Desmatamento, seca e desestímulo são os inimigos da castanha-da-amazônia em Rondônia
No estado onde os investimentos públicos para a economia estão centralizados no grande agronegócio, cadeias da castanha e da borracha ficam travadas. Diante de potencial, organizações da sociedade civil se movimentam para assegurar valor e mercado aos produtos da floresta, obtendo renda para as comunidades extrativistas.
Montezuma Cruz
Dos varadouros de Porto Velho
Com safra de quinhentas toneladas por ano, Rondônia depende apenas de um fator para aumentar em pelo menos 30% a produção da castanha-da-amazônia: boa vontade das autoridades agrícolas e ambientais do governo estadual no sentido de impulsionar a melhor exploração dos castanhais. Um grande gargalo reúne tudo o que é ruim: desmatamento, queimadas e mananciais de água secos dentro de Unidades de Conservação (UCs).
A Reserva Extrativista Jaci-Paraná, UC estadual no município de Porto Velho, por exemplo, perdeu 85% de suas áreas com castanheiras por causa da grilagem, causando prejuízos incalculáveis.
“Se esse desmatamento fosse freado haveria grande probabilidade de se alcançar a meta dos 30% até 2030”, opina o presidente da Organização dos Seringueiros de Rondônia (OSR), Sebastião Neves. Segundo ele, isso dependerá do êxito da fiscalização, da coordenação das UCs, e da gestão no cultivo.
Numa hipótese otimista, caso o Projeto de Lei º 3334/2023 não vire Lei, basta ao governo estadual e aos extrativistas fazerem a lição de casa, apoiando ações das coordenadorias das UCs.
Ao contrário da meta do resgate dos castanhais, o governo estadual apoia silenciosamente o projeto do senador Jaime Bagattoli (PL-RO), que propõe a redução da reserva legal que precisa ser mantida intacta pelos produtores rurais. Tanto nas UCs quanto em propriedades rurais, os castanhais estão ameaçados.
Graças a ações da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), até 2015 Rondônia conseguiu proteger mais de 2 mil hectares de floresta, beneficiando aproximadamente três mil pessoas dedicadas à coleta de ouriços.
A OSR propõe ao Governo de Rondônia a criação de um programa de fomento macro com possibilidade ampla de incluir a castanha na bioeconomia. “Imagine essa castanha processada e o resultado que teremos; seu óleo está entre os mais valorizados do mundo”, sugere.
A castanha é atualmente um dos ingredientes mais utilizados na cozinha moderna, misturada em bolos, pães, sobremesas e pratos variados. No entanto, mudanças climáticas estão interferindo no solo e afetando diretamente a árvore. “Ela depende da água, e os rios estão mais secos em toda Amazônia”, lamenta Sebastião Neves.
Seca prejudica
Alerta Hidrológico do Serviço Geológico do Brasil (antiga Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais) revelou que a Bacia do Rio Amazonas neste mês de julho está com situação de chuvas abaixo da normalidade. Há déficit, notadamente nos afluentes Purus e Madeira.
Dados do IBGE revelam que Acre, o Amazonas e o Pará, concentravam, em média, 85% da produção nacional, no período de 2000 a 2015. Para esse mesmo período, Rondônia contribuía apenas com 9% da produção total, sendo sempre o 4º maior produtor, superando o Estado do Amapá.
Segundo estudo* da Embrapa, toda a produção oriunda de florestas primárias do Brasil, Bolívia e Peru vem do extrativismo colonial, mesmo assim dá resultados econômicos expressivos.
“Até meados de década de 1960 o Brasil todo foi praticamente o único produtor, quando a Bolívia começou a entrar no mercado. Surpreendentemente, esse país possui indicadores de desenvolvimento muito aquém do Brasil na indústria de castanha – de 13% entre 1985 e 2000, enquanto sua economia total cresceu apenas 0,5% ao ano”, diz o estudo.
LEIA TAMBÉM: Seringueiros de Rondônia dizem sim à retomada da extração do látex nativo
Bolívia agrega valor
Atualmente, toda castanha da região fronteiriça Brasil-Bolívia é processada no país vizinho. “Ela sai in natura, e isso não rende divisas; também na região do Baixo Madeira, em Porto Velho, é desse jeito”, observa Neves.
O quilo da castanha não passa de, no máximo, míseros R$ 5, e a lata de 17 quilos em média é paga a R$ 80 e até por menos. O município de Porto Velho se destaca: das 200t/ano, só a Resex do Cuniã produz 50t.
Exceção entre os castanhais do estado é a Terra Indígena Paiter Suruí, onde, graças à certificação do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), o produto até dobra o preço. Ainda conforme o estudo, a entrada da Bolívia no mercado e sua liderança mundial aconteceram pelo investimento em indústrias de beneficiamento, enquanto o Brasil dominava um mercado de castanhas com casca. Em meados da década de 2000 o Brasil e Bolívia dominavam 90% do mercado mundial e o Peru 10%.
Bolívia exporta sem ter árvores
A exportação boliviana é garantida pela produção da região fronteiriça, em Costa Marques, a 800 quilômetros de Porto Velho.
