Aos 35 anos, Projeto Reca é um oásis na sofrida Zona Amacro
Localizado numa das regiões mais pressionadas pelo agronegócio e sobrevivendo com muita garra, o Projeto RECA completa 35 anos com trezentas famílias cooperadas. Com práticas sustentáveis, a iniciativa proporciona valor e mercado à produção.
Montezuma Cruz
Dos varadouros de Porto Velho
Sem agredir o ambiente, o Projeto RECA (Reflorestamento Econômico Consorciado e Adensado) comemora a resistência da agricultura familiar para o fomento de políticas públicas no distrito de Nova Califórnia, em Porto Velho. Esse momento especial coincide com a expansão desenfreada do plantio de grãos em Rondônia e no Acre, e sob as consequências do maior fumaceiro de queimadas ardendo no ar irrespirável da Amazônia Ocidental Brasileira.
Os plantios no modelo dos Sistemas Agroflorestais (SAFs) resultam em mais de 40 espécies
de árvores e plantas frutíferas a espécies de madeira e medicinais. É uma notável diversidade: bacaba, copaíba, sangue de dragão, rambotã, seringa e outras espécies. Da mesma forma, destaca-se no conhecimento do público consumidor, em menor proporção: abacaxi, acerola, doces, geleias, goiabas, licores e mel.
Na Ponta do Abunã, a vila Nova Califórnia situa-se na área que pode ser chamada “coração da Zona Amacro”, a conturbada tríplice divisa entre os estados do Acre, Rondônia e Amazonas.
Ao norte está o município amazonense de Lábrea, a oeste Acrelândia e ao sul a Bolívia. Junto com as vilas Extrema e Vista Alegre do Abunã constitui um conjunto de pequenos distritos da Capital rondoniense.
A intensa atividade do agronegócio torna a região uma das mais impactadas pelo desmatamento, as queimadas e os conflitos fundiários.
Em meio a um ambiente conflagrado, os agricultores familiares e extrativistas do Projeto RECA resistem mostrando que é possível, sim, manter uma produção agrícola sustentável na Amazônia. Com a recuperação de áreas degradadas e a adoção de SAFs, as famílias agregam valor à sua produção e protegem os roçados contra os efeitos das mudanças climáticas.
Do Acre e de Rondônia até o Rio de Janeiro, alguns mercados já sabem de onde vem o melhor palmito, por exemplo. É o que se vê no Mercado Municipal de Campo Grande (MS), onde os produtos Reca são tão procurados quanto os da Colônia Jamic, tradicional fornecedora regional.
O projeto reúne atualmente trezentas famílias distribuídas em dez grupos de cooperados com ativa participação no plantio, colheita e negócios. A representação dos grupos respeita a liderança e coordenação perlas pessoas, com revezamento a cada dois anos.
Nesse lugar, a conservação ambiental há tempos se tornou a regra número um para pequenos produtores conscientes e cooperativados.
Sérgio Lopes, fundador e produtor, celebra a organização: “O grande sucesso do Reca se dá pela interatividade e pela ocupação do solo (mil hectares) sem impactar a natureza; as pessoas deram conta de fazer a união da ocupação produtiva e empresarial”, ele diz ao Varadouro.
“Tanto funcionou, deu tão certo que não conseguimos atender a todos os contratos de vendas de produtos tão nobres”, assinala Lopes.
“O cupuaçu é um exemplo: obtemos duas mil toneladas por safra, e dele extraímos a manteiga; a linha artesanal de licores e remédios também se destaca.”
No Projeto Reca evitou-se o caos destruidor de terras vizinhas que cederam à expansão da pecuária e da soja. Tudo com inteligência, sem o risco da destrambelhada expansão da monocultura que caracteriza os grãos destinados à exportação. Este é o triste exemplo da antítese do que se faz no Reca, onde a opção pelo extrativismo deu oportunidade de ascensão social a centenas de pessoas.
A Secretaria Estadual de Agricultura em Rondônia possui Câmaras Técnicas do leite, café, carne e de grãos, mas, incrivelmente, nunca decidiu criar a Câmara do Extrativismo. Com isso, perde a cada ano nos segmentos de castanha e do látex.
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Parcerias, a grande alavanca
Não muito distante dali, ao lado de uma rodovia estadual que liga Candeias do Jamari e Itapuã do Oeste ao distrito de Triunfo, uma imensa área de floresta nativa foi derrubada em 2021, abrindo-se no chão arado uma imensidão de soja.
