Fogo ameaça áreas mais preservadas da Amazônia
Cruzeiro do Sul é o terceiro município que mais queimou em 2024. Das três UCs federais com mais detecções de fogo, duas estão no Vale do Juruá. A região concentra uma das maiores áreas de floresta preservada do bioma amazônico e está bastante pressionada pela “marcha para o oeste” do agronegócio acreano.
Fabio Pontes
dos varadouros de Rio Branco
O fim de semana da transição entre os meses de agosto e setembro voltou a ser marcado pelo aumento dos focos de queimadas no Acre e em muitas partes da Amazônia. Além das tradicionais queimas para a limpeza de pastos e roçados, diversos incêndios florestais foram relatados, como mostrou Varadouro no sábado (31). A invasão do fogo em área de floresta fechada no Parque Nacional da Serra do Divisor, em Mâncio Lima foi gravíssima. O fogo também ocorreu dentro da Reserva Extrativista (Resex) Chico Mendes, em Assis Brasil, e na Floresta Estadual do Antimary, em Sena Madureira.
Dados de agosto do programa BD Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), mostram os municípios da região oeste acreana, formada pelos Vales do Envira/Tarauacá e do Juruá, como os recordistas em detecções de focos de calor em 2024 – repetindo o comportamento de anos anteriores. O cenário é de alerta máximo por estas áreas ainda possuírem as maiores e mais bem preservadas áreas de Floresta Amazônica.
Do começo de janeiro ao primeiro dia de setembro, o Acre tem captado focos de queimadas pelas imagens de satélite 3034. Houve elevação de 47%, comparando-se com igual período de 2023, quando o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais detectou 1.877 pontos de calor em território acreano.
Os quatro municípios campeões em queimadas são: Feijó (763 F), Tarauacá (484 F), Cruzeiro do Sul (356 F) e Manoel Urbano (275 F). Chama a atenção justamente a presença de Cruzeiro do Sul entre os líderes do ranking do fogo. Até pouco tempo atrás, o principal município do Vale do Juruá passava despercebido quando o tema era a devastação da floresta no Acre. Todavia, desde 2019, essa realidade mudou.
Aos poucos é possível perceber o avanço da rota da devastação ao longo do traçado da BR-364, entre Rio Branco e Cruzeiro do Sul. Se antes as maiores taxas de desmatamento e queimadas estavam concentradas entre Sena Madureira a Tarauacá, agora os impactos parecem ter se consolidado no Vale do Juruá. Ano passado, reportagem do Varadouro apontava que nem mesmo o Alto Juruá está protegido do avanço das derrubadas e do fogo.
O desmonte das políticas ambientais promovido pela dobradinha Gladson Cameli/Jair Bolsonaro entre 2019 e 2022 pode ser uma das causas para a mudança de rota da devastação da Amazônia para a expansão da agropecuária. Em entrevista ao Varadouro no início do ano, o sociólogo Afonso Chagas, da Universidade Federal de Rondônia (Unir) já avaliava: Os Vales do Purus e Juruá são as ambições para o avanço da fronteira do agronegócio na Amazônia Ocidental.
Se antes as maiores taxas de queimadas no Acre estavam centradas em sua porção leste – onde hoje está consolidada a atividade da pecuária e da monocultura por grandes propriedades – a motosserra e o fogo caminham numa devastadora marcha ao oeste. Para complicar, projetos de abertura de estradas no Vale do Juruá aumentam as pressões.
Onde está o fogo?
De acordo com os estudos elaborados pelo Laboratório de Geoprocessamento Aplicado ao Meio Ambiente (Labgama), da Ufac em Cruzeiro do Sul, 25% dos quase 33 mil hectares de cicatrizes de queimadas, registradas até a primeira metade de agosto, ocorreram em áreas de recente desmatamento (dois anos). Ou seja, parte da floresta que foi levada ao chão no passado, agora é incendiada para, no lugar, entrar o capim.
Os demais 75% são em regiões já consolidadas pela atividade agropecuária – a tradicional queima para limpar pastagens e roçados. Com o cenário de uma crise climática que faz os verões amazônicos estarem mais intensos e prolongados, estas queimadas acabam saindo do controle e adentram na floresta – como aconteceu sábado no Parna da Serra do Divisor.
Ao longo de 2024, a unidade de conservação é a quarta (entre as federais) com mais registro de queimadas no Acre: 35 focos até primeiro de setembro. As três primeiras são todas reservas extrativistas a Chico Mendes (96 F), a Alto Juruá (40) e a do Riozinho da Liberdade (39 F). As duas últimas, bom ressaltar, são áreas protegidas no Vale do Juruá – a nova frente de expansão do agronegócio acreano.