Rádio Varadouro nasce para fortalecer a comunicação com as comunidades da floresta
Após consolidar sua produção jornalística por reportagens escritas de um ano para cá, Varadouro dedica esforços para a geração de conteúdo audiovisual feito para e com as comunidades da Amazônia. O objetivo é fazer uso da forma mais tradicional de comunicação na região, a oralidade, para envolver as comunidades nas questões que impactam suas relações com o território, além de combater a desinformação.
Dos varadouros de Rio Branco e Manaus
Atento aos movimentos dos processos comunicativos atuais e às formas de consumo de notícias pelas populações da Amazônia, o Varadouro inicia uma nova etapa na produção de conteúdo jornalístico diferenciado: a Rádio Varadouro nasce com o propósito de utilizar os recursos audiovisuais voltados para conteúdo de interesse dos povos tradicionais. O jornal das selvas passa a produzir e a distribuir informação de forma eficaz e acessível para os territórios em que realiza cobertura jornalística.
Para isso, a Rádio Varadouro recorre a um meio tradicional de comunicação dos povos da floresta, a oralidade, associada aos novos canais de disseminação de notícias: as redes sociais.
“Desde a sua fundação, nos anos 1970, Varadouro teve como princípio fazer jornalismo para a Amazônia. Neste retorno no Século 21 não poderia ser diferente. A criação da Rádio Varadouro é a nossa adaptação a uma nova realidade de consumo de notícias pelas populações tradicionais. Hoje o Whatsapp é o principal meio delas enviarem e receberem informações, incluindo fake news, infelizmente”, diz Fabio Pontes, editor-executivo do Varadouro.
De acordo com ele, um dos principais objetivos da Rádio Varadouro é combater a desinformação sobre temas relacionados à Amazônia entre as comunidades locais. Em uma região dominada por elites políticas e econômicas que propagam a narrativa de que a preservação ambiental é o oposto do crescimento econômico, onde sempre colocam a manutenção da floresta em pé como culpada pelos índices de pobreza regionais, fazer um debate à luz da razão e incorporar as comunidades, se faz urgente.
Além disso, a região amazônica é hoje uma das mais impactadas pela crise climática. Ano após ano, grandes alagações e secas extremas comprometem a segurança hídrica e alimentar das populações. Enquanto isso, localmente, prevalece o negacionismo climático em meio a essa mesma consolidação da extrema-direita e de forças política-religiosas ditas “conservadoras”. Envolver a sociedade local no debate sobre o “novo normal” do clima é outro desafio da Rádio Varadouro.
“Enquanto jornalista amazônida, sempre me incomodou o fato de notícias sobre a Amazônia serem voltadas somente para um público fora da região. As populações sempre são vistas como exemplos, números, dados, no máximo umas aspas. Sempre estão invisibilizadas Queremos trazer as comunidades para dentro do debate, mostrar que elas são parte da solução, e não do problema. Queremos que sejam suas próprias vozes”, ressalta Pontes.
Ele joga luz sobre a importância e o papel desempenhado por veículos menores, que praticam jornalismo independente, para produção do impacto direto no território. “As reportagens ‘superespeciais’, cheias de gráficos e imagens chocantes, servem ao propósito de denúncia e de olhar micro para a situação. Há sempre uma miopia sobre a Amazônia. O que não falta no Brasil e no mundo são notícias sobre a Amazônia. Mas, aqui dentro, a maioria das pessoas não se vê representada nesse âmbito.”
Segundo Fábio Pontes, a percepção sobre a necessidade de produzir conteúdo jornalístico diferenciado para os povos da floresta se deu a partir de suas muitas interações e imersões pelos interiores do Acre.
“A minha experiência de fazer jornalismo na Amazônia me permite viajar muito. Vou às aldeias, aos seringais, às colônias. De uma década pra cá, a relação destas comunidades com a informação mudou drasticamente. Hoje, quase todas elas já têm acesso à internet e todo mundo tem um smartphone na mão. E é assim que elas sabem do que está acontecendo no mundo, muitas vezes recebendo informações falsas espalhadas por quem financia a desinformação”, ele diz.
