Temendo conflito, Funai obtém revogação de sentença pró-Nambikwara Sabanê

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Pelo visto, os Sabanê lutarão por todo o século para ter direito a seu território (Foto Júlio Olivar)



Montezuma Cruz
Dos varadouros de Porto Velho

A essa altura, como entender a Funai? Este é o desafio entre indígenas, indigenistas, antropólogos e as próprias autoridades do Poder Judiciário em Rondônia. Com base em decisão da própria Justiça, o órgão conseguiu suspender parte de sentença que o obrigava a publicar no prazo máximo de 60 dias, portaria de constituição do grupo de trabalho para elaborar o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação das terras dos povos indígenas Sabanê no município de Vilhena, em Rondônia, na Amazônia Ocidental Brasileira. A decisão fora tomada pelo juiz federal da 5ª Vara, Dimis da Costa Braga.

A clara hesitação do órgão é manifestada em nota oficial divulgada a partir de Brasília, cuja primeira consequência é trazer de volta a velha animosidade entre indígenas Nambikwara Sabanê e Cinta Larga no Parque Indígena do Aripuanã. O juiz acatou o pedido de revogação. Ele acredita que a revogação pode resultar em “solução consensual.”

Ação determinando o reconhecimento dos direitos dos Sabanê fora ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF). Os Sabanê moram atualmente em terras dos Tubarão Latundê e Pirineus de Souza, e aldeias Sowaintê e Capitão Kina, dentro do Parque. A nota possui falhas, uma delas, a localização de Juína em Rondônia, quando esse município pertence ao Estado de Mato Grosso.

Em 11 de julho, indígenas Cinta Larga protestaram na unidade da Funai em Juína (MT), requerendo modificação da sentença. “A Funai está em diálogo com ambos os povos para impedir a escalada do conflito”, justifica a diretora de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável e presidente em exercício da autarquia indigenista, Lúcia Alberta.

Segundo a breve nota, a revogação da decisão judicial veio após uma reunião virtual na quinta-feira (18), quando foram ouvidos indígenas a respeito da situação que existe há décadas. Isso tudo aconteceu virtualmente. Nada de ver lideranças frente a frente, demonstrando razões e contrarrazões.

No Processo Funai nº 08620.009937/2018-92 trata da reivindicação fundiária denominada Nambiquara Sabanê, em Vilhena, consta uma declaração da Associação Utixunaty, subscrita pelo presidente Lino Sabanê, informando a intenção de seu povo de retornar à “antiga aldeia de origem”, próxima às cabeceiras dos rios Tenente Marques e Roosevelt.

O nó continua

Segundo a nota da Funai, o órgão acionou a Justiça Federal no sentido de “desfazer a sentença”. Alegação: “(…) Não podemos seguir com o processo de regularização fundiária em uma terra já regularizada. Estamos dialogando tanto com os Cinta Larga quanto com os Sabanê, para evitar que qualquer um deles enfrente situações de violência devido a interpretações equivocadas do processo de regularização fundiária.”

No momento em que o senador Jaime Bagatolli (PL-RO), defensor do Marco Temporal, defende a redução do território indígena, a Funai recua de todas as tentativas feitas no passado, mesmo reconhecendo possíveis desentendimentos entre Sabanê e Cinta Larga, a exemplo do que nos anos 1970 existiu entre Paiter Suruí e Zoró.

A Subseção Judiciária de Vilhena viu-se na obrigação de acatar o pedido da Funai para revogar parte da sentença. O caso é inédito, pois revela a Justiça Federal trabalhando sob pressão.

Para atender aos direitos do Povo Sabanê já estava sendo formado um grupo de trabalho que identificaria o exato território do povo Nambikwara Sabanê. Miseravelmente, a Funai deixa de explicar em sua nota a chance desse problema se transformar agora em um doloroso nó górdio.

Difícil a interpretação da Funai ao pé da letra, quando alega que a sentença do juiz Dimis Braga teria causado “revolta” ao povo indígena Cinta Larga “depois que um grupo Nambikwara Sabanê” decidiu ocupar parte do Parque Indígena do Aripuanã. “A área é reconhecida como de ocupação tradicional dos Cinta Larga pelo Decreto nº 98.417 de 20 de novembro de 1989”, argumenta a Funai.

Conclusão: no cômputo final dessa história, ao longo dos anos os pobres e massacrados Nambikwara, em seus diversos ramos, não apenas foram passados para trás, como são obrigados a engolir a pusilanimidade daqueles que poderiam de fato reconhecê-los.

Os Cinta Larga querem a retirada dos Sabanê da área por entenderem que a decisão pela constituição do grupo de trabalho “estimula a manutenção do grupo no território.” Já os Nambikwara Sabanê afirmam que parte do Parque Indígena do Aripuanã é área de ocupação tradicional do grupo e querem a instauração do GT ” para a identificação de áreas de ocupação tradicional.”

A Funai apresentou embargos de declaração recurso com a finalidade de esclarecer contradição ou omissão em decisão judicial e pedido de suspensão da parte da sentença que determinava o cumprimento imediato da decisão, bem como pedido de suspensão do processo judicial.

● “A gravidade dos fatos narrados e a repercussão negativa que um conflito indígena resultaria, reclama, com base no poder geral de cautela, a revogação da medida liminar concedida e o deferimento do pedido de suspensão do feito, por 90 dias, para possibilitar a remessa do conflito à colaboração do Departamento de Mediação e Conciliação de Conflitos Indígenas do MPI, como forma de viabilizar uma solução consensual entre Nambikwara Sabanês e Cinta Largas”. (Do juiz prolator da sentença).

● “Trata-se de decisão que contribui para a pacificação social e para se evitar conflitos entre grupos indígenas, situação indesejada pela Funai e pelo Poder Judiciário”. (Do Procurador-Chefe da Funai, Matheus Antunes Oliveira).

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