“Ninguém vê a cara do Sol, mas está quente*”

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Por Joely Coelho Santiago
dos varadouros de Rio Branco


Estamos em um período de grandes desafios para a humanidade: as queimadas, cujas ganham notoriedade nos noticiários e nos programas audiovisuais, em geral. Lembremo-nos dos compositores Agnaldo Batista e Luiz Gonzaga1 (1989) quando alertaram: “Não posso respirar / Não posso mais nadar / A terra está morrendo / Não dá mais pra plantar / Se plantar não nasce / E se nascer não dá […]”. O resultado de toda essa mortandade não poderia ser diferente: um sol e uma lua alaranjados/avermelhados que muito mostram o nível do ar que estamos respirando.

Basta olhar para o céu para constatar que: “ninguém vê a cara do sol, mas está quente”. Sentimos a quentura do tempo na respiração, na pele, no abafado pós-chuva; seja de dia, seja de noite, a sensação térmica é a mesma. Sabemos o quão diversa e rica é a fauna e a flora nas e das Amazônias, e ver tudo isso se transformando em cinza e fuligem é como assistir de camarote milhares de vidas pedindo socorro.

Muitas dessas vidas, em extinção, nos faz refletir acerca dos rumos que a sociedade segue onde as relações de trabalho, o aumento da capacidade produtiva e o consumo industrializado tem se mostrado um campo fértil, ao que me parece, legitimar o agronegócio. “O que será deste Planeta azul?” questiona Chitãozinho e Xororó (1991), na letra de música dos compositores Durval de Lima e Aldemir Emídio de Souza2: “[…] O rio que desce as encostas / Já quase sem vida, parece que chora / Num triste lamento das águas / Ao ver devastada a fauna e a flora […]”.

O que será deste “Planeta azul”? O que será disto conhecido, mundialmente, como “Pulmão do mundo”? É oportuno mencionar que, apesar de todas as pessoas sofrerem com a consequência das queimadas, esse impacto não atinge a todos de forma igual. O processo de discriminação que a população periferizada e/ou indígena, sobretudo a população negra, vivencia é extremamente desigual com a secura dos rios e a poluição ambiental, pois é a maior parcela da população que ocupa trabalhos na quentura do asfaltamento de ruas, nas construções civis, nas cozinhas, nos lixões e nas limpezas de ruas.

As orientações advertem cuidados que devemos ter com a saúde durante as queimadas, tais como “aumentar o consumo de água, ficar em ambientes fechados com ar condicionado e filtro de ar, evitar atividades ao ar livre, usar máscara PFF 2 ou N 95”. Não obstante, fica a “tarefa para casa”: como a população nos sub trabalhos consegue, por exemplo, “se manter em ambiente fechado com ar condicionado” quando a sobrevivência pelo pão de cada dia e o pagamento de contas mensais de água, energia e aluguel falam mais alto?


* O título deste artigo foi extraído de uma conversa informal com Maria das Neves, 89 anos de idade; naturalizada no Seringal Boa Vida, no Vale do Guaporé-RO.

1 – Xote ecológico. Disponível Aqui

2 – Planeta Azul. Disponível Aqui

FILGUEIRA, André Luiz de Souza. Racismo Ambiental, Cidadania e Biopolítica: considerações gerais em torno de espacialidades racializadas. Ateliê Geográfico, 2021. Disponível aqui. Acesso em: 18 set. 2024.



Joely Coelho Santiago

Quilombola de Pedras Negras, no Vale do Guaporé-RO. Doutoranda em Letras: Linguagem e Identidade (PPGLI/Ufac). Mestrado em História e Estudos Culturais (Unir, 2019). Licenciatura em Letras e suas respectivas Literaturas (Unir, 2016). Licenciatura em História (Centro Universitário Faveni, 2022). Pesquisadora no Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas da Universidade Federal do Acre (Neabi/Ufac) e no Grupo de Estudos e Pesquisas Culturalidades e Historicidades Africanas e da Diáspora Negra (Chade). Integrante no Projeto de Extensão “Samaúma Vivificante: o bem o bem viver e a educação feminina de(s)colonial”.

E-mail: joely.santiago@sou.ufac.br

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