Artigo escrito por Joely do Rio*
Princípio ativo: Barro quente extraído do fogão de barro e sal de cozinha
Indicação: Mulheres, sob cuidados de mulheres parteiras, nas Amazônias e nos Brasis.
Composição: Cada gota do Chá de Serragem contém memória, ancestralidade e sabedoria.
Hipóteses diagnósticas: Desconfortos pós-trabalho de parto, coágulos; incômodos no pé da barriga, moleza e febre quando combinados entre si favorecem a indicação do Chá de Serragem em doses diárias por, no mínimo, sete dias.
Advertência: Exposição excessiva ao sol, trabalhos domésticos, relações carnais e alimentação remosa podem cortar os efeitos do Chá de Serragem, além de causar baixa produção de leite materno e, no caso das crianças recém-nascidas, moleira funda e vento caído.
Posologia: O Chá de Serragem deve ser ministrado de acordo com as prescrições feitas pela parteira de cada região, com necessidades e respostas clínicas de cada parturiente. Em síntese, três xícaras preparadas em água fervente que devem ser ingeridas ao longo do dia, antes das principais refeições, durante sete ou quinze dias.
Alerta: Rápida recuperação da Mãe do Corpo; restauração das paredes uterinas e aumento do leite materno. A ingestão combinada com receitas naturais, repassadas de geração a geração, como chicha de milho com gengibre e pirão de farinha branca com galinha de casa ou nambu, auxiliam no processo de recuperação do corpo durante o trabalho de resguardo.
Atenção: Após o nascimento, nas duas primeiras semanas: permanecer no quarto à luz de lamparinas, debaixo do mosquiteiro; evitar sereno, contato com sol forte, molhar a cabeça, calor do fogão de barro, consumo de carne de caça, peixes em geral, frutas cítricas, bebidas alcóolicas e relações carnais.
A bula natural que abre alas para este texto, intitulado “Chá de Serragem”, diz respeito à medicina da floresta feita por mulheres na arte de curar e partejar nas Amazônias. Mulheres responsáveis pela manutenção da vida, saúde e (re)organização dos territórios como táticas de luta para sobrevivência. “Chá de Serragem” é uma receita milenar, repassada de geração a geração entre mulheres quilombolas da região do Vale do Guaporé, localizada no estado rondoniense.
Refletir sobre a contribuição social de mulheres negras, quilombolas, sobretudo suas práticas e táticas de trabalhos, por exemplo, é pensar o continente africano como berço da humanidade e da civilização. Uma África-Mãe, ainda narrada como exótica, para ampliar discussões a respeito de políticas públicas para enfrentamento contra racismo, genocídio e patriarcado. Mulheres parteiras, que aparam nas mãos os tentáculos da vida. Sinônimo de leveza, força e continuidade de uma luta que começou há muitos séculos.
Mulheres parteiras, aparadeiras, benzedeiras, curandeiras, rezadeiras, cozinheiras, mães de família, crias, esposas, netas e bisnetas que (re)passam e compartilham seus conhecimentos, medicinas e lutas no protagonismo feminino negro. Mulheres das florestas, rios, igarapés, lagos, mares e oceanos “[…] com pés fincados neste chão, sem negar nosso lugar de pertença” (Njeri; Ribeiro, 2019, p. 596). Pensemos África e Africanidade a partir de nós, de si mesmos, escavando e garimpando locais como agentes da própria história. Vinte e cinco (25) de julho, dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha e dia Nacional da Mulher Negra Tereza de Benguela.
Terezas, Ubuntu!
NJERI, Aza; RIBEIRO, Katiúscia. Mulherismo Africana: práticas da diáspora brasileira.
Disponível aqui
Acesso: 20 de junho de 2024.
*Joely do Rio
Quilombola de Pedras Negras, no Vale do Guaporé-RO. Doutoranda em Letras: Linguagem e Identidade (PPGLI/Ufac). Mestrado em História e Estudos Culturais (Unir, 2019). Licenciatura em Letras e suas respectivas Literaturas (Unir, 2016). Licenciatura em História (Centro Universitário Faveni, 2022). Pesquisadora no Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas da Universidade Federal do Acre (Neabi/Ufac) e no Grupo de Estudos e Pesquisas Culturalidades e Historicidades Africanas e da Diáspora Negra (Chade). Integrante no Projeto de Extensão “Samaúma Vivificante: o bem o bem viver e a educação feminina de(s)colonial”.
E-mail: joely.santiago@sou.ufac.br