado, diretamente, fomentou a participação das pessoas em atividades físicas ao ar livre, com competições, inclusive, de caráter extenuante, sem falar no dispêndio de recursos públicos para tal finalidade, quando o consenso científico, que o próprio Estado publica, recomenda o contrário. […] Pessoas estão padecendo sem acesso à informação e orientações adequadas e a ações minimizantes do Poder Público em tempo hábil”, apontaram os órgãos fiscalizadores na ação.

Assinam a ação civil pública os procuradores da República Raphael Bevilaqua, Gabriel de Amorim e Thiago Fernandes de Figueiredo Carvalho, os procuradores do Trabalho Camilla Holanda Mendes da Rocha e Carlos Alberto Lopes de Oliveira e o defensor público federal Thiago Roberto Mioto.

COMO FUNCIONA

O protocolo a ser criado pela União, Estado de Rondônia e Prefeitura de Porto Velho deve considerar a qualidade do ar para avaliar, recomendar ou determinar adoção de medidas:

Uso de máscaras (NR95 e PFF2, as únicas recomendadas) em locais públicos e privados;
Teletrabalho;
Suspensão de atividades não essenciais;
Fornecimento de equipamentos de proteção individual (EPI): máscaras, óculos de proteção etc., a servidores públicos e determinação para que empresas e entidades privadas forneçam o EPI a seus trabalhadores;
Suspensão de qualquer atividade não essencial, mesmo que com uso de EPI, dependendo do grau de poluição;
Suspensão de autorização para realização de atividades aglomerativas (shows, corridas de rua, festivais etc.);
Informativos oficiais de orientações gerais à população para minimizar os impactos na vida e saúde das pessoas; regras gerais a outros municípios, considerando o nível de qualidade do ar atmosférico em cada um;
Atualização constante do protocolo, com orientações adequadas à população e designação automática de servidores para teletrabalho a partir de determinado índice de poluição, não autorização de eventos aglomerativos, determinação de uso de máscaras em locais públicos e privados, suspensão de aulas etc.

NOTA
Atualizada em 13 de outubro de 2024, às 9h31.

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