A semana que marca o Dia da Amazônia foi emblemática para nós acreanos. Tinha tudo para ser uma data de celebrações e reforçar nossa luta de defesa pela floresta – uma floresta que nos mantém vivos.
Mas eis que não.
A decisão do desgoverno de Gladson Cameli (PP) de realizar a feira agropecuária do boi, a Expoacre, bem na semana da Amazônia, representa uma excrescência com a nossa história enquanto um povo e um estado nascido da floresta. A jagunçada com sua boiada e pangarés invadiram as avenidas e varadouros.
Celebrar a Amazônia?
Para o atual grupo político no poder, floresta boa é floresta transformada em pasto. Foi por isso que eles trabalharam durante quatro anos (2019-2022). Por mais que hoje Gladson Cameli tente posar de bom mocinho do meio ambiente, o seu rastro de devastação salta aos olhos.
Ele abriu as porteiras para a boiada passar, e ainda jogou a gasolina e acendeu o fósforo para queimar a mata. Basta olharmos os dados do Inpe sobre o legado de seu primeiro mandato para a Amazônia. E basta também fazer uma pesquisa aqui nas páginas digitais de seu jornal das selvas.
Aliás, precisamos lembrar: a região amazônica é um fértil território do bolsonarismo. As forças políticas tidas conservadoras, representadas pelas igrejas neopentecostais, estão fincadas no poder – e não há perspectivas de lá saírem.
A mesma jagunçada que, décadas atrás, expulsou seringueiros e indígenas de seus territórios, invadiu as ruas da capital com seus pangarés para celebrar o “progresso” do agro.
Dias depois, o “progresso do agro” mostrou a sua cara: a capital acreana ficou tomada pela fumaça das queimadas. Ficamos sufocados. Dor de cabeça, náuseas, dificuldade de respirar, fraqueza. São alguns dos sintomas proporcionados pela Expoacre – invisibilizada pela poluição da fumaça tóxica.
É fato que o fumaceiro não era só made in Acre. Tinha muita poluição vinda da Bolívia e da região sudeste da Amazônia trazida pelas correntes de ar. De Norte a Sul, de leste a oeste, o Brasil está em chamas.
Até agosto, já são quase 70 mil hectares de áreas queimadas no Acre. Destes, 800 estão em floresta fechada – os incêndios florestais. Às vésperas do Dia da Amazônia, o fogo adentrou nas matas do Parque Nacional da Serra do Divisor. O ICMBio foi pego de saia-justa. A instituição não conta com brigadistas no Vale do Juruá, a região hoje mais pressionada pelo avanço do agronegócio.
A marcha para o oeste do desmatamento e do fogo vai sem nenhuma dificuldade pela asfaltada BR-364. Foi no meio deste caminho, lá em Sena Madureira, em março de 2019, que Gladson Cameli abriu a porteira para a boiada passar e tocou fogo na Amazônia ao desmoralizar o Imac: “Não paguem as multas do Imac, porque agora quem tá mandando sou eu”.
Para agravar o cenário, uma grave crise climática impacta as nossas vidas. Do Alto Acre ao Alto Juruá (e suas partes mais baixas) a situação é dramática. Rios e igarapés secaram. Comunidades do Alto Juruá, em Marechal Thaumaturgo, estão isoladas. Suas seguranças hídrica e alimentar estão em risco.
Enfim, este é o cenário da nossa Amazônia em sua Semana da Amazônia. Nossos ambientes políticos e naturais estão catastróficos. Não sei se temos muito a celebrar. O Dia da Amazônia exige muito mais ações ativas do que discursos e retórica. Disto já estamos fartos.
Não funciona aqui estas políticas vinda de cima pra baixo, de fora pra dentro. Enquanto as populações da floresta não forem de fato incluídas nos processos, o Dia da Amazônia continuará para lamentações – e falo isso com muito pesar.
Enquanto um jornalista amazônida – acreano do pé rachado – gostaria muito de escrever sobre coisas boas da minha região. Porém, o cenário não nos é propício. Gostaria de escrever sobre uma Amazônia menos injusta e pobre, onde não houvesse tanta concentração de renda nas mãos de uma elite retrógrada.
De uma Amazônia com as periferias de nossas cidades livres das facções criminosas, que hoje dominam o território. Uma Amazônia onde agosto e setembro não representam um tormento por causa das queimadas. Uma Amazônia onde o esgoto de nossas cidades nunca mais fosse jogado nos rios e igarapés sem nenhum tipo de tratamento.
Uma Amazônia onde a floresta fosse vista como um ativo econômico capaz de gerar renda e qualidade de vida às nossas populações – urbanas e rurais.
Utopia? Não sei.
Vamos aguardar a próxima Semana da Amazônia de 2025.
Espero que sem jagunçada pelas ruas e sem fumaça nas nossas ventas.