Erosão e salinização ameaçam a sobrevivência e o modo de vida tradicional de ribeirinhos no Amapá
Arquipélago corre risco de sumir do mapa; Cubana, uma vila de 40 casas, foi totalmente destruída. Situação é agravada pela omissão do poder público em auxiliar as famílias e mitigar impactos da erosão e da salinização da foz do Amazonas.
Domiciano Gomes*
dos varadouros de Macapá
De acordo com levantamento dos próprios moradores e de lideranças comunitárias do arquipélago do Bailique, cerca de mil residências e seis escolas já foram destruídas pelas erosões na região, desde o início do fenômeno que ficou conhecido como “terras caídas”. Os dados em relação ao número de casas, correspondem ao período de 2015 a 2019, portanto o número atual de residências destruídas é bem maior.
Atualmente vivem aproximadamente 13 mil ribeirinhos no Arquipélago, que fica distante 180 quilômetros de Macapá. São 57 comunidades banhadas pelo rio Amazonas, com acesso apenas por via fluvial. O conjunto de oito ilhas sofre com dois problemas graves: a erosão de terras e a salinização da água doce. Os fenômenos vêm interferindo diretamente na vida das comunidades, alterando o aspecto geográfico da região, gerando incontáveis prejuízos aos ribeirinhos e provocando o êxodo forçado de diversas famílias para outras regiões do Estado, principalmente para a periferia de Macapá.
“Teve gente que tinha um pequeno comércio e perdeu tudo. Outros perderam o pouco que tinham e ficaram sem nada. Essa gente toda saiu da região e agora vive em condições precárias, sem emprego e passando dificuldades” afirma o líder comunitário Paulo Rocha. Segundo ele, mais de 20% da população do arquipélago já deixou a região.
Assim como nas demais regiões da Amazônia, no arquipélago as casas são construídas às margens dos rios que servem de “ruas” para o deslocamento das embarcações. Com o aumento do fenômeno, o impacto das erosões chegou de imediato às casas. Nas comunidades de Macedônia e Vila Progresso, as duas maiores da região, diversas casas e até mesmo a Escola Bosque, que já foi referência em educação no arquipélago, foi quase toda destruída.
A região é formada por vilas de moradores. Cubana, uma das mais antigas da região, foi totalmente destruída pela erosão, e simplesmente deixou de existir. Na vila havia cerca de 40 casas, todas destruídas pelo fenômeno. Ponta da Esperança, Itamatatuba e São Pedro são outras vilas onde a população enfrenta os impactos a cada ano e sofre com perdas constantes.
O arquipélago do Bailique fica na foz do rio Amazonas, e é composto por oito ilhas: Bailique, Brigue, Curuá, Faustino, Franco, Igarapé do Meio, Marinheiro e Parazinho. As localidades com mais residentes são Limão do Curuá, Itamatatuba, Ipixuna Miranda e São Raimundo.
Na região, a paisagem é desoladora, não apenas pelas casas abandonadas, mas pelo perigo de navegação por conta de grandes árvores, derrubadas pela erosão. Pequenas embarcações têm dificuldade de fazer a travessia. Navios comerciais e de transporte de passageiros utilizam outro caminho rio adentro, mas essa viagem pode durar em média 12 horas.
Em toda a extensão do arquipélago há casas com risco de desabar, ou que o proprietário já precisou derrubar e construir novamente. Esse é o caso de Frorivaldo Mota Rocha, líder comunitário e ex-presidente da Colônia de Pescadores do Bailique. Ele disse ao ConectAmapá que já precisou reconstruir quatro vezes a casa onde reside com a família. “Sempre que a erosão avança derrubamos a casa e construímos mais para dentro”. A alternativa encontrada por Florisvaldo é a mesma de muitos moradores.
O risco ambiental é outra questão a ser enfrentada. O camarão e os peixes de água doce podem não se adequar à quantidade de sal presente no rio, assim como perda da biodiversidade, flora e fauna. Antes, rica na pesca de camarão, hoje a região sofre com a falta do crustáceo. As plantas nativas, como o açaí, também podem ser prejudicadas por não estarem acostumadas ao novo dinamismo de um ambiente salinizado.
“Além do problema social, o problema ambiental é outra situação que terá graves impactos se nada for feito”, afirma Florisvaldo. Para o líder comunitário, a omissão do poder público é motivo de revolta da população que se sente abandonada. Moradores temem ficar sem condições de sobrevivência no local.
“Nenhuma casa ou escola destruída foi reconstruída pelo poder público. Inclusive algumas escolas deixaram de existir” relatou Paulo Rocha, lembrando que por mais de três vezes já foi decretado estado de emergência, porém o único auxílio levado à comunidade foram cestas básicas.
Sem nenhum apoio do poder público federal, estadual e municipal os moradores cobram uma solução definitiva para os diversos problemas das comunidades. Enquanto isso não acontece, a vida no Bailique permanece difícil e sem perspectiva de melhorar, correndo o risco de sumir do mapa.
*Reportagem publicada originalmente no site ConectAmapá e compartilhada pelo autor com Varadouro.