Segundo Lopes, o RECA desenvolveu diversos projetos com parceiros nacionais e internacionais. “São parcerias, geralmente técnicas, que proporcionam capacitação para melhoria do manejo de SAFs, formação técnica das famílias de agricultores, educação para as crianças, certificações e comercialização.
Tamanha fortaleza de resultados trouxe à região nestes 35 anos de existência visitantes do Brasil e do mundo, desde estudantes de diversos países. “Vieram pesquisar para suas teses acadêmicas de mestrado e doutorado”, diz Lopes.
Qual a missão do RECA?
“Ser uma organização social, produtiva e de base familiar comunitária, referência pelo seu jeito de caminhar solidário que promove a sustentabilidade e o bem viver respeitando a sociobiodiversidade da Amazônia. Contribuindo para uma sociedade mais humana e justa.”
Ao longo dos anos, o projeto trouxe para Nova Califórnia o apoio dos seguintes parceiros:
Amigos da Terra
Agência de Cooperação Técnica do Governo Alemão (GIZ)
Banco do Brasil e
Comissão Pastoral da Terra (CPT)
Comitê Católico Contra Fome para o Desenvolvimento no Mundo (CCFD)
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa Acre)
Grupo de Pesquisa e Extensão dos Sistemas Agroflorestais do Acre (Pesacre)
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia
Movimento Leigo para América Latina (MLA), da Itália
Ministério do Meio Ambiente
Projeto de Desenvolvimento da Amazônia (PDA)
O RECA também se consolida pela incorporação da experiência e dedicação de famílias de agricultores migrantes vindas de diversos municípios brasileiros.
No começo, em 1989, faltava infraestrutura, amparo às famílias pioneiras, quase todas vítimas da malária que incluiu alguns lugares de Rondônia entre os maiores surtos da doença no mundo. Os índices de Ariquemes e Jaru, por exemplo, comparavam-se aos de países africanos.
Primeiros duzentos hectares
Nos 35 anos, o projeto traz à memória o trabalho de Dom Moacyr Grechi, falecido bispo da antiga Prelazia Acre Purus e arcebispo diocesano de Porto Velho. A ideia foi levada para ele e sua aceitação possibilitou rapidamente os primeiros passos. “Dom Moacyr nos colocou em contato com o Centro de Estatística Religiosa e Investigação Social, no Rio de Janeiro, e recebemos ajuda na reformulação”, conta Lopes.
Graças ao bispo, o projeto entendeu-se com a instituição católica holandesa CEBEMO (para cofinanciamento de programas de desenvolvimento), e a proposta fora aprovada. Atualmente, a também holandesa Cordaid (organização de ajuda emergencial) dá seu apoio.
E assim foram cultivados os primeiros duzentos hectares de castanha, cupuaçu e pupunha. “Hoje produzimos frutos o ano inteiro”, informa Lopes.
“Com o crescimento das famílias nos sentimos em casa em Nova Califórnia; respeitamos a Amazônia, e isso nos garante a produção o ano todo e a preservação da biodiversidade”, ele acrescenta.
“Ao conhecer o Projeto e a cidade de Nova Califórnia pude instalar uma agência do Beron naquela localidade; na visita, aprendi a respeitar o RECA por sua envergadura social, ambiental e econômica”, lembra-se o ex-presidente do extinto Banco do Estado de Rondônia, Paulo Saldanha.
O RECA no Youtube:
Produção
Processamento de mais de dois milhões de quilos de frutos:
∎ Mais de 450 mil quilos de polpa de cupuaçu
∎ Mais de 180 mil quilos de polpa de açaí
∎ Mais de 100 mil quilos de amêndoas secas de castanha-do-brasil
∎ 10 mil quilos de óleo de castanha-do-brasil
∎ 120 mil quilos de amêndoas de cupuaçu fermentadas e secas
∎ 40 mil quilos de manteiga de cupuaçu
∎ Cerca de 90 mil quilos de palmito de pupunha em conserva
∎ Mais de 30 mil quilos de sementes de pupunha lisa tratadas
∎ Mais 2 mil quilos de óleo de andiroba
Fale com o RECA:
Telefone 1: +55 (69) 3253-1007
Telefone 2: +55 (69) 3253-1046
E-mail: projetoreca@yahoo.com.br
WhatsApp: +55 (69) 98471-0234
Youtube: Projeto Reca