Dentro da perspectiva de o governo estadual organizar o fomento, a OSR lembra que a Emater tem modelos de agroindústrias viáveis: uma planta custa em torno de R$ 1 milhão. Assim, por exemplo, se uma ou duas unidades forem instaladas em Guajará-Mirim, não haveria necessidade da venda total da produção para industriais do país vizinho.
No eixo da BR-364, a produção concentra-se em território indígena. Fora dele, em Costa Marques (200 t por ano), Porto Velho (200t), Guajará-Mirim (150t) e também há produção Nova Mamoré e São Francisco do Guaporé.
Neves lembra que no período da entressafra, quando há escassez do produto, as pessoas compram nos supermercados castanha em embalagem de 200 g por R$ 20.
Um sonho parece ter sido temporariamente abortado. Em 2018 cogitava-se o fortalecimento de cooperativas e associações. “Tem de haver o empoderamento para a gestão social do negócio; a formação das lideranças, o investimento na capacitação são parte disso”, dizia Plácido Costa, diretor da Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) Pacto das Águas.
Essa Oscip propunha o investimento anual de R$ 1,5 milhão, associando o programa estadual de áreas protegidas ao programa de alimentação escolar, estimando o atendimento a 55 mil crianças e o manejo da castanha e apoio à comercialização, pelo prazo de três anos às populações das terras indígenas Uru-Eu-Wau-Wau e Rio Guaporé e Reserva Extrativista Rio Cautário. Projetavam-se 650 toneladas de castanha, mas na realidade, todos esperavam certificar ao menos trezentas.
Vencer desafios
Em 2018 o Projeto Plante Castanha do Brasil, incentivado pelo Escritório Regional de Gestão Ambiental da Sedam em Guajará-Mirim distribuiu 15 mil mudas de castanha no município.
“Uma castanheira bem cuidada produz mais, precisamos ter consciência disso para que ela se torne de verdade uma fonte econômica para Rondônia”, alerta o presidente da OSR.
Segundo Neves, dentro dos próximos cinco anos a entidade pretende aumentar a produção em aproximadamente duzentas toneladas somando-se o volume fornecido por árvores nativas e castanheiras plantadas.
“Apesar de possuir um enorme ativo socioambiental (65% de seu território demarcado como áreas protegidas e mais de 15 mil pessoas vivendo do extrativismo), Rondônia situa-se no Arco do Desmatamento, onde os desafios são enormes para conciliar produção com conservação socioambiental”, descreve o estudo da Embrapa.
Assim, conforme a OSR, se o desmatamento nas UCs for combatido à altura, a situação melhoraria, obedecendo-se ainda aos seguintes itens essenciais: 1) a limpeza da copa da árvore e ao seu redor; 2) selecionar áreas próximas entre esses tipos de castanheiras, a fim de atrair abelhas; 3) tornar a consorciação obrigatória; 4) plantar com matrizes (árvores-mãe) diferentes, mesmo da região.
____
* O estudo da Embrapa se chama: Panorama geral da produção extrativista da castanha-da-amazônia no Estado de Rondônia. Equipe de pesquisadores: Lúcia Helena de Oliveira Waldt, Lourdes Maria Hilgert Santos, Juliana Fernandes Maroccolo, Domingos Sávio Gomes Rego (Pacto das Águas) e Kátia Emídio da Silva.
SAIBA MAIS
● A castanha é rica em lipídeos de alto valor nutricional, vitaminas do complexo B e vitamina E, minerais cálcio, magnésio, folato, zinco, sódio e potássio), proteínas de alto valor biológico, aminoácidos – treonina, triptofânio e valina, dentre outros; é também boa fonte de ácidos graxos polinsaturados, e possui alto teor em selênio, explica a nutricionista Regina Rodrigues.
● Um seminário debateu em 2015 ações em busca de obter mais renda entre indígenas de Rondônia. Foi quando lhes apresentaram a experiência da Pacto das Águas, com a castanha-da-amazônia nas Terras Indígenas e Reservas Extrativistas.
● Em 2015 este repórter apurou com a Oscip Pacto das Águas: 1,7 mil indígenas Rikbaktsa colheram 80 toneladas na safra anterior; 625 Zorós, 140 ton; e 40 famílias da Resex Guariba-Roosevelt, 40 ton. Considerando apenas as Terras Indígenas Rikbaktsa, Japuíra, Escondido, do povo Rikbaktsa; a Terra Indígena Zoró; e a Reserva Extrativista Guariba, uma área aproximada de 880 mil hectares tinha potencial proteção com atividades sustentáveis. Desse total, 20%, ou seja, 176 mil hectares são certificados para o manejo da castanha.
● A Embrapa desenvolve projetos de pesquisa em rede e, embora a castanheira seja uma espécie valorizada e bastante estudada em sua carteira de projetos, o Estado de Rondônia não tinha nenhuma pesquisa em áreas nativas até 2014.
● O Map Cast (Mapeamento de Castanhais Nativos e a Caracterização Socioambiental e Econômica de Sistemas de Produção da Castanha-do-Brasil na Amazônia) dava início, naquele ano, ao estudo da caracterização da cadeia produtiva da castanha-da-amazônia em Rondônia, mostrando os principais atores envolvidos na cadeia, atuação de cada um, origem e quantidade da castanha comercializada e os canais de comercialização.