Coordenadora da Rádio Varadouro, a jornalista Steffanie Schmidt também faz essa mesma análise sobre a forma como hoje as notícias são consumidas nos interiores da Amazônia. Para ela, um dos desafios do novo produto do Varadouro é produzir conteúdo capaz de proporcionar uma identificação com as comunidades, no qual elas possam se sentir representadas.
“Trabalhando na cobertura jornalística dos territórios amazônicos e participando de encontros e experiências com os povos tradicionais, percebemos, ao longo dos anos, uma lacuna de acesso à informação que fosse de interesse desses territórios; que trouxesse, a partir da forma e do conteúdo, algo com que eles se identificassem, que os fizessem se sentir representados por aquele retrato, aquela cobertura”, avalia.
“Observamos, ainda, que essa lacuna era vorazmente preenchida por conteúdos pautados na perspectiva do ‘agro que é pop’, ‘do progresso que é necessário’, sem uma reflexão, sem um contraponto, principalmente porque essa narrativa é a predominante nos veículos locais que operam em um sistema de guerrilha, servindo a interesses vários, que divergem dos reais interesses dessas comunidades, até porque elas não estão sendo ouvidas”, completa a jornalista, colaboradora do Varadouro em Manaus.
“Foi aí que veio o resgate do Varadouro como um espaço para que fosse o palco para essas vozes, que não encontra espaço hoje no jornalismo da grande mídia. Esse trabalho, desde o início, foi pensado para que pudesse retornar para as próprias comunidades, reverberando os problemas, as soluções, as reflexões partilhadas nesse espaço, principalmente na região denominada Amacro, a última fronteira de interesse do agro, na confluência dos estados do Amazonas, Acre e Rondônia.”
Desafios
Como destaca Steffanie, ao retomar suas atividades, em julho de 2023, Varadouro teve sua produção voltada para reportagens textuais. A falta de recursos e de apoio financeiro limitavam – e ainda limitam – a produção de conteúdo audiovisual por demandar o uso de ferramentas, equipamentos e recursos humanos de elevados custos. Mesmo com essas limitações, lembra ela, a equipe sempre foi consciente da necessidade de se fazer jornalismo para e com as populações locais.
A equipe do Varadouro iniciou a produção de conteúdo jornalístico textual e, no decorrer do processo, percebeu que ele teria maior conexão e engajamento se fosse por meio de áudio, seja pela questão da conectividade, seja pela identificação com a oralidade como forma natural de comunicação. A partir disso, essa ideia passou a ser a base de projetos de mentoria em que a equipe se candidatou, sendo um deles a capitaneada pelo Correio Sabiá, por meio do projeto “Um voo na Amazônia”.
“Conseguimos desenvolver a ideia, passando pelas fases de discussão, troca de percepções entre os mentorados de outros projetos, escuta das comunidades e desenvolvimento do um exemplar, um ‘mínimo produto viável’ (Mvp), utilizando metodologias aplicadas a start ups e voltadas à comunicação, que foram conduzidas a partir da habilidade e expertise do Maurício Ferro. Isso ajudou a construir uma nova perspectiva pra gente”, avalia a jornalista Steffanie Schmidt.
Outra parte da equipe seguiu em outras frentes de mentoria, como a do Google Startups Lab 2024. Durante uma semana em São Paulo, o editor-executivo Fábio Pontes fez uma imersão exclusiva, onde foi desafiado a tirar do papel a ideia da Rádio Varadouro. Este processo foi construído junto com a comunidade, ouvindo as lideranças, fazendo ligações, enviando e recebendo zaps.
“Desta forma somamos os conhecimentos e esforços para lançarmos o primeiro episódio da Rádio Varadouro. Uma longa caminhada que reflete o compromisso com o jornalismo, com a informação e, principalmente, com a Amazônia e seus povos”, ressalta Steffanie Schmidt